As instituições de ensino têm um papel crucial no combate à discriminação racial; especialista explica o que fazer em casos de racismo entre alunos
Recentemente, a atriz Samara Felippo denunciou um caso de racismo envolvendo sua filha, Alicia, de 14 anos. Segundo relatos, duas colegas de turma teriam escrito ofensas racistas no caderno da adolescente, que também teve páginas arrancadas. Esse episódio traz à tona uma questão crucial: como as escolas devem agir em casos de racismo entre alunos? Afinal, quais são as medidas que as instituições de ensino devem adotar?
Para responder a essas questões e entender qual o impacto dessa violência na vida das crianças afetadas, AnaMaria conversou com a psiquiatra Danielle H. Admoni, especialista em infância e adolescência, que explica melhor essa realidade e as medidas que podem ser tomadas para combater o racismo nas instituições de ensino.
O ambiente escolar desempenha um papel crucial no desenvolvimento emocional e social dos alunos, e a discriminação racial pode ter um impacto significativo na saúde mental desses jovens. Segundo a psiquiatra, a escola é uma parte fundamental da vida da criança, onde ela aprende, interage e estabelece relações interpessoais.
No entanto, quando um aluno enfrenta discriminação racial na escola, isso pode afetar profundamente sua autoestima, seu senso de pertencimento e sua saúde mental. Ao contrário dos adultos, as crianças muitas vezes não têm os recursos para entender e lidar com essas situações, o que pode levá-las a se sentirem retraídas, diminuídas e incapazes de se defender ou buscar ajuda.
A sensação de não pertencimento na escola pode levar a um aumento do isolamento social, da ansiedade e da depressão. Além disso, o bullying também pode ser uma consequência comum da discriminação racial, exacerbando ainda mais os problemas de saúde mental dos alunos afetados.
"Além dessas crianças ficarem mais para baixo, se sentirem excluídas, se sentirem menos do que os outros, isso pode inclusive levar a alguns tipos de transtorno mental. As crianças podem acabar sofrendo bullying por conta disso, o que também leva a uma sensação de não pertencimento. Pois, se na escola, que é um lugar onde ela passa um tempão, que é uma parte muito importante da vida dela, ela não pertence, ela pode levar isso para a vida adulta, essa sensação de nunca fazer parte do grupo, de nunca pertencer", explica Danielle.
É importante destacar que esses impactos podem ser duradouros e acompanhar os jovens ao longo da vida adulta, perpetuando sentimentos de exclusão e inadequação. Portanto, é fundamental que as escolas adotem medidas eficazes para combater o racismo e promover um ambiente inclusivo e acolhedor para todos os alunos.
O combate ao racismo é uma responsabilidade de todos, e as escolas desempenham um papel crucial na promoção da igualdade e inclusão. Segundo Danielle, é importante lembrar que o racismo é crime, além de ser uma prática intolerável e prejudicial.
A especialista também ressalta que, diante de casos de discriminação racial entre alunos, as escolas devem agir rapidamente, não apenas punindo os responsáveis, mas também educando e promovendo a inclusão. Além da aplicação de medidas disciplinares, é fundamental oferecer orientação e apoio aos alunos envolvidos, buscando conscientizá-los sobre a importância da diversidade e do respeito mútuo.
Uma abordagem eficaz inclui a inclusão de conteúdos sobre diversidade étnica e racial no currículo escolar, bem como a promoção de atividades e eventos que celebrem a cultura e história das diferentes comunidades. É essencial que as escolas criem um ambiente onde a diversidade seja valorizada e todos se sintam acolhidos e respeitados.
"Hoje tem milhões de filmes, de séries, de livros, de exposições que falam sobre a inclusão de diversas etnias, diversas raças. A gente sabe que as crianças dificilmente têm preconceito, muitas vezes acabam trazendo conteúdo de casa ou que assistem em algum lugar. E a gente precisa não só punir quem pratica o racismo, mas acolher também essas pessoas e orientar e educar elas. É fundamental que a escola trabalhe a inclusão. Por exemplo, não adianta nada falar sobre pessoas negras se na escola não trabalham pessoas negras, se não existe política voltada para isso", aponta Danielle.
Ou seja, o papel da escola na desconstrução do racismo é promover a representatividade em todos os aspectos, desde a seleção de materiais didáticos até a contratação de profissionais, garantindo que a diversidade da sociedade seja refletida no ambiente escolar. Portanto, é necessário não apenas punir os atos de racismo, mas também trabalhar ativamente para criar uma cultura de inclusão e respeito mútuo, onde todas as crianças se sintam seguras e valorizadas.
Os profissionais de saúde mental desempenham um papel crucial no apoio às escolas na implementação de programas de prevenção e intervenção para lidar com o racismo entre os alunos e promover o bem-estar emocional da comunidade escolar. De acordo com a psiquiatra, um aspecto-chave desse trabalho é o desenvolvimento da empatia nas crianças.
É fundamental que os profissionais de saúde mental ajudem os alunos a entender como é se sentir diferente e a importância de se colocar no lugar do outro. Isso envolve explorar experiências de crianças que são minoria em sua turma e incentivar a empatia e o respeito mútuo. O objetivo é cultivar um ambiente escolar onde todos se sintam valorizados e respeitados, independentemente de sua origem étnica ou racial.
"É muito interessante a gente mostrar pro outro como é se sentir diferente. Por exemplo, se numa sala tem dez crianças brancas e uma negra, como é se sentir diferente? 'Como é ser o único, diferente em qualquer aspecto e que não precisa ser melhor ou pior?' 'Como a gente vive com o diferente?' E outra questão importantíssima é se colocar no lugar do outro. 'Como eu me sinto sendo o outro?, 'como eu me sinto vivenciando a vida do outro? Este é um trabalho que precisa ser feito nas escolas, para que as crianças tenham a ideia de que 'eu não vou fazer com o outro o que eu não gostaria que fizessem comigo'", reflete Danielle.
Além disso, os profissionais de saúde mental podem trabalhar individualmente com os alunos para desenvolver habilidades de relacionamento e promover a compreensão mútua. Isso inclui explorar os sentimentos de cada aluno em relação ao racismo e oferecer suporte emocional para lidar com essas questões de forma saudável e construtiva.
Por meio de programas educacionais e atividades práticas, os profissionais de saúde mental podem desempenhar um papel ativo na promoção de uma cultura de inclusão e respeito nas escolas. Ao trabalhar em parceria com educadores, pais e alunos, eles podem contribuir significativamente para a construção de um ambiente escolar mais acolhedor e igualitário para todos.
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