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Comportamento / confira

‘É Assim Que Acaba’ narra ciclo da violência doméstica

Advogada especialista em gênero, Mayra Cardozo, analisa 'É Assim Que Acaba'. Trama que proporciona uma experiência sensorial do ciclo do abuso; saiba mais

Jéssica Batista
por Jéssica Batista

Publicado em 17/08/2024, às 17h00

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‘É Assim Que Acaba’ narra ciclo da violência doméstica - Reprodução │Sony Pictures
‘É Assim Que Acaba’ narra ciclo da violência doméstica - Reprodução │Sony Pictures

Na última quinta-feira (8), os cinemas brasileiros receberam o aguardado filme ‘É Assim Que Acaba’, uma adaptação do best-seller homônimo de Colleen Hoover. Desde o seu lançamento, a produção vem gerando polêmicas e dividindo opiniões, especialmente quanto à forma como aborda o delicado tema da violência doméstica

O enredo conta a história de Lily Bloom, uma jovem empreendedora que, após anos de superação pessoal, se vê envolvida em um relacionamento com Ryle Kincaid, um neurocirurgião carismático e apaixonante. A princípio, o romance entre eles parece ser o que Lily sempre sonhou, mas conforme a trama se desenvolve, o relacionamento revela sua verdadeira face: um ciclo de abuso e violência.

O filme, assim como o livro, representa o que muitas mulheres enfrentam em relacionamentos abusivos. A narrativa ilustra como o abuso pode começar de maneira sutil e insidiosa, evoluindo gradualmente até que a vítima esteja presa em uma situação de violência. A obra de Hoover mostra a complexidade dos relacionamentos abusivos, onde a vítima muitas vezes se sente dividida entre o amor e o medo, entre o desejo de perdoar e a necessidade de se proteger.

Glamourização da violência? ‘É Assim Que Acaba’ dividiu opiniões  

Apesar da intenção da autora de mostrar a dualidade dos relacionamentos abusivos, o filme foi alvo de críticas por parte do público. Mayra Cardozo, advogada especialista em gênero, analisa a trama e as diferentes reações que o filme gerou. “Muitas pessoas alegam que a abordagem de conto de fadas no início, uma escolha narrativa que dá a impressão de ser artificial e distante, dificulta a conexão com a realidade da violência doméstica”, diz a especialista à AnaMaria

‘É Assim Que Acaba’ narra ciclo da violência doméstica
Reprodução - Sony Pictures│‘É Assim Que Acaba’ narra ciclo da violência doméstica

Mayra Cardozo aponta que essa forma de conduzir a história tem um motivo. A trama consegue envolver o espectador na mesma dinâmica emocional vivida por muitas vítimas de abuso, que inicialmente se apaixonam e confiam no parceiro, sem perceber os sinais de alerta que surgem ao longo do tempo. Essa ‘vivência sensorial do ciclo do abuso’, como descreve Mayra, permite que o público experimente, ainda que do outro lado da tela, o dilema enfrentado por muitas mulheres que, apesar de amarem seus parceiros, acabam presas em um ciclo de violência.

A crítica mais contundente dos espectadores à adaptação é justamente sobre como a história poderia dar margem à romantização do abuso. Algumas opiniões destacam que a apresentação inicial do relacionamento como algo idealizado pode levar algumas pessoas a minimizarem os primeiros sinais de violência, acreditando que o amor verdadeiro pode superar qualquer obstáculo, inclusive o abuso. 

“O filme não glamouriza a violência, mas sim, proporciona uma experiência sensorial do ciclo do abuso”, destaca Mayra. Essa distinção é crucial para compreendermos o propósito da obra. Ao tornar o abusador um personagem carismático e inicialmente irresistível, a produção nos faz refletir sobre como é fácil cair nas armadilhas de um relacionamento abusivo. A complexidade desse tipo de relação, onde o agressor pode ser alguém que a vítima ama e em quem confia, é um dos pontos centrais tanto do livro quanto do filme.

No entanto, é justamente essa complexidade que gera tanto desconforto entre os espectadores. Para muitos, assistir ao filme e perceber que, em algum momento, torceram pelo casal ou sentiram empatia pelo abusador, é uma experiência perturbadora. Isso porque, ao contrário de muitos filmes que retratam o agressor como um vilão absoluto, ‘É Assim Que Acaba’ nos apresenta um personagem multifacetado, alguém que, apesar de suas falhas, também possui qualidades redentoras. Esse tipo de narrativa nos força a encarar a realidade de que qualquer pessoa, em qualquer momento, pode se encontrar em um relacionamento abusivo.

‘É Assim Que Acaba’ narra ciclo da violência doméstica
Reprodução - Sony Pictures│‘É Assim Que Acaba’ narra ciclo da violência doméstica

A reação do público à trama é uma prova da eficácia do filme em trazer à tona questões difíceis e incômodas sobre a violência doméstica. Enquanto alguns elogiam a humanização dos personagens e como a história ilustra as nuances de um relacionamento abusivo, outros criticam a adaptação por não capturar o mesmo impacto emocional do livro e por sua abordagem menos realista dos temas de abuso. Críticas à parte, o filme cumpre o papel de iniciar conversas importantes sobre um tema que muitas vezes é silenciado.

O retrato do agressor na ficção

A advogada explica que filmes que retratam o agressor como um vilão absoluto distanciam a sociedade da empatia pela vítima, que acaba sendo julgada por não sair da relação. “Talvez a abordagem tenha incomodado tanto porque, por um momento, você torceu pelo casal, assim como a vítima, que ama, tem uma família e acredita na mudança do parceiro”, diz ela. 

“Colocar o agressor como um monstro dificulta nossa compreensão e nos afasta da capacidade de ajudar. Entender que você também poderia se envolver em um relacionamento assim nos aproxima da realidade das vítimas e nos faz perceber que ninguém está imune a viver um relacionamento abusivo. Isso nos leva a questionar nossos próprios relacionamentos e a refletir sobre o que já vivemos, identificando se houve, ou há, sinais de abuso”, complementa. 

Em suma, ‘É Assim Que Acaba’ é mais do que um romance ou um drama sobre violência doméstica; é uma forma de discutirmos e entendermos as camadas profundas de um relacionamento abusivo. A polêmica em torno do filme reflete a dificuldade que temos em lidar com essas questões de maneira aberta e honesta, e a necessidade de continuar falando sobre elas, seja através da arte, da literatura ou da análise especializada.

A reflexão proposta por Mayra Cardozo é um ponto de partida para repensarmos o impacto de histórias como essa e como enxergamos o tema da violência doméstica e dos relacionamentos abusivos. “Nada é preto ou branco; os relacionamentos são complexos, o ciclo da violência é complexo, e a dificuldade da vítima em deixar o agressor também é”, finaliza Mayra.  

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