A morte de Rita Lee, na última segunda-feira (8), deixou milhões de brasileiros desolados. Ainda assim, a cantora proporcionou um legado que impacta todas as gerações e continuará reverberando na cultura brasileira: a de uma transgressora que constrói e se torna lenda por sua irreverência.
“Ela demonstrou um sentimento de inconformismo para diferentes gerações. Atingiu meu pai, me atingiu e atingiu meus filhos, porque a Rita Lee é aquele prodígio da inteligência. Tudo o que ela fala modifica o nosso comportamento”, diz o cronista e poeta Fabrício Carpinejar, que conversou com AnaMaria Digital sobre o legado que a cantora deixa após sua morte.
Ele aponta ainda a unicidade de Rita Lee: Rainha do Rock – apesar de preferir o título “Padroeira da Liberdade” – carismática e empática ao ponto de gerar admiração até mesmo naqueles que possuem uma postura ideológica diferente dela. Ele a define como uma “transgressora que constrói”, mas ressalta que não se pode reduzi-la a um estereótipo.
REBELDE COM CAUSAS
Longe de ser uma “rebelde sem causa”, Rita Lee se mobilizou a vida inteira pela proteção dos animais, pela inserção feminina no mercado de trabalho, pelo uso da pílula anticoncepcional, pela normalização do divórcio, pela criação livre dos filhos e, é claro, pelo protagonismo das mulheres no rock, tornando-se uma das primeiras cantoras a ocupar o lugar de vocalista, e não apenas de backing vocal.
“Ela tinha muitas causas. Combatia a demagogia dos políticos a ponto de deixar explícito que eles não comparecessem ao seu velório. Até depois de morta ela continua irreverente”, diz Carpinejar. Ele ainda relembra que Rita Lee foi a artista mais censurada na época da ditadura, por suas letras que exalavam liberdade e sexualidade.
100% RITA LEE
Apesar de todo o seu legado, ela nunca pretendeu se mostrar como perfeita. O poeta diz que ela era no palco aquilo que era no camarim. Inclusive, seus tuítes virais, que foram resgatados no dia do seu falecimento, diziam frases como: “A vida é curta e eu sou grossa” e “Vou dar unfollow em mim, tô muito chata, só falo besteira”.
“Eu acho que ela conseguiu estabelecer essa cumplicidade [com o público] pelos defeitos também. Ela não ficava fazendo pose de princesa ou mesmo de ‘Rainha do Rock’. Quem acompanhou sua faceta de apresentadora no ‘Saia Justa’ via que ela era mal-humorada, rabugenta e, ao mesmo tempo, irresistível, pois tinha a capacidade de ser sincera”, relembra Carpinejar.
Ele afirma que a cantora buscou viver intensamente e “mergulhar na existência” em qualquer um de seus projetos: na banda, na carreira solo, na autobiografia e como apresentadora de televisão. “Ela não ficou só no raso, ela foi fundo”, completa.
DEPOIS DO ADEUS
Segundo o texto publicado por Fabrício Carpinejar em suas redes sociais, a morte de Rita Lee foi “o primeiro dia do resto de nossas vidas”. Questionado sobre o que isso quer dizer, ele afirma que a morte da cantora também significa a perda de um alicerce. “Agora viveremos com metade do charme. É muito diferente saber que a Rita Lee está ali, outra coisa é saber que ela não está mais. Se o Brasil já era difícil com Rita Lee, imagina sem ela”, explica.
Ao mesmo tempo, o poeta demonstra a segurança de que a cantora retornará de um jeito ou de outro, por sua forte espiritualidade: “Ela era muito ligada a plantas, animais, astrologia. Uma pessoa absolutamente magnética. Na realidade, ela era mais energia do que pessoa”.
Além disso, é impossível pensar que o legado da Padroeira da Liberdade não seguirá impactando mais pessoas. Com suas canções relevantes, revolucionárias e irreverentes, como descreve Carpinejar, ela era uma antena da liberdade, que não faleceu realmente na última segunda-feira (8).
“O fim é uma formalidade totalmente dispensável para aquela que teve um pacto apaixonado com a metamorfose. Baby baby, não há como cansar de chamar Rita Lee de volta ao palco, porque jamais estaremos perdidos depois dela. Eu acredito no bis. Gente assim retorna de um jeito ou de outro”, conclui.