Para dar voz à jornada da maternidade atípica, Michele conta sua história inspiradora e revela que 'nunca existiu sofrimento'
Publicado em 12/05/2024, às 16h00 - Atualizado em 20/05/2024, às 12h18
No Dia das Mães, celebramos o amor e a dedicação das mães em todo o mundo. É um momento especial para refletir sobre os desafios e as alegrias da maternidade. Neste contexto, é importante também reconhecer a jornada única das mães de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Para elas, o caminho pode ser repleto de desafios, mas também de aprendizados profundos e um amor incondicional que transcende as barreiras da neurodiversidade.
Para dar voz às vivências dentro da maternidade atípica, AnaMaria conversou com Michele Vitorato, mãe de Joaquim, de 5 anos, que foi diagnosticado com autismo nível 3 não verbal aos 3 anos. A visão dessa mãe nos lembra da importância de acolher e valorizar a singularidade de cada indivíduo. Para ela, as crianças com TEA são mais do que uma responsabilidade; são agentes de mudança, portadoras de uma sabedoria especial que pode nos ensinar muito sobre empatia, compreensão e aceitação.
O relato a seguir, contado pela própria Michele, é a história de uma mãe que enxerga o autismo não como uma limitação, mas como um "presente" e uma "missão", e sua jornada é um testemunho do poder transformador do amor materno e da resiliência humana. Confira nas próximas linhas um pouco das vivências dessa mãe dentro da maternidade atípica.
A iniciativa de levar o Joaquim para o processo de investigação do TEA partiu de mim, pode parecer meio clichê, mas “uma mãe sente quando tem algo errado”. Apesar de ser meu primeiro filho e ainda ser muito inexperiente nos cuidados com criança e ainda estar me descobrindo como mãe, alguma coisa no meu coração sentiu que aquela pessoinha tinha algo de 'diferente'. Tive medo de ser repreendida pelos familiares por estar caçando 'pelo em ovo' e por ouvir repetidas vezes que “cada criança tem a sua hora”, frase essa que abomino e que hoje faço questão de discordar e trazer as informações que adquiri nessa jornada de mãe atípica.
Tudo isso me fez esperar a hora certa de ir atras do que realmente me interessava que era cuidar do meu filho. Foi com um pouco mais de 1 ano que começamos todo o processo de investigação, foi um processo longo, pois são muitos exames e testes para se chegar a um laudo concreto. Exames de vista, ultrassom abdominal, eletro e questionários intermináveis feitos pela equipe de saúde. Para se ter uma ideia, quando o laudo do Joaquim saiu ele já tinha 3 anos de idade, me arrependi de não ter ido mais cedo atrás de ajuda.
Todo esse tempo para sair o laudo do meu filho fez com que eu me aprofundasse mais no assunto do TEA e, nesse meio tempo, já havia colocado ele para fazer Terapia Ocupacional e fazia em casa algumas intervenções que aprendia com os profissionais que acompanhava pela internet. Joaquim é autista nível 3 não verbal e posso dizer que foi um alivio receber essa notícia, aquela mãe inexperiente lá do começo pode respirar aliviada e sorrir. Não era exagero dela, ela realmente estava certa em sentir que seu filho precisava de uma atenção maior e as repreensões das outras pessoas foram por água abaixo.
Por isso, quando a equipe multidisciplinar passou o laudo do Joaquim, não teve tristeza, não teve raiva. Fiquei emocionada, pois sabia em meu coração que não existia melhor mãe naquele momento do que eu, que ao meu lado Joaquim teria o melhor desenvolvimento possível e pudemos traçar a partir dali como iriamos conduzir sua vida.
Conseguir os tratamentos adequados para o Joaquim são os maiores desafios da minha jornada da maternidade atípica. Apesar do número de diagnósticos de TEA ter aumentado nos últimos tempos, as clínicas e especialistas não seguiram a mesma velocidade, mesmo colocando o Joaquim em um plano de saúde, as clinicas particulares não tem vagas para atendê-lo, além de serem localizadas em outra cidade.
Seguimos apenas com os acompanhamentos que ele tem na Apae e fisioterapia enquanto esperamos uma vaga nas clinicas que deixamos o nome. Enquanto esperamos, fazemos nossa parte como pais, buscando o máximo de conhecimento possível, pois sabemos que o trabalho com uma criança TEA não se resume apenas ao horário de terapia, mas se estende em casa e com toda família envolvida.
Não damos celulares nem tablet, o tempo na TV é controlado e qualquer atividade simples do dia como descascar uma banana ou tirar a roupa da máquina é uma oportunidade de trabalhar a cognição e a coordenação.
Hoje, Joaquim está com 5 anos e já vai à escola, acordamos bem cedo e nos preparamos para o dia, ele estuda na Apae desde de que recebeu o diagnóstico. Lá, ele estuda, tem seções de fisioterapia, Terapia Ocupacional, psicóloga, fono, equoterapia (método terapêutico e educacional, que utiliza o cavalo dentro de uma abordagem multidisciplinar e interdisciplinar), além de ter um acompanhamento com neurologista, dentista e enfermeiro. Ele é muito bem cuidado nesse espaço e sou muito grata por isso.
Na parte da tarde, Joaquim fica com as avós que se revezam para cuidar dele enquanto estou trabalhando. Assim que saio do trabalho, pego ele na casa da vó e sua irmã, Helena, de 3 anos, na escola. Ela é um furacãozinho de pessoa que, com certeza, ajuda e muito no desenvolvimento do Quim, que é como o chamamos, ou do Tatu, que é como ela o chama.
Ao chegar em casa, tenho que me dividir em cuidar da casa e dar atenção para eles, brincar, lanchar até a hora do meu esposo, Deivis, chegar e eu perder toda a atenção, porque todos querem brincar com o papai. Nossa parceria é fundamental para que tudo isso dê certo, meu marido e eu encaramos tudo isso com muita leveza e fazemos nosso dia a dia ser uma rotina agradável para todos.
Enquanto levo o Joaquim para terapia, meu esposo fica em casa fazendo o jantar, função essa que ele faz com muito prazer. Quando voltamos, sentamos todos juntos para jantar, essa é uma prática que fazemos desde quando nossas crianças eram bebês, nunca tivemos o hábito de dar comida para as crianças primeiro para depois comermos. Por conta disso, nunca tivemos trabalho na hora das refeições, é claro que tem sempre uma baguncinha à mesa, afinal criança é criança, mas esse tipo de rotina é muito importante para uma criança TEA.
Depois da janta todos vamos para sala ou quintal, pois depois do jantar não tem TV, ficamos até dar a hora de dormir lendo livros, brincando de cabana com o papai, fazendo apresentações artísticas ou só contemplando o céu. Para mim, é a hora mais importante do meu dia com ele, onde estou construindo vínculo e trabalhando a interação e outras coisas tão importante para o desenvolvimento de uma criança TEA.
Tem dias que manter essa rotina não é fácil, tirar as crianças da TV foi uma iniciativa que tivemos há algum tempo e deu muito trabalho no começo, crises e muito choro, mas persistimos mesmo muitas vezes querendo desistir, pois não é fácil depois de um dia todo de trabalho lidar com essas crises, porém compreendemos a importância de trazer a criança para outro ambiente e fazê-la interagir com o mundo e as pessoas. Isso vai ajudar ainda mais o desenvolvimento do Joaquim, nos dá mais força para continuar.
Hoje temos muito orgulho das atitudes que tomamos, principalmente quando vamos a algum lugar publico e vemos tantas crianças em tablets e celulares e nossas crianças tranquilas brincando com brinquedos na mesa, colorindo ou correndo pelo espaço, poque, afinal, são crianças e crianças correm, e o Joaquim corre muito.
Não existe sofrimento, nunca existiu. Antes de sair o laudo do Joaquim, eu já sabia qual seria o resultado e tanto eu como meu marido aceitamos e decidimos levar da forma mais leve possível, existe todo um trabalho de achar um bom caminho de tratamento, mas em paralelo a isso, existe um serzinho de alma pura e é o que me encanta no Joaquim.
Durante nossa trajetória de estudo sobre como lidar com uma criança TEA, também abrimos nosso coração para poder sentir a essência do nosso filho atípico. Quando você faz isso, quando você deixa os padrões do ser humano com suas crenças e culturas enraizadas, o que sobra é pura essência, e o Joaquim é isso, puro amor, carinhoso, sorridente.
Tudo que ele demonstra é verdadeiro, seja alegria, ou tristeza, é o mais puro sentimento e ser não verbal vira algo banal para quem consegue demonstrar no olhar a sua mensagem.
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Tudo é energia, vibramos energia e essa energia influencia tudo a nossa volta. Quando estou com algum conflito referente a trabalho e deixo baixar minha energia, meu marido entra em ação com sua famosa frase “Você é o nosso alicerce, quando você baixa a energia toda a casa entra em desequilíbrio”. Eu acredito fielmente nisso, acredito que proporcionamos ao Joaquim um ambiente de paz e equilíbrio e esse é também um dos motivos dos médicos se espantarem por ele não tomar nenhuma medicação sendo grau 3.
Por isso, meu maior conselho para as mãe atípicas seria “cuide das suas energias”. Não é fácil no começo, mas a rotina nos ajuda a pensar mais em nossa saúde mental. Coloque na sua rotina, nem que seja por 15 minutos às 4h45 da manhã, um tempo prazeroso só com você, medite, exercite-se, seja grato sempre, não dê espaço para reclamações. Aprendi uma vez que quando reclamamos estamos pedindo mais do mesmo (re= de novo; clamando= pedindo); se for para querer mais do mesmo, que sejam coisas boas.
A primeira vez que postei sobre o Joaquim nas redes sociais foi no dia 2 de abril, Dia Mundial da Conscientização do Autismo, deixo aqui as palavras que escrevi naquele dia quando eu oficializei nas redes sociais que sou mãe atípica:
“Eu acredito que quando chegamos nesse mundo chegamos com uma missão de vida, o grande lance é descobrirmos qual é essa missão. Às vezes passamos anos e talvez a vida inteira e nunca chegamos nem perto de descobrir qual é a nossa missão. Quando, enfim, saiu o laudo do Joaquim, eu tive certeza de qual era a minha missão nesse mundo, afinal, que mãe e pai não viram apoiadores da causa autista diante do laudo de um filho?
Direitos disso, direitos daquilo, aceitação, grupo de apoio... e não demorou muito tempo pra eu perceber que eu estava completamente errada, que na verdade eu fazia parte da missão de vida do Joaquim, de ensinar como ser verdadeiro e puro em cada momento de minha vida. Aqui não existe enganação, não existe mentira ou dissimulação, aqui tudo é real e intenso, sem filtro. É claro que não devemos romantizar o autismo porque às vezes é bem complicado o dia a dia com suas crises e tal...
Eu sei disso e vivencio essas dificuldades todos os dias, mas quando eu comecei a enxergar sua essência e me dei conta do seu propósito aqui, o temor e a insegurança pelo futuro deu lugar à gratidão. Eu sinto gratidão por ter sido escolhida por ele, por fazer parte da sua missão, não tenho dúvidas que hoje sou uma pessoa melhor. Aos pais de autistas, "tamo junto nessa". Aos pais que temem a confirmação de um laudo, permitam-se ser resgatados.”
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Quando falamos do Transtorno do Espectro Autista, precisamos falar também sobre inclusão, principalmente da família, que muitas vezes se encontram isoladas e em total exaustão. De acordo com a psicóloga Regiane Oliveira, especialista em inclusão social com TEA, os familiares são os primeiros a sentirem o impacto familiar e social dessa nova realidade, para a qual não estavam preparados.
"Iniciarmos pelo acolhimento e escuta, direcionamento assertivo, esclarecimentos de leis, e sem julgamentos, será o primeiro passo para que a família comece a se estruturar para ajudar a criança. O autista aprende, dentro de suas limitações e, com a orientação adequada, ele irá se desenvolver", aponta a profissional.
"Muitos serão inseridos na sociedade, mas será necessária uma inclusão verdadeira, sem maquiagens, dentro do tempo de cada criança, entendendo as suas necessidades. Lembrando que a criança não é o autismo, mas somente uma criança que aprende de forma diferente da qual a sociedade está acostumada", acrescenta Regiane.
A seguir, a psicóloga lista algumas dicas importantes para promover a inclusão das crianças com TEA. Confira:
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