No dia 22 de outubro, celebra-se o Dia Internacional da Gagueira e é importante trazer mais informações sobre este distúrbio da comunicação
No Dia Internacional da Gagueira, celebrado em 22 de outubro, é importante aumentar a conscientização sobre esse distúrbio de comunicação que afeta milhões de pessoas no mundo e pode ser especialmente impactante para crianças e jovens que podem sofrer bullying, sobretudo no ambiente escolar, devido à condição - a gagueira é um distúrbio da fluência que acomete 5% da população mundial, sendo 1% de forma crônica e persistente; e, no Brasil, afeta oito milhões de crianças e dois milhões de adolescentes e adultos, segundo dados da Associação Brasileira de Gagueira (Abra Gagueira).
E para entender melhor sobre o assunto, na coluna de hoje, vamos falar sobre sinais, tratamentos e a importância de promovermos um ambiente mais acolhedor e livre de preconceitos.
Como identificar e tratar a gagueira infantil
Aumentar a conscientização sobre a gagueira é importantíssimo, pois, sem o devido tratamento, essa condição pode não apenas afetar a fala, como também impactar a autoestima, especialmente em crianças.
Também conhecida tecnicamente como disfluência ou tartamudez, a gagueira infantil é comum nos primeiros anos de desenvolvimento da fala e, muitas vezes, passageira. Segundo o pediatra de Niterói Cláudio Ortega, "a gagueira pode surgir a partir do momento em que a criança começa a falar com mais fluência, por volta dos 2 anos e meio ou 3 anos". Por isso, é muito importante que os pais fiquem atentos, especialmente se persistir por mais de seis meses, pois isso pode ser sinal de que a criança precisa de acompanhamento profissional.
E saber identificar se a gagueira é algo passageiro ou não é fundamental para o sucesso do tratamento. “Os principais sinais que indicam a presença da condição são o prolongamento de sons, como "fffffazer"; a repetição involuntária de sílabas, como "fa-fazer"; os bloqueios na fala, como quando a criança trava no meio de uma frase; o travamento ao iniciar frases ou palavras; e os movimentos associados à fala, como franzir as sobrancelhas ou apertar os olhos”, alerta o pediatra.
É importante dizer que, apesar de ser muitas vezes incompreendida, a gagueira pode ser gerida com o apoio correto. Para isso, é importante que ouvintes e pessoas com gagueira sigam algumas dicas. “Para os ouvintes, a orientação é sempre escutar com naturalidade a pessoa que gagueja, procurando prestar atenção ao conteúdo da mensagem; não completar ou tentar adivinhar o que a pessoa irá dizer; evitar observações como 'fale devagar', 'respire fundo', 'fale direito'; e sempre sugerir que a pessoa que gagueja busque um fonoaudiólogo especialista em fluência. Já para os indivíduos que possuem a gagueira, a dica é não se preocupar com a forma da fala, mas com o que vai falar; não usar truques tentando esconder a gagueira, pois a tentativa de controlar a fala acentua ainda mais o problema; evitar manter uma imagem negativa de si mesmo, pois a fala é, por natureza, passível de atropelos e ninguém é cem por cento fluente. Muitas vezes, a pessoa já tem certeza de que vai gaguejar antes mesmo de falar. Portanto, é importante permitir que a fala flua sem esta previsão”, explica Maurício Júnior, Diretor Secretário da Abra Gagueira e pessoa que gagueja.
Direto ao ponto
Quando nossos filhos estão passando por alguma individualidade, como a gagueira, não são raros os questionamentos. Por isso, conversamos com as fonoaudiólogas Bruna Ribeiro e Larissa Laís de Sá Trentim (que também é consultora em amamentação da Evolve Saúde e Desenvolvimento), que vão elucidar as principais questões sobre o assunto.
Aventuras Maternas - Quais são as principais causas da gagueira e como ela se manifesta em diferentes faixas etárias?
Bruna Ribeiro - A gagueira é um distúrbio da fluência da fala, que se caracteriza por repetições, prolongamentos frequentes de sons, de sílabas ou de palavras, ou por hesitações ou pausas frequentes que perturbam a fluência verbal. E é considerada um transtorno quando a intensidade dos sintomas incapacita de forma marcante a fluidez da fala. A causa da gagueira envolve uma soma de fatores multidimensionais e individuais, como aspectos motores, aspectos biológicos, psicológicos, linguísticos, ambientais e ainda predisposição genética, que levam à uma disfunção do processamento motor e temporal de fala. Vale lembrar que a gagueira se diferencia em três subgrupos: gagueira idiopática ou do desenvolvimento, gagueira neurogênica e gagueira psicogênica. Durante a infância, a criança está experimentando um complexo processo de aquisição e desenvolvimento de linguagem, fase em que ela aprende com uma capacidade muito maior do que processa, a demanda é maior que a habilidade, e nesta fase, é comum que apresentem disfluências, porém com o amadurecimento desse processo, há estabilização do fluxo de fala e os sintomas desaparecem em cerca de 6 meses. Porém, quando a criança apresenta fatores predisponentes para a gagueira, essas disfluências poderão evoluir para um quadro crônico, chamado gagueira do desenvolvimento, que ocorre geralmente na primeira infância, entre os 18 meses e 7 anos de idade, podendo se cronificar até a fase da adolescência e fase adulta
Em contrapartida, a gagueira neurogênica ocorre num falante fluente, em decorrência de um dano cerebral de origem vascular ou traumatismo cranioencefálico. E a gagueira psicogênica é causada por algum evento psicológico identificável (traumático ou de conflito emocional) ou ainda associada a quadros psiquiátricos. Estas costumam manifestar-se mais tardiamente, já na fase adulta ou velhice.
Larissa Laís de Sá Trentim - As principais causas da gagueira englobam fatores genéticos, neurofisiológicos e também ambientais. Repetições de sílabas e bloqueios de fala comumente são as primeiras manifestações notadas em quadros de gagueira. Podem apresentar também repetição de palavras ou até mesmo de frases, interjeições ou interrupção de palavras. Na infância, entre 2 e 3 anos de idade, a criança pode apresentar um quadro de disfluência transitória, em que algumas manifestações podem aparecer e apresentar remissão em até 12 semanas. Entretanto, conhecendo a importância do ambiente seguro e acolhedor nos momentos de disfluência, mesmo nestes casos, é indicado que a família seja orientada por profissional da área. Em casos de gagueira infantil diagnosticada, é necessária intervenção e tratamento com fonoaudiólogo. Em adultos, o quadro pode persistir e agravar, ampliando os impactos sociais para o mercado de trabalho.
Aventuras Maternas - A gagueira pode ser hereditária? Há fatores genéticos que contribuem para seu desenvolvimento?
Bruna Ribeiro - Sim, a gagueira pode ser hereditária, embora não seja a única causa possível. A literatura científica ainda não estabeleceu um modelo de transmissão da herança genética para a gagueira, mas a predisposição genética é reforçada pelos estudos há muitos anos. Existem alguns indícios que sugerem um gene principal combinado a outros genes, que são responsáveis pelo aumento do risco ao surgimento da gagueira.
Larissa Laís de Sá Trentim - Sim, a gagueira pode ser hereditária. Pesquisas indicam que crianças com histórico familiar de gagueira têm uma maior chance de desenvolver o distúrbio. É importante investigar o grau de parentesco e em que momento o familiar começou a apresentar disfluências.
Aventuras Maternas - Quais técnicas ou tratamentos fonoaudiológicos são mais eficazes para ajudar pessoas com gagueira a melhorar sua fala?
Bruna Ribeiro - O tratamento para gagueira surge após uma minuciosa avaliação fonoaudiológica, que visa identificar quais procedimentos clínicos e conduta será mais apropriada para cada indivíduo. Durante o tratamento, algumas técnicas utilizadas são a conscientização sobre a gagueira, a suavização da fala, a redução da velocidade de fala, o relaxamento de tensões corporais, a melhora do padrão respiratório e articulatório, além de trabalhar as habilidades comunicativas.
Larissa Laís de Sá Trentim - Os tratamentos mais eficazes variam de acordo com a idade e a gravidade do caso. Em crianças, técnicas como a terapia indireta, que envolve modificar o ambiente e encorajar a fluência de maneira não invasiva, são bastante utilizadas. Para adolescentes e adultos, terapias diretas que envolvem controle da fala, como a técnica do "prolongamento" e "início suave", são comuns. Além disso, é importante trabalhar a confiança e reduzir a ansiedade em relação à fala, e o envolvimento da família são essenciais. A participação familiar ajuda a melhorar o ambiente de fala da criança e maximizar os efeitos da terapia.
Aventuras Maternas - O ambiente e as interações sociais podem agravar a gagueira? Como familiares e amigos podem apoiar alguém que gagueja?
Bruna Ribeiro - O ambiente familiar e o convívio social influencia muito no agravamento da gagueira. Existem fatores ambientais predisponentes para a gagueira, tais como, famílias que dão mais atenção à disfluência, finalizam as sentenças das crianças, apressam a finalização da fala, encorajam a velocidade de fala aumentada, corrigem exageradamente a criança, criticam e modificam as frases, são modelos de fala muito rápida, têm estilo de vida muito acelerado, expõem e constrangem as crianças ou adolescentes. Além disso, não podemos deixar de citar a existência do bullyng à pessoa com gagueira, que pode estar presente no ambiente escolar, de
trabalho, entre outros. É fundamental que as pessoas que convivem com uma pessoa que gagueja, não a interrompam quando estiver falando, não desviem o olhar, não completem a frase ou a palavra, mantenham a atenção na pessoa, tenham paciência enquanto ela fala, realizem contato visual sustentado mesmo em momentos em que a fala não esteja fluente, deem um “retorno/feedback” de que está entendendo o que ela quer dizer.
Larissa Laís de Sá Trentim - Sim, questões ambientais, como pressão para falar rapidamente, correções constantes e situações de estresse podem agravar a gagueira. Para ajudar, familiares e amigos devem ser pacientes, escutar sem interromper e criar um ambiente acolhedor que incentive a fala sem pressões. A orientação familiar é essencial para reduzir fatores agravantes e melhorar o progresso da terapia. No caso de crianças é importante prestar atenção ao que ela está falando, não a interromper com frases como:“calma, respira” ou também não pedir para ela repetir insistentemente. Se a criança apresentar alguma disfluência enquanto conversa com você, aguarde-a concluir o que está falando, valorize o assunto que ela está comentando e coloque na sua frase as palavras que ela teve dificuldade, oferecendo um modelo de linguagem e de ritmo de fala. Por exemplo, se a criança está lhe explicando que foi à casa da avó, você poderia continuar o diálogo dizendo: “Nossa, eu também adorava brincar na casa da minha vovó, ela cozinhava sempre quando eu estava lá. E a sua vovó, gosta de cozinhar?”.
Aventuras Maternas - Qual é o papel da intervenção precoce na gagueira? Quanto mais cedo o tratamento começar, maiores são as chances de sucesso?
Bruna Ribeiro - A gagueira não tem cura, mas tem tratamento e quanto antes ele começar, principalmente para pessoas que tem fatores de risco, melhor será o prognóstico. A terapia trará enormes benefícios, tornando o indivíduo consciente do seu distúrbio para que tenha mais segurança no seu processo comunicativo, ademais, aprenderá técnicas que o ajudarão ao longo de toda sua vida. O objetivo da intervenção não é eliminar completamente as rupturas, até porque nenhum de nós é 100% fluente, existem rupturas que usamos naturalmente durante nosso discurso, sendo que até 20% do discurso com rupturas é um padrão esperado para os indivíduos considerados como fluentes. O sucesso do tratamento tem relação direta com a escolha de bons profissionais para a identificação precoce e tratamento adequado, além do engajamento familiar e empoderamento do paciente.
Larissa Laís de Sá Trentim - A intervenção precoce é crucial para aumentar as chances de melhora da fluência. Estudos mostram que quanto mais cedo o tratamento começar, maior a probabilidade de sucesso, por causa da plasticidade cerebral. Além disso, intervindo o quanto antes, os impactos sociais e emocionais que a gagueira pode ter são minimizados. Destaca-se a importância do suporte familiar no tratamento, associado à orientação contínua por equipe qualificada.
Priscila Correa é jornalista, especializada no segmento materno-infantil. Entusiasta do empreendedorismo materno e da parentalidade positiva, é criadora do Aventuras Maternas, com conteúdo sobre educação infantil, responsabilidade social, saúde na infância, entre outros temas. Instagram:@aventurasmaternas