Vital para a saúde mental e física, o sono de qualidade pode evitar e conter o agravamento de condições e doenças crônicas não transmissíveis, como hipertensão arterial, diabetes tipo 2, obesidade, dores, transtornos mentais, doenças cardiovasculares, acidente vascular cerebral (AVC), além de câncer de mama, próstata e colorretal.
“Enquanto ignorarmos os distúrbios do sono e deixarmos de tratá-los, será difícil melhorar indicadores de doenças crônicas, assim como reduzir mortes prematuras por essas condições”, afirma Mark Barone, PhD, doutor em Fisiologia Humana pela USP, especialista em educação em diabetes e em comunicação.
Ele assina com outros brasileiros o artigo “Sleep disorders are an overlooked risk factor for non-communicable diseases”, publicado na revista científica British Medical Journal (BMJ). Um estudo, coassinado por uma das maiores especialistas globais no tema, a professora Eve Van Cauter,da Universidade de Chicago, concluiu que a baixa qualidade do sono, apneia obstrutiva e trabalho em turno são fatores de risco para desenvolver diabetes tipo 2 comparável à sobrepeso, histórico familiar e sedentarismo.
Ou seja, negligenciar distúrbios do sono pode estar associado com o aumento do risco de mortalidade por doenças crônicas. E não poderia ser diferente. Segundo a World Sleep Society e a Organização Mundial de Saúde (OMS), os problemas de sono constituem uma epidemia global, que ameaça a saúde e a qualidade de vida de cerca de 45% da população mundial.
A apneia obstrutiva do sono (AOS) está associada a um risco 63% maior de diabetes tipo 2 e 30% maior de hipertensão. Pesquisadores atestam que pessoas com insônia crônica apresentam um risco 21% maior de hipertensão e 51% maior de diabetes tipo 2, e também podem desenvolver transtorno de ansiedade generalizada e depressão.
Ambas as condições estão associadas à diminuição da funcionalidade e aumento do risco de acidentes, redução da imunidade e maior risco cardiovascular.
Sono: pilar essencial para sobrevivência humana
Com os avanços científicos das últimas décadas, o sono, que por muito tempo foi considerado um coadjuvante, ganhou seu merecido lugar de destaque. Em 2022, o American Heart Association reconheceu sua importância, elevando-o ao status de um dos oito pilares essenciais para a saúde cardíaca.
“Reconhecer o sono como peça-chave não apenas enriquece a compreensão do quadro clínico, mas também potencializa a eficácia do tratamento, resultando em abordagens mais personalizadas e eficientes, especialmente no manejo de doenças crônicas como obesidade, hipertensão e diabetes”, afirma Sofia Furlan, especialista em Fisioterapia Respiratória e Fisioterapia do Sono da Resmed.
O ronco, muitas vezes subestimado, revela-se como um indicador precoce de apneia do sono, contribuindo para a resistência à insulina e aumentando o risco cardiovascular. “Ignorar o ronco e outros distúrbios do sono é limitar a eficácia do tratamento, enquanto considerar o sono como um componente vital abre caminho para abordagens mais eficientes e personalizadas, melhorando a saúde global do paciente”, ressalta Sofia.
Mark defende que profissionais, gestores da saúde e população em geral sejam educados/informados sobre distúrbios do sono e seus efeitos para que os números de doenças recorrentes diminuam. Perguntar como foi a noite de sono, como tem sido o sono, não é meramente um detalhe. É o que conduz o bem-estar.
“Geralmente os serviços de saúde são procurados por queixas de distúrbios do sono apenas em casos muito graves de insônia ou apneia muito grave que leva a severos engasgos e despertares. Outros casos são minimizados e as pessoas e profissionais de saúde não identificam que são fatores que levam ao ganho de peso, alteração da glicemia ou da pressão arterial, entre outros. Quantos casos nós mesmos conhecemos de piadas sobre alguém da família que ronca a noite toda, muitas vezes até com paradas respiratórias, e nunca comentou com o médico?”, questiona o pesquisador.
Problemas socioeconômicos agravam distúrbios de sono
No Brasil, a prevalência dos distúrbios do sono está entre as mais elevadas, raramente a população busca orientação e tratamento. O país está entre os dez com maior número estimado de indivíduos com apneia obstrutiva do sono (AOS), 27 milhões de brasileiros, pouco mais de um terço da população. Com os maiores índices de ansiedade do mundo, o país também está incluído, não por acaso, entre aqueles em que menos se dorme. Até 35% da população brasileira vivencia a condição de insônia.
Os efeitos tendem a se agravar ao longo dos anos, mas já dão sinais de alerta. A obesidade entre jovens aumentou 90% em apenas 1 ano e 31,6% deles têm ansiedade. O sono também é comprometido, com apenas cerca da metade dos jovens (54,2%) dormindo a quantidade de horas recomendadas para a idade (7 a 9 horas por dia, conforme a National Sleep Foundation).
Cerca de 8,2% dos jovens de 18 a 24 anos já tiveram diagnóstico médico de hipertensão arterial, o que equivale a cerca de 1,4 milhão de pessoas. Os índices de depressão também chamam atenção, com 14,1% da população nessa faixa etária já tendo recebido diagnóstico médico para a condição. Os dados são do Covitel 2023, Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas Não Transmissíveis em Tempos de Pandemia, desenvolvido pela Vital Strategies, organização global de saúde pública, e pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel).