Assunto duro e delicado, quase proibido, mas que, infelizmente, algumas mulheres passam por isso. - Janko Ferlic/Unsplash
Sentimentos

Quando os filhos morrem antes dos pais: como lidar com o luto materno?

Luto materno: como lidar com esse processo tão doloroso

*Priscila Correia, do Aventuras Maternas, colunista de AnaMaria Digital Publicado em 27/05/2022, às 09h00

Falar sobre os filhos sempre emociona. Acompanhar seu crescimento, as gracinhas, as descobertas e suas conquistas enchem os corações das mães de amor e gratidão. Mas existe uma situação, talvez a única, que pode cortar esse caminhar tão cheio de amor e aprendizados: a perda de um filho. Sim, esse é um assunto duro e delicado, quase proibido, mas, infelizmente, algumas mulheres passam por isso.

O luto que uma mãe vive ao perder a sua cria é diferente de qualquer outro. Afinal, não há dor maior para uma mulher que buscou a maternidade do que a perda de um filho. E não apenas quando são ainda crianças, mas em qualquer idade. No entanto, quando a morte acontece ainda pequenos, além da dor, há um questionamento instantâneo: “por que com o meu filho? O que ele fez para não ter a chance de crescer e ser feliz?”

A maioria das pessoas cresce escutando dos pais aquele velho ditado sobre a ordem natural das coisas, com os mais velhos "indo" antes dos mais novos. Mas, às vezes, em algum momento, por alguma razão, os filhos podem ir antes de seus pais. E é por isso que, na coluna de hoje, vamos falar sobre o luto e como esse processo pode ser, se é que isso é possível, menos traumático.

PARA CADA MÃE, UM CAMINHO

Crédito: Divulgação

Após a perda de um filho, é difícil imaginar como serão os dias que seguem. E é preciso respeitar o tempo de cada uma e como será esse enfrentamento. Cassia Gomes, autora do livro “Flores que nascem por entre as rachaduras”, perdeu seu menino Antônio quando ainda estava grávida, com 38 semanas, em 2019. Os médicos, na época, não souberam explicar qual era o motivo da morte e, por questões emocionais, ela e o marido escolheram não fazer uma biópsia no bebê.

Para Cássia, a ajuda nesse processo de enfrentamento do luto aconteceu por meio das mais diversas terapias, como psicoterapia, aromaterapia, microfisioterapia, terapia com florais, entre outras, além do auxílio de um psiquiatra, com o perfil humanizado e acolhedor.

“Um ano depois da passagem do meu filho, comecei a escrever o livro, como forma de elaborar todo o processo de luto. Quando o Antônio se foi, eu me fechei, não quis falar, não quis sentir e adoeci. E ao longo do processo de elaboração da perda dele, entendi que uma alma que não se expressa, adoece. E esse livro foi um dos mecanismos que encontrei como expressão. Remediou a minha alma. Se o livro tivesse passado pelo crivo da razão, talvez ele não tivesse existido, porque eu me expus, desnudei a minha alma, é um recorte do meu universo particular (...) Permita-se sentir. Emoções mal digeridas adiam a elaboração do sofrimento. O filho que se foi existiu, e sempre terá o seu lugar no coração. Se alguém te perguntar quantos filhos tem, inclua-o, pois ele existiu”, conta. No caso de Cassia, desde o último dia 5 de maio, ela é mãe de dois: Antônio e Martin, o caçula.

Outra mãe que vivenciou a perda do filho foi S.M.S, mãe do menor J.P.S, de 4 anos, que faleceu há 2 anos em decorrência de uma leucemia – e em apenas cinco meses os pais perderam seu menino. Para ela, o grupo de apoio foi fundamental para enfrentar esse momento. “É muito positivo contar com um lugar como o grupo do luto – no caso dela, foi o do Cemitério da Penitência, no Rio de Janeiro -, onde se tem escuta independentemente do tempo da perda. Fui para o grupo de apoio com dois meses de perda e frequento até hoje. Não é bengala, é o ninho para o qual posso voltar sempre e sem ser julgada. Lá, posso chorar. Não sei o que seria de mim sem apoio”, conta. Ela pontua, ainda, que, sim, é possível se reinventar e viver outra vida sem quem foi. "A saudade será eterna. Nada se apaga, a dor está aqui, mas sabemos "levar" da nossa forma, reconstruindo ainda o que fomos e o que somos hoje”, complementa.

A psicóloga Ediane de Oliveira Ribeiro, que tem formação em psicotraumatologia, explica que a dor da perda de um filho é algo emocional e que marca profundamente a história de uma família, mas é possível voltar a encontrar sentido na vida e formas de se engajar nas relações plenamente. “É preciso respeitar o período do luto. Não podemos esperar que alguém que perdeu um filho rapidamente volte à sua rotina normal. É importante respeitar as fases do luto, se permitindo sentir tristeza, raiva ou qualquer outra emoção que venha dessa perda; contar com o auxílio de uma rede de apoio, tanto para suporte emocional quanto para questões de ordem prática; e, se for preciso, buscar auxílio profissional para auxiliar na elaboração do luto”. Ela alerta, porém, que grupos de apoio podem ajudar bastante na elaboração da perda, mas desde que sejam bem mediados e que se crie um ambiente seguro para que os participantes compartilhem suas experiências sem que essas sejam colocadas como “modelos” para as experiências dos demais.


É preciso dizer, também, que a vivência do luto é algo muito pessoal e vai depender de cada mãe. Não existe tempo para viver um luto, mas, sim, indicadores de sofrimento ou de paralização na vida que precisam ser considerados. "A pessoa que não consegue retomar sua vida diária, que efetivou mudanças grandes e não consegue inclui-las na vida atual, e o aumento de incidência de doenças são fatores que devem ser observados para identificar necessidade de apoio profissional”, pontua a psicóloga Maria Helena Pereira Franco, fundadora do Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto, da PUC-SP.

“Minha experiência diz que viver esse luto é inescapável e, para isso acontecer de maneira ‘saudável’, a mulher deve recorrer a toda espécie de apoio que tiver à mão, seja afetivo, social, espiritual e/ou financeiro. A reconstrução de sua identidade, como mãe e mulher, pede que busque contato com pessoas que sejam acolhedoras e não queiram forçá-la a se comportar de uma maneira oposta à dela. Pode ser necessário apoio profissional, porque uma vivência de trauma como essa é grave e pode afetar muitas áreas da vida”, complementa.

BUROCRACIAS

Crédito: Guy Basabose/Unsplash


Quem perde um filho, muitas vezes, precisa lidar também com toda a burocracia que o momento exige. Além da documentação necessária, há alguns trâmites que não podem ser terceirizados para outras pessoas, infelizmente.

Alberto Brenner Júnior, Superintendente do Crematório e Cemitério da Penitência, explica que, inicialmente, os pais precisam adquirir a Declaração de Óbito no hospital onde o filho faleceu ou no Instituto Médico Legal, se o corpo foi encaminhado para esse órgão. “Após essa etapa, é preciso contatar uma funerária para conduzir os trâmites do funeral, como apresentar as documentações e escolher o cemitério para o sepultamento”, pontua. Ele diz, ainda, que dependendo de onde aconteceu e do tipo de morte, os procedimentos são diferentes. “Há tipos de procedimentos e eles dependem justamente da causa da morte e também se o corpo foi encaminhado ao IML. Inclusive, no caso de cremação, há outras medidas legais a serem tomadas, dependendo da causa da morte do ente querido”, explica.

A advogada Cecília Queiroz, que é também psicanalista e doutora em psicologia social com foco na morte e no morrer, lembra, ainda, que existem as providências burocráticas que englobam a comunicação às autoridades e o consequente velório e enterro, como também há as de sucessão, que dizem respeito à distribuição dos bens do falecido e a consequente abertura de inventário. “Pode parecer estranho, mas Menores podem ser donos de bens, como imóveis, investimentos, contas em banco, dinheiro que ganharam trabalhando, por doação ou que herdaram de seus pais. E quando falecem, é preciso dar destino a esse patrimônio e esse trâmite deve ser feito em um inventário”, pontua.

Em tempo: Embora a Declaração de Óbito precise se solicitada por um parente mais próximo, de primeiro grau, os trâmites para o sepultamento podem ser realizados por terceiros, como um familiar ou amigo.

(Colaborou: Alessandra Ceroy)

*PRISCILA CORREIA é jornalista, especializada no segmento materno-infantil. Entusiasta do empreendedorismo materno e da parentalidade positiva, é criadora do Aventuras Maternas, com conteúdo sobre educação infantil, responsabilidade social, saúde na infância, entre outros temas. Instagram:@aventurasmaternas

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