Com inúmeros papéis de sucesso na dramaturgia, pensamentos e ideias feministas na vida real, Malu Galli é uma atriz e mulher expressiva, de presença e falas marcantes. Aliás, sua última personagem, a Violeta, de Além da Ilusão, da Globo, comprova bem isso. A coragem que a regeu no decorrer da trama tinha muito em comum com sua determinação fora da telinha.
A novela se passa nos anos 1944 e seu papel mostra uma pessoa destemida, forte e à frente do seu tempo – características que podem perfeitamente serem usadas para descrever a própria Malu. “A Violeta é incrível. Tem os melhores valores. Não tem nada que eu pense ‘ai, vou ter que falar isso…’. Todas as falas dela são encantadoras. É o que gostaria de falar também. É como se fosse uma mulher de hoje, só que presa nos anos 1940. Ela tem os mesmos tipos de pensamentos que possuo, encara os assuntos da mesma forma que encaro. A Violeta tem uma proximidade grande comigo”, fala orgulhosa.
E é esse pulso firme e segurança que também fizeram a artista encarar a chegada dos 50 anos como um processo de mudanças e redescobertas: “Viver bem, viver o presente, não me estressar com besteira, valorizar as coisas boas que me acontecem, por menores que sejam, e estar perto de quem me faz bem são resoluções internas que estabeleci com essa idade”. Vigor e sagacidade… em frente às câmeras e atrás delas também!
Confira a entrevista completa:
A chegada dos 50 anos foi um processo doloroso?
Não diria doloroso, pois chegar aos 50 com saúde, entusiasmo e trabalhando bastante é muito bom. Claro que você percebe mudanças no corpo, na cabeça, na forma de ver a vida. Umas mudanças são boas, outras nem tanto assim…
Você conseguiu estabelecer acordos, resoluções internas?
Sim. Meus 50 anos chegaram junto com a pandemia, então foram muitos os insights. Viver bem, viver o presente, não me estressar com besteira, valorizar as coisas boas que me acontecem, por menores que sejam, e estar perto de quem me faz bem, por exemplo, são resoluções internas que eu fiz e que procuro alcançar.
Dá para falar quais as dores e as delícias da maturidade?
No meu caso, encaro a perda do colágeno como luto [risos] e, por outro lado, o ganho de maturidade emocional como bônus [risos novamente].
Em entrevista à Quem, você disse: “A mulher pode e deve envelhecer, mas a sociedade tem vergonha da velhice”. Pode discorrer mais a respeito dessa afirmação?
Hoje se faz qualquer coisa para esconder a velhice. A Eliane Brum escreveu um texto dizendo que até o termo “velho(a)” procura se esconder… como se fosse uma vergonha envelhecer. É melhor ficar com a cara deformada, irreconhecível, do que parecer mais velho. Tomar hormônios que deformam seu corpo e te deixam doente etc. Jovens fazem procedimentos estéticos com pavor da velhice que um dia chegará. São os piores valores para uma sociedade cultuar. As culturas orientais, tradicionais e originárias cultuam a velhice, não a juventude. Encarar a velhice como sinônimo de acúmulo de experiência e sabedoria: isso, sim, é valoroso. Aqui, tratam os idosos com desprezo, como quem não tem mais lugar no mundo produtivo. Esquecem que a opção contrária ao envelhecimento é a morte precoce. Eu prefiro envelhecer.
E qual balanço de vida você faz neste momento? Com a idade, ficaram mais claros os sonhos?
Sim, os planos e sonhos ficam mais claros e consistentes. O entendimento de que a construção de um futuro com qualidade de vida é a meta mais relevante.
A personagem Violeta é uma mulher à frente do seu tempo. Forte, destemida… Podemos dizer que ela reflete exatamente a Malu Galli?
Não sei se sou tão forte como ela, mas temos algo em comum, sim. A Violeta é uma mulher como nós, dos dias de hoje, porém vivendo nos anos 1940. Está à frente do seu tempo, quebra paradigmas, assim como tantas mulheres que abriram caminhos ao longo da história. Ela é corajosa, firme e amorosa, e um tanto explosiva também. Acho que tenho o mesmo horror à injustiça e defendo as mesmas ideias que ela. E tenho a mesma falta de paciência e a impulsividade também, pode acreditar [risos].
E também é possível dizer que você é uma feminista ferrenha dentro e fora das telas?
Sim. Digo com orgulho que sou feminista porque ser feminista nada mais é do que desejar e lutar por direitos e oportunidades iguais a todos os gêneros.
Você buscou inspiração em alguém para construir a personagem?
A inspiração veio das lutas que a Violeta enfrenta na vida…
Ainda em Além da Ilusão, sempre que Eugênio toma a frente dos negócios e tenta passar por cima de decisões de Violeta ou as toma sem consultá-la, os dois personagens brigam. Você acredita que, ainda nos dias de hoje, o preconceito existe sempre que uma mulher assume uma posição de poder?
Acredito! As mulheres ainda precisam se impor para ter respeito – esse sentimento ainda precisa ser conquistado após algumas provas. É muito estrutural o conceito de sexo frágil, de temperamento instável, ou de pouca racionalidade que se atribuiu durante anos às mulheres. Até da inteligência se duvida. Estou errada? A piada horrorosa da loira burra, por exemplo. Virou até letra de música. Enfim… muita luta ainda pela frente. O fato é: a Violeta condensa nela muitas das conquistas que a Alessandra Poggi [autora] fala na história sobre a entrada da mulher no mercado de trabalho e sua luta por mais direitos. Tem embate da personagem com o Eugênio porque ele é um sujeito machista, apesar de ter bom coração. Então, eles brigam muito porque são sócios.
A Violeta tem uma elegância e requinte ao mesmo tempo em que chama a atenção uma força e empoderamento. Como vem trabalhando isso nela?
O texto da Alessandra traz isso naturalmente. Violeta, desde a primeira cena, deixa claro a sua força, inteligência e capacidade de tomar a frente das situações. É uma líder. Uma mulher que abre caminho para as outras, como várias e várias que existiram antes de nós.
Aliás, você já fez personagens em núcleos populares, como em Totalmente Demais, mas o público costuma te associar com mulheres elegantes, com “cara de rica”. Você se assemelha com esse visual sofisticado? Como lida com a vaidade?
Não me identifico com essa imagem. Sou uma mulher comum. Não me visto com sofisticação, não uso maquiagem, não sou excessivamente vaidosa. Me cuido porque sou atriz e vivo disso, mas, talvez, se não fosse, seria bem mais largada… Tenho preguiça desses rituais de beleza. Prefiro gastar meu tempo com outras coisas.
Algum projeto já em vista para depois da novela?
Ainda estou desenvolvendo dois projetos de séries para o streaming. Não posso falar muito, dar mais detalhes, mas, em breve, vocês vão saber. Tomara [risos]!
Você e o artista plástico Afonso Tostes estão casados há 22 anos. O que faz um relacionamento ser tão duradouro, ainda mais nos dias de hoje, em que a maioria das relações são tão passageiras?
Acredito que o companheirismo, o respeito, o desejo de construir coisas juntos, termos sonhos em comum… Tudo isso nos mantêm unidos e assim permanecerá pela vida afora.