Ao contrário do que alguns imaginam, as máscaras de proteção, que agora compõem o nosso look do dia, podem funcionar para evitar o contágio de doenças, como o novo coronavírus, mas o acessório não dá superpoderes a ninguém, como a capacidade de nos tornar invisíveis.
Porque tem um povo que veste a máscara, coloca os óculos escuros e acha que ficou transparente: não dá bom dia no elevador, não cumprimenta o porteiro e segue de queixo erguido, fingindo que não te viu na rua, acreditando piamente que tampar dois terços do rosto é o suficiente para passar batido e desfilar falta de educação. A opção de material na confecção das máscaras de quem age assim, aliás, deveria ser madeira para fazer jus à cara de pau.
E tem quem ainda acredite que o mundo vai ser um lugar melhor pós-pandemia. Vai nada. Ao contrário: as situações adversas só exacerbam quem a gente realmente é. Fazem cair máscaras, isso sim. Se a pessoa já não tinha lá muita aptidão para as boas maneiras, a máscara está funcionando como um álibi e tanto para tentar se manter no anonimato quando convém.
O objetivo do isolamento seria dar um drible no vírus. Mas a quarentena está disseminando outras enfermidades da humanidade, como o desinteresse pela proximidade. Os familiares idosos são um bom exemplo. Em nome da nobreza de não transmitir o bicho, tem filho que agora está nadando de braçada, levantando a bandeira da responsabilidade pela saúde dos entes queridos, com a diferença de que não encontram os pais desde o Natal.
IGUALZINHO NA VIDA REAL
As lives sociais, que funcionam como alternativa para reunir amigos e familiares, são um exemplo de que pouca coisa, em termos de comportamento humano, deve mudar. O que tem de gente dando cano em reuniões digitais – e olha que o cardápio de desculpas para se esquivar do aniversário da tia é escasso, dadas as circunstâncias. E quando rola a live, percebemos que a maioria está mais preocupada em falar do que em ouvir. Igualzinho acontece na vida real, aquela que agora virou cenário de conto de fadas.
É a era das promessas. Do vamos “combinar de combinar” para quando tudo voltar ao normal. Dessa forma, tenho pelo menos umas cinco viagens programadas, 47 jantares e 120 cafés agendados e devo receber a visita de metade da minha lista de seguidores do Instagram. É atividade para umas duas encarnações.
Não são só bares, restaurantes e shoppings que voltarão ao funcionamento padrão. As pessoas também, com raras exceções. Porque não tem introspecção, encontro consigo mesmo ou exercício de autoconhecimento praticado durante o tempo de reclusão, que faça emergir aquilo que nunca existiu. Como cantou a banda Engenheiros do Havaii lá nos anos de 1980, somos quem podemos ser.
(*Tá combinado, música de Caetano Veloso)
Wal Reis é jornalista, profissional de comunicação corporativa e escreve sobre comportamento e coisas da vida. Blog: www.walreisemoutraspalavras.com.br