Sthefany Brito alcançou o estrelato em 1999, aos 12 anos, quando entrou para o elenco fixo da primeira versão feita pelo SBT de ‘Chiquititas’. As gravações aconteciam na Argentina, onde todo o elenco (que contava com nomes como Fernanda Souza e Carla Diaz) continuava a viver uma vida normal em paralelo ao trabalho.
O baque veio quando todos vieram para o Brasil divulgar a novela. Milhares de fãs, segurando cartazes e gritando o nome dos atores, esperavam no aeroporto. Outros milhares montavam guarda no hotel, além dos que aguardavam pela aparição do elenco nas imediações do SBT.
A atriz, porém, via tudo de maneira natural. “Demorei para entender a fama, porque eu tinha tanto prazer de fazer aquilo que não via como trabalho. Por começar muito cedo, era tudo uma grande diversão”, relata, em entrevista para a AnaMaria Digital.
Pouco tempo depois, em 2001, a artista interpretou Samira, em ‘O Clone’, trama de Glória Perez, que também fez um enorme sucesso. Exibida no horário das 21h, na TV Globo, a novela chegou a ser exportada para 90 países. E transformou a vida de Sthefany, dando outra dimensão para seu sucesso.
Vale lembrar que Sthefany é irmã de Kayky Brito, outro astro mirim da época. Os dois passaram pelo ‘boom’ da fama juntos, e sempre se apoiaram (chegavam, inclusive, a decorar os roteiros juntos). “Uma vez, eu e o Kayky não conseguimos fazer a peça de tanto que as meninas gritavam dentro do teatro. Não conseguiam ouvir o que a gente falava. Era uma loucura! Eu tinha acabado de fazer ‘O Clone’, e ele estava em ‘O Beijo do Vampiro’, sua primeira novela”, conta.
APOIO MÚTUO
Assim como a parceria entre Sthefany e Kayky, um ponto unânime dos seis entrevistados do elenco de ‘Carrossel’, novela de 2012, foi a importância de estarem juntos. Jean-Paulo Campos, o Cirilo na trama, define isso de forma simples: “Estávamos todos no mesmo barco.” Em meio a risadas, o ator lembra a vez em que todos se sentaram, juntos, após perceberem a proporção que a produção atingiu, e tentaram definir seus próprios autógrafos. Ele tinha 9 anos na época.
Jean-Paulo Campos, o Cirilo em ‘Carrossel’, conta momentos que dividiu com o elenco – Nayara Bardin/AnaMaria Digital
Para Fernanda Concon, a Alícia, esse laço era extremamente importante. Afinal, a fama repentina, as dificuldades em gravações, a complexidade de dividir a rotina de estudos e as responsabilidades da profissão eram situações que ela conseguia compartilhar apenas com os amigos da televisão. Jean também cita o apoio de Maisa, que cresceu sob os holofotes e deu dicas valiosas aos colegas.
Em um post no Instagram, Fernanda mostrou o ‘Caderno do Comportamento’, assinado pelo próprio Sílvio Santos. Desenvolvido pela psicóloga contratada pelo SBT, lembrada carinhosamente pelo elenco como Rosinha, a iniciativa era uma maneira de acompanhar as crianças antes e durante a explosão da novela. A profissional avaliava a atenção, obediência, capacidade de ouvir, respeito às autoridades e companheirismo de cada um dos atores.
Segundo Gabriela Luxo, psicóloga, mestre e doutora em Distúrbios do Desenvolvimento, essa orientação é importante para a pessoa lidar com todas as questões que acompanham a fama, como a exposição na mídia, o assédio e a cobrança das pessoas. “Ninguém nasce sabendo como enfrentar isso. É preciso um exemplo, uma referência, para conseguir apresentar o que o público espera dela. A forma como os pais, educadores ou um profissional conduzem a situação é o que vai dizer como isso vai afetá-la (ou não)”, explica.
Aysha Benelli, que brilhou no elenco de ‘Carrossel’ como a romântica Laura, recebeu conselhos da mãe, a cantora Simony, ex-’Turma do Balão Mágico’, ao optar pelo caminho da fama. “Desde quando comecei, ela já havia me avisado dos prós e contras da exposição. Escolhi esse caminho sabendo, mas tento não me afetar por isso – sempre sou eu mesma”, ressalta.
Aysha Benelli, Laura em ‘Carrossel’ e filha de Simony: “Escolhi esse caminho sabendo [dos prós e contras da fama], mas tento não me afetar por isso – Nayara Bardin/AnaMaria Digital
‘NINGUÉM QUERIA UMA MILEY CYRUS”
Por outro lado, como é esperado, nem tudo é um mar de rosas. Caso a criança não tenha o apoio necessário, diversas podem ser as consequências. “Ansiedade, depressão, agitação, dificuldade escolar e complicações para se relacionar com outras pessoas são algumas delas”, conta Gabriela.
No caso de ‘Carrossel’, todos os entrevistados para a matéria elogiaram o apoio dado nos bastidores. Além da psicóloga, a turma tinha uma professora particular para ajudá-los nas dificuldades com os deveres de casa. “Ninguém queria uma Miley Cyrus no SBT, afinal”, brinca Jean, em referência a atriz e cantora norte-americana que se tornou mundialmente conhecida por interpretar a protagonista na série ‘Hannah Montana’, da Disney. Quando adulta, ela se envolveu em uma série de polêmicas, especialmente a apresentação de cunho pornográfico no ‘Video Music Awards’ de 2013. Na época, a cantora se declarou ‘confusa’.
Mesmo que em menor âmbito, o elenco de ‘Carrossel’ passou por uma fama enorme. Questionado sobre momentos marcantes, Lucas Santos, o Paulo, menciona um show em Goiás, com cerca de 15 mil pessoas. Guilherme Seta, o Davi, não teve uma resposta muito diferente: “Fomos fazer um show na HSBC Arena, aqui no Rio. Quando eu fui chamado para entrar no palco, vendo toda plateia gritando e aplaudindo… Isso me deixou arrepiado, com um frio imenso na barriga”, conta.
Guilherme Seta, o Davi em ‘Carrossel’: Quando eu fui chamado para entrar no palco, vendo toda plateia gritando e aplaudindo, fiquei arrepiado” – Nayara Bardin/AnaMaria Digital
FORMAÇÃO DE PERSONALIDADE
Boa parte do que um adulto se torna é construído durante sua infância. Todas as vivências e obstáculos que uma criança passa interferem – e muito – na pessoa que ela se tornará no futuro. Segundo Gabriela, os primeiros seis anos de vida são os principais. “É o momento em que se tem a formação cognitiva mais importante de uma criança: engajamento em tarefas, atenção, planejamento… O que chamamos de funções executivas”, afirma.
A psicóloga também mencionou os chamados ‘fatores biopsicossociais’: ou seja, para tentar ‘prever o futuro’ de uma criança, os profissionais se pautam em elementos genéticos (os fatores biológicos), na personalidade e temperamento (os fatores psicológicos) e no quanto o meio acaba proporcionando ou não o desenvolvimento de algumas habilidades (os fatores sociais).
Nesse sentido, os pais assumem muito protagonismo. É o que explica Telma Abrahão, educadora parental, especialista em educação emocional e autora do best-seller ‘Pais que evoluem: um novo olhar para a infância’. “A responsabilidade dos pais é de cuidar, zelar pela imagem da criança, pela formação da personalidade, oferecer um bem-estar no ambiente em que ela vive, proteger de bullying, de críticas que possam afetar a autoestima”, afirma.
Com a falta de maturidade, as crianças podem acabar se desenvolvendo pelo que os “outros” (os fãs, a mídia, o público) esperam dela. Gabriela explica que essas influências fazem parte da formação da personalidade de todos – mas, no caso dos famosos, isso atinge proporções gigantescas. “A criança acredita naquilo. Ela ainda não tem o repertório completo, o discernimento para dizer: ‘eu não sou isso”, explica Telma.
Durante a entrevista, Sthefany mencionou que já ficou muito mal com as críticas, mas que, hoje, consegue lidar melhor. Fernanda Concon também ressaltou ter um botão de “ligar/desligar” para a vida pública. Mas completa: “Falo por mim. Já vi muitas pessoas chorando por comentários, acontecimentos, enfim, maldades que recebiam pela internet”.
SEXUALIZAÇÃO
Fernanda, que interpretava Alícia em ‘Carrossel’ – uma garota que gostava de skate e de jogar bola – disse que o questionamento que mais ouvia, na época da novela, era se a personagem era homossexual. “Cara, ela tinha 8 anos e só queria se divertir, sabe? Com certeza, a personagem não pensava em se relacionar nem com meninas, nem com meninos”, completa, ressaltando o quanto trabalhar na novela abriu seus olhos para causas sociais.
A atriz disse que, aos 13 anos, quando assumiu as rédeas de suas redes sociais -antes controlada pelos pais- teve uma surpresa: uma série de homens bem mais velhos mandavam mensagens privadas, de cunho sexual, falando sobre o corpo da menina. “Isso é criminoso!”, relata, extremamente indignada.
Como sempre foi muito magra, ela ouvia de forma recorrente que deveria ter pernas mais grossas e um corpo mais definido. “Já as meninas mais gordinhas costumavam escutar que a ‘câmera engorda’, como se devessem mudar o corpo por isso”, conta.
Os meninos também sofriam com essas cobranças, mas em uma proporção bem menor. No caso deles, as pessoas demandavam uma atitude ‘máscula’: usarem a posição de fama para conquistarem meninas. Vale ressaltar que, na época dos comentários, eles tinham cerca de 13 anos.
PRIVACIDADE
Sabe aquela ‘liberdade de ir e vir’? Então, ele não funciona muito bem para os famosos. Um ponto unânime em todos os relatos é como eles têm de pensar duas, até três vezes, antes de tomar a simples decisão de sair de casa. Especialmente na adolescência, aquela fase cheia de experimentações tão característica de nossas vidas.
Fernanda lamenta nunca ter saído por aí e curtido o Carnaval. Já Nicholas Torres, o Jayme de ‘Carrossel’, declarou ter dificuldade em conhecer pessoas para um relacionamento, porque não sabe que maneira isso pode vazar e afetar sua imagem (e a da própria pessoa). Ele, inclusive, comenta que tinha o cuidado de não expor bebidas alcoólicas em suas redes sociais, mesmo depois dos 18 anos, uma vez que isso poderia repercutir negativamente entre seus fãs (a maioria menor de idade).
Nicholas Torres, o Jayme em ‘Carrossel’: “No primeiro dia na faculdade, por exemplo, o que eu mais ouvi foi ‘Jayme, como você já tá aqui? Volta pro Carrossel!’’ – Nayara Bardin/AnaMaria Digital
Um simples passeio no shopping pode gerar tumulto. “Temos de sair com paciência. Ninguém tem culpa de estarmos em um dia ruim; são pelos fãs, afinal, que estamos aqui”, disse Jean-Paulo. Ele descreve um dia em que estava no hospital, passando mal, e uma enfermeira tentava tirar fotos com ele enquanto aplicava o soro. “Ela ainda errou minha veia”, conta o rapaz, sorridente, que se tornou ator justamente pela simpatia que demonstrava aos clientes do salão de cabeleireiro do pai.
ROTINA
Questionado como conciliava as gravações com a escola, Nicholas contou que decorava as falas de cerca de 40 cenas no carro, entre a escola e o set. Depois das 21h, quando acabavam as gravações, o ator ainda corria para o teatro; na época, ele fazia parte do elenco de ‘A Família Addams’.
Ainda assim, ele tentava ao máximo se divertir com os amigos – e isso é extremamente importante. Segundo Gabriela, “a rotina precisa incluir horário de estudo, contato com os amigos, enfim, um pouco de normalidade para a criança não se sentir sem a vida que os amigos levam. “As pessoas se comparam muito, e a referência para elas é o cenário que elas veem. Precisa ter esse tempo livre para brincar”, comenta.
ESTEREÓTIPOS
De acordo com Gabriela, a fama em si é uma forma muito intocável, muito acima de nós. “Aquilo se torna o ‘ideal’: nós olhamos para a pessoa como se ela fosse a melhor de todas. E não necessariamente aquilo é a realidade”, reflete.
Alanys Santos entende bem isso. A menina, que interpretou Paola em ‘As Aventuras de Poliana’, mudou de escola depois de sua estreia na TV. E, por conta disso, teve muita dificuldade em fazer amigos. “As pessoas tinham uma imagem meio distorcida de mim. Eles pensavam que eu era soberba ou algo assim, sem mesmo ter vindo falar comigo, porque eles tinham um pouco de medo, sabe? Então, tentava mostrar pras pessoas que eu não era o que eles pensavam, tentava falar com todo mundo, para eles me conhecerem de verdade”, conta.
A artista, atualmente com 16 anos, não se arrepende da fama. “A posição que eu estou, de poder ajudar muitas pessoas, poder incentivar meus seguidores a doar para a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), por exemplo… Vale a pena”, diz.
Nicholas afirma, que, por conta do papel, precisa sempre conviver com sua imagem de criança. “No primeiro dia na faculdade, por exemplo, o que eu mais ouvi foi ‘Jayme, como você já tá aqui? Volta pro Carrossel!’’, conta, rindo. Ainda assim, ele já tem planos bem adultos: o jovem, que sobe aos palcos desde os 5 anos, pretende lançar uma Oficina para Jovens Artistas.
FUTURO
Hoje, a maioria dos astros mirins são influenciadores digitais, dividindo a rotina com seus milhares de seguidores – e, assim, fazendo lucro da exposição. Dessa forma, conseguem manter a proximidade dos fãs e ainda têm formas de sustento alternativas à arte.
Sthefany Brito: “Tenho vontade de postar [fotos do filho, Antônio Enrico] 24 horas, pra todo mundo ver como ele é maravilhoso, mas tenho cuidado” – Nayara Bardin/AnaMaria Digital
Sthefany Brito, que apareceu lá no início desta matéria, também está nas redes sociais. Diariamente, a atriz compartilha momentos de seu primeiro filho, Antônio Enrico, atualmente com 4 meses. Engana-se, porém, quem pensa que ela não toma cuidado. “Eu ando tão apaixonada que tenho vontade de postar 24 horas, pra todo mundo ver como ele é maravilhoso, mas tenho cuidado. No início, eu até evitava, mas acho natural: as pessoas que acompanharam minha gravidez querem acompanhar o crescimento dele, né?”, diz.