Acordar, tomar um café da manhã digno de hotel, ir à academia, fazer compras e cuidar da aparência: parece a vida perfeita, não é mesmo? Nas últimas semanas, diversas influencers viralizaram nas redes sociais por mostrar o dia a dia seguindo um estilo de vida de muita ostentação e mordomias. A esposa troféu é uma mulher que abdica de sua carreira para se dedicar ao relacionamento.
Mas será que essa dinâmica dentro de um casamento é prejudicial em algum nível? Para explorar as nuances deste tipo de relacionamento, AnaMaria conversou com Mayra Cardozo, mentora de mulheres e advogada especialista em gênero, e Luiz Mafle, professor de psicologia e doutor em Psicologia pela PUC Minas e Universidade de Genebra. Leia a seguir!
O que é uma esposa troféu?
O termo ‘esposa troféu’ se refere a uma mulher que deixa a carreira de lado para ser sustentada pelo marido. Mas não se engane: uma mulher que cuida dos filhos, da organização e administração da casa, planeja e prepara as refeições nada tem a ver com a esposa troféu. Nesta forma de relacionamento, a mulher conta com uma equipe para cuidar das tarefas domésticas — trabalho não remunerado exercido por muitas mulheres. Sua única preocupação é cuidar da aparência e bem-estar.
Em geral, a esposa troféu segue os estereótipos de aparência e identidade dominantes na sociedade. “A esposa troféu é mostrada pelo homem como um atributo. O maior risco que esse tipo de relacionamento traz é de que nós mulheres já somos extremamente objetificadas pela sociedade”, explica Mayra.
Os riscos da dependência financeira
Mayra lembra que a dependência financeira afeta muitos relacionamentos, independentemente de ser uma esposa troféu ou não. No caso da esposa troféu, como, geralmente, ela tem como foco principal se manter adequada aos padrões estéticos, o âmbito profissional acaba sendo deixado de lado, e consequentemente esta mulher se torna totalmente dependente do marido.
“Esse cenário gera um grande problema, já que a dependência financeira é uma das principais dificuldades que fazem com que as mulheres não saiam de relacionamentos tóxicos e abusivos. Como ela depende dele, provavelmente não terá autonomia para sair daquela relação quando não estiver mais funcionando para ela”, alerta a advogada.
Cabe salientar ainda as medidas legais que uma mulher que enfrenta situações de dependência financeira deve considerar. “Em qualquer relacionamento, sendo esposa troféu ou não, mas no qual a mulher assume a condição de não trabalhar, seja para cuidar da casa ou dos filhos, ou seguindo uma ordem patriarcal do marido, é muito importante que essa mulher saiba em que situação ela está se relacionando e exija que o pacto do casamento seja de comunhão parcial de bens”, alerta Mayra.
Impactos psicológicos e relacionamento abusivo
Luiz destaca que, em casos onde o homem detém o poder e controla as decisões e comportamentos da mulher, a autopercepção da esposa pode ser afetada. Além disso, o professor acrescenta a perda da autoestima como efeito psicológico deste tipo de relacionamento.
“A dependência emocional surge no momento em que a mulher acha que ela não consegue fazer as coisas pelas próprias pernas. Quando ela acredita que precisa de outra pessoa para ser importante, para ter relevância na sociedade ou para conseguir pagar suas próprias contas. Então, pensando nessa esposa troféu, ela pode estar exatamente nesse lugar, porque ela se sente alguém apenas porque o marido a coloca nesse lugar e não por quem ela é”, explica o psicólogo.
Há ainda possíveis abusos psicológicos que uma mulher que vive nessas condições pode enfrentar. “O principal risco em um relacionamento em que você é uma esposa troféu, onde há controle e manipulação, é se tornar um relacionamento abusivo, no qual incorrem vários crimes. O primeiro é a violência psicológica, pois quando há manipulação e controle, mesmo sem agressões verbais, ocorre o crime de violência psicológica contra a mulher. Esse quadro pode evoluir para lesões corporais, sexuais, patrimoniais e, por fim, o feminicídio”, detalha a advogada.
É saudável consumir esse tipo de conteúdo nas redes?
Tudo o que vemos fica registrado em nosso cérebro, esse processo é chamado priming. Conforme explica Luiz, qualquer pessoa exposta às redes sociais, onde os conteúdos expõem diferentes estilos de vida — por mais longe de nossa realidade que sejam —, o próprio cérebro absorverá aquilo de alguma maneira, independente do senso crítico do usuário.
Os conteúdos que mostram detalhadamente a rotina de uma esposa troféu, onde ela acompanha um homem bem-sucedido, está sempre bonita e disposta a servir esse homem como uma forma de investimento em um casamento ou relacionamento feliz, reforçam estereótipos patriarcais.
“Isso fomenta uma realidade que, obviamente, a maioria das mulheres não vive, ou mesmo as que vivem não necessariamente desejam viver. Só que a mulher exposta a esse estilo de vida entra em conflito consigo mesma. Porque sente que a vida dela, seja como trabalhadora, empresária ou empreendedora, não tem nada a ver com o que é apresentado como uma vida perfeita”, finaliza Luiz.
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