Quem já assistiu ao filme ‘Coringa 2: Delírio a Dois’ se deparou com um romance tão intenso quanto perturbador. A relação entre o Coringa e a Arlequina, interpretados por Joaquin Phoenix e Lady Gaga, é marcada por uma loucura compartilhada que vai além da ficção. Mas o que se esconde por trás dessa conexão tão intensa? Será que o amor pode levar à loucura? A resposta para essa pergunta nos leva a um transtorno psiquiátrico bastante peculiar: a Folie à Deux, conhecido como “delírio a dois” ou ou transtorno psicótico induzido.
Para entender tudo sobre essa síndrome, AnaMaria conversou com o psiquiatra Luiz Scocca, do Hospital das Clínicas da USP e membro da Associação Americana de Psiquiatria (APA). Confira tudo a respeito do transtorno delírio a dois a seguir.
O que é a Folie à Deux ou o delírio a dois?
Você já ouviu falar em delírio compartilhado? Essa é a definição mais simples para a Folie à Deux. É um transtorno mental raro em que duas ou mais pessoas compartilham de crenças falsas e irracionais. Ou seja, quando uma pessoa com um quadro psicótico delirante induz outra pessoa a ter os mesmos delírios. Imagine duas pessoas convencidas de que estão sendo perseguidas por alienígenas ou de que possuem poderes especiais e — essa é a ideia central do delírio a dois.
Como o Scocca explica, “A Folie à Deux é um termo da psiquiatria do século XIX, e esse transtorno foi primeiramente descrito por dois psiquiatras franceses, Charles e Jules Fauré. Também é conhecido como síndrome psicótica compartilhada.” Essa condição, que envolve delírios compartilhados entre dois indivíduos, muitas vezes leva a consequências significativas para a saúde mental e física das pessoas envolvidas.
O delírio a dois nos cinemas
O filme ‘Coringa 2’ retrata de forma intensa esse transtorno. A relação entre o Coringa e a Arlequina é um exemplo clássico de delírio a dois. Ambos compartilham de uma visão distorcida da realidade, influenciando e sendo influenciados pelas crenças um do outro.
“No caso do Coringa, eles se encontram justamente em uma condição supercomplicada. Sem dar spoiler, eles se conhecem em uma instituição psiquiátrica, numa situação de profunda fragilidade. São duas pessoas, a priori, extremamente frágeis. E acabam, depois, pelo crime, se tornando ‘fortes’. Mas, obviamente, pela fragilidade, desenvolveram uma série de delírios e comportamentos completamente ‘malucos’, vamos dizer assim, mas que se complementam plenamente”, explica Scocca.
Causas da Folie à Deux
As causas exatas da Folie à Deux ainda não são completamente compreendidas, mas alguns fatores podem contribuir para o desenvolvimento desse transtorno, como:
- Isolamento social: pessoas isoladas tendem a se apegar mais umas às outras e podem compartilhar crenças e ideias de forma mais intensa. “A maioria das pessoas que desenvolvem um delírio está geneticamente predisposta a doenças mentais. Então, também deveríamos considerar como um motivo para a síndrome uma tendência maior ao desenvolvimento de transtornos psicóticos”, explica o psiquiatra;
- Traumas: experiências traumáticas podem levar ao desenvolvimento de mecanismos de defesa psicológicos que podem contribuir para a formação de delírios;
- Predisposição genética: algumas pessoas podem ter uma predisposição genética para desenvolver transtornos mentais, incluindo o delírio a dois;
- Dinâmica do relacionamento: a relação entre as pessoas envolvidas pode ser um fator crucial. Um relacionamento intenso e dependente pode facilitar o compartilhamento de delírios.
Sintomas e diagnóstico
Os sintomas do delírio a dois podem variar, mas os mais comuns incluem:
- Delírios compartilhados: crenças falsas e irracionais que são compartilhadas por duas ou mais pessoas;
- Alucinações: percepções sensoriais que não correspondem à realidade, como ouvir vozes ou ver coisas que não existem;
- Isolamento social: as pessoas com delírio a dois tendem a se isolar do mundo exterior;
- Dificuldade em distinguir a realidade da fantasia: as pessoas afetadas podem ter dificuldade em diferenciar o que é real do que é produto de sua imaginação.
Tratamento
O tratamento da Folie à Deux é complexo e exige uma abordagem multidisciplinar, que pode incluir:
- Psicoterapia: a terapia individual e de casal pode ajudar as pessoas a identificar e desafiar seus delírios. “A ideia é construir, entre o paciente e o terapeuta, um ambiente positivo e de confiança, no qual o paciente possa falar livremente e com bastante sinceridade”, explica Scocca;
- Medicamentos: os antipsicóticos podem ser utilizados para reduzir os sintomas psicóticos. Segundo o psiquiatra, “há medicamentos de alta qualidade hoje, com baixos efeitos colaterais comparados aos do passado e, em muitos casos, diminuem tanto o delírio que ele até desaparece”;
- Rede de apoio: o apoio da família e dos amigos é fundamental para o processo de recuperação.
A Folie à Deux é um transtorno mental fascinante e complexo. Embora seja raro, é importante entender suas causas, sintomas e tratamentos. O filme ‘Coringa 2: Delírio a Dois’ nos mostra como esse transtorno pode afetar profundamente a vida das pessoas, e como o amor, quando misturado à loucura, pode ter consequências devastadoras.
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