Na novela ‘Família É Tudo’, o personagem Guto, interpretado por Daniel Rangel, está chamando a atenção por trazer à tona uma discussão importante e ainda pouco abordada na teledramaturgia: a demissexualidade. Pela primeira vez, uma novela da Globo explora essa orientação sexual, que é caracterizada pela atração sexual que surge apenas após a formação de um vínculo emocional profundo.
Mas o que exatamente significa ser demissexual? Como uma pessoa descobre se se identifica com essa orientação? E como lidar com essa descoberta em um mundo onde a sexualidade é frequentemente discutida em termos mais convencionais? Para responder a essas perguntas, AnaMaria conversou com o psiquiatra e psicoterapeuta Eduardo Perin, especialista em Sexualidade pelo Instituto Paulista de Sexualidade (InPaSex), e com o psicólogo Alexander Bez, especialista em saúde mental e relacionamentos.
O que é demissexual?
A demissexualidade é caracterizada pela necessidade de uma conexão emocional antes da atração íntima. Diferente de outras orientações sexuais, onde a atração pode ser imediata ou baseada em aspectos físicos, a demissexualidade requer uma conexão emocional significativa antes que o desejo sexual surja.
“Essa condição reduz o número de parceiros, escolhendo-os pela conexão emocional em vez da atração física, o que levanta dúvidas sobre sua classificação como condição psicoemocional ou orientação íntima”, informa Alexander Bez.
Para Eduardo Perin, a demissexualidade é uma variação da assexualidade. “O demissexual faz parte do espectro da assexualidade, uma vez que ele normalmente não tem atração, não tem desejo de se envolver sexualmente com as pessoas, mas ele desenvolve esse desejo quando há um interesse, um envolvimento afetivo, uma admiração intelectual, uma admiração pelas características de personalidade de determinada pessoa”, destaca o médico.
“A pessoa que é demissexual, na maior parte das vezes, não consegue ter uma uma relação sexual casual, uma relação sexual num primeiro encontro. Ela precisa conhecer, desenvolver um laço afetivo, uma admiração pela outra pessoa para daí ela sentir vontade de ter uma relação sexual”, acrescenta Eduardo.
Veja as características da assexualidade e como identificá-la
Como descobrir se sou demissexual? Entenda os sinais
Recentemente, ‘Em Família É Tudo’, Guto revelou que acredita ser demissexual. O rapaz, que é muito tímido, nunca teve experiências amorosas, nem sexuais. Mas, afinal, como descobrir se sou demissexual? Como uma pessoa pode reconhecer que se identifica com essa orientação sexual? De acordo com Alexander, é importante que o indivíduo se autoexplore, observando atentamente suas relações e seu desenvolvimento.
“O autoconhecimento é o primeiro passo nesse processo, bem como analisar suas interações sociais e observar se há uma ênfase maior em conhecer as pessoas em um nível intelectual e afetivo. O primeiro sinal revelador pode ser a tendência de se apaixonar por indivíduos com os quais você compartilha uma convivência prolongada, se você percebe que não se apaixona facilmente e é criterioso(a) em relação aos laços emocionais, isso pode indicar uma inclinação demissexual”, aponta o psicólogo.
Ainda de acordo com o especialista, a descoberta da demissexualidade ocorre pela necessidade de laços emocionais profundos antes do ato íntimo. “Ela não se refere a orientações heterossexuais ou homossexuais, mas se baseia no sentimento. A partir dessa conexão emocional, o desejo começa a se desenvolver. A plenitude amorosa em todos os sentidos é alcançada somente com a presença de sentimentos, e é assim que a pessoa percebe que é demissexual”, explica ele.
Perin também lista alguns sinais que podem ajudar a pessoa a se identificar com a demissexualidade: “Quando a pessoa não sente um desejo de ter relações sexuais num primeiro encontro, não sente desejo sexual por uma pessoa que ela não conhece, que ela não admira, que ela não tem um laço afetivo, é um sinal de que ela pode ser demissexual”, afirma.
De acordo com o psiquiatra e psicoterapeuta, a pessoa também pode perceber que é demissexual quando ela começa a se envolver emocionalmente com alguém ou quando começa a admirar alguém por suas características intelectuais e de personalidade para, então, passar a ter um interesse, que muitas vezes independe se essa pessoa é bonita ou feia, se é ou não atraente do ponto de vista físico.
“O que faz haver interesse sexual no demissexual é a intelectualidade, o envolvimento afetivo, a empatia, são outras características de personalidade mesmo que fazem com que esse interesse sexual vá surgindo. A pessoa pode se interessar por um amigo, eventualmente ela vai perceber que a atração sexual dela ocorre nessa situação, não ocorrendo no dia a dia por qualquer pessoa como a maioria das pessoas. As pessoas demissexuais não se dão bem com relacionamentos mais casuais, mais superficiais, elas precisam realmente de um envolvimento maior”, explica Perin.
A demissexualidade, portanto, se revela não apenas na ausência de atração imediata, mas na necessidade de construir uma base emocional sólida para o desenvolvimento de qualquer atração sexual.
Impactos da demissexualidade na vida cotidiana
A demissexualidade pode influenciar diversos aspectos do dia a dia de quem se identifica dessa maneira. Isso porque uma pessoa que é demissexual pode ter seus relacionamentos, suas interações sociais e até mesmo sua autopercepção afetados.
No campo amoroso, uma pessoa que é demissexual pode enfrentar desafios, especialmente quando se envolve com alguém que não compartilha a mesma orientação ou tem um desejo sexual mais intenso. Como para os demissexuais a atração sexual surge apenas após o estabelecimento de uma conexão emocional profunda, a conquista inicial precisa ser baseada em um envolvimento emocional significativo, podendo dificultar o encontro de parceiros compatíveis com essas características.
Além disso, os demissexuais podem sentir uma pressão significativa da sociedade. A expectativa de perder a virgindade ou de se envolver em relacionamentos sexuais casuais é comum, e essa pressão pode vir de amigos, família e até da mídia.
“Relacionamentos casuais e ficantes são bastante comuns atualmente, mas para uma pessoa demissexual, que necessita de um envolvimento e admiração profundos para sentir atração sexual, esse tipo de relacionamento não é viável. Essa incompatibilidade pode levar a questionamentos de amigos e familiares sobre o que está acontecendo, fazendo com que a pessoa demissexual se sinta diferente e isolada”, explica Eduardo Perin.
De acordo com o psiquiatra e psicoterapeuta, o sentimento de não pertencer a um grupo ou de ser diferente também pode ser bastante isolador para os demissexuais. “Eles podem sentir que não se encaixam nas normas sociais e que não pertencem a um grupo, afastando-se socialmente. No entanto, a internet tem facilitado o encontro de pessoas com as mesmas características, permitindo o encontro entre essas pessoas”, aponta o especialista.
Como lidar com a demissexualidade
A vida íntima é importante para a saúde psicológica, ajudando a gerenciar emoções e evitar conflitos pessoais que podem levar a neuroses graves. Para um demissexual, relacionar-se sem sentimentos é impossível. Portanto, o psicólogo Alexander Bez pondera que não combater à demissexualidade é a melhor estratégia para evitar conflitos e alcançar realização pessoal.
“Muitos autores consideram a demissexualidade uma ‘condição sexual-sentimental’ ou uma orientação íntima. O importante é reconhecer que um demissexual não pode experimentar prazer íntimo sem envolvimento emocional. Para amigos e familiares, é importante entender que a demissexualidade é real e funcional, parte do espectro da assexualidade”, explica ele.
Como a demissexualidade é caracterizada por um caráter mais romântico do que sexual, Bez destaca que ter paciência, compreensão e empatia em relação à demissexualidade são dicas essenciais para uma convivência mais tranquila.
“Um demissexual pode desfrutar da intimidade sexual, mas isso só ocorre após o estabelecimento de uma conexão emocional profunda. Eles precisam de laços sentimentais sólidos antes de se sentirem atraídos sexualmente. Por isso, é importante não confrontá-los ou insistir para que tenham contatos íntimos sem que essa conexão emocional esteja estabelecida. A preferência dos demissexuais tende a ser por atividades mais românticas, onde o vínculo emocional possa ser cultivado e fortalecido”, acrescenta o psicólogo.
Ou seja, é importante que as pessoas à volta do demissexual compreendam e apoiem às suas necessidades emocionais e sentimentais.
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