De acordo com um levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS), 24% das jovens e adolescentes, com até 20 anos, sofrerão algum tipo de violência em relacionamentos amorosos. Esse dado alarmante revela a necessidade urgente de aumentar a conscientização sobre os sinais de relacionamentos abusivos e os impactos severos que essas experiências podem ter na saúde mental das vítimas.
A violência em relacionamentos amorosos pode se manifestar de várias formas, incluindo abuso físico, emocional e psicológico. As consequências para a saúde mental são profundas e podem incluir depressão, ansiedade, baixa autoestima e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Além disso, jovens em relacionamentos abusivos frequentemente enfrentam dificuldades acadêmicas, isolamento social e um risco aumentado de comportamentos autodestrutivos.
Para saber como identificar um relacionamento abusivo e, posteriormente, intervir nesses casos, bem como entender os impactos dessa violência na saúde mental das jovens afetadas, AnaMaria conversou com o psiquiatra e psicoterapeuta Wimer Bottura, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria e presidente do comitê de adolescência da Associação Paulista de Medicina.
Como identificar que uma jovem está em um relacionamento abusivo ou agressivo?
Reconhecer os sinais de um relacionamento abusivo ou agressivo é crucial para a intervenção e apoio. Existem diversos indicadores emocionais e comportamentais que podem sinalizar que uma jovem ou adolescente está passando por essa situação. Wimer destaca alguns deles:
“Isolamento, crises de choro sem motivo aparente, ideias e tentativas de autoeliminação, insônia e crises de ansiedade. Também pode levar a afastamento dos amigos e da família, falta de ar, dor na alma, e dores físicas difíceis de encontrar as causas. Também pode causar ansiedade, uso de roupas super discretas a mando do parceiro, perda de espontaneidade, excesso de cuidado com o que fala, principalmente ao lado do abusador”.
Confira a seguir os sinais de violência em relacionamentos de forma mais detalhada:
Sinais emocionais
- Isolamento: a jovem pode começar a se afastar de amigos e familiares, preferindo ficar sozinha ou apenas com o parceiro;
- Crises de choro sem motivo aparente: momentos frequentes de choro podem indicar sofrimento emocional intenso;
- Ideias e tentativas de suicídio: pensamentos suicidas ou tentativas de suicídio são sinais graves de que a situação está impactando severamente a saúde mental;
- Crises de ansiedade: ataques de pânico, preocupação constante e outros sintomas de ansiedade são comuns;
- Insônia: dificuldade em dormir ou manter um sono contínuo pode ser um reflexo do estresse e da ansiedade vividos;
- Dor na alma: uma sensação persistente de tristeza e desespero profundo, muitas vezes difícil de expressar.
Sinais comportamentais
- Afastamento de amigos e família: o agressor pode incentivar ou forçar a vítima a se isolar, limitando seu suporte social;
- Falta de ar e dores físicas: sintomas somáticos como dificuldade para respirar e dores físicas sem causa aparente podem ser manifestações do estresse emocional;
- Uso de roupas discretas: pode haver uma mudança repentina no estilo de vestir, optando por roupas que cubram mais o corpo a pedido do parceiro;
- Perda de espontaneidade: a jovem pode parecer menos espontânea e mais cautelosa em suas ações e palavras, especialmente na presença do parceiro;
- Excesso de cuidado com o que fala: medo de provocar o agressor, levando-a a monitorar cuidadosamente o que diz e como se comporta;
- Mudanças bruscas de humor: alternância entre comportamentos extremamente submissos e defensivos.
Reconhecer esses sinais é o primeiro passo para oferecer ajuda e suporte necessários. É importante que amigos, familiares e educadores estejam atentos e preparados para intervir de maneira sensível e eficaz.
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Impactos da violência em relacionamentos amorosos na saúde mental das jovens
A exposição à violência em relacionamentos amorosos pode ter um impacto profundo e duradouro na saúde mental de jovens e adolescentes. As consequências podem variar de problemas emocionais e psicológicos a transtornos físicos de origem emocional. Aqui estão algumas maneiras pelas quais essa exposição pode afetar a saúde mental a curto e longo prazo:
A curto prazo:
- Angústia e ansiedade: jovens e adolescentes podem sentir medo constante, insegurança e nervosismo, manifestando sintomas como crises de pânico e ansiedade;
- Depressão: a violência pode levar a sentimentos de tristeza profunda, desesperança e desinteresse pelas atividades que antes eram prazerosas;
- Transtornos físicos de origem emocional: problemas como dores de cabeça, dores de estômago e insônia são comuns e frequentemente não têm uma causa médica clara;
- Isolamento social: a vítima pode se afastar de amigos e familiares, perdendo sua rede de suporte essencial;
- Autoestima reduzida: a violência verbal e emocional pode destruir a autoestima da vítima, levando a sentimentos de inutilidade e falta de valor.
A longo prazo:
- Transtornos de saúde mental persistentes: a exposição contínua à violência pode resultar em transtornos mentais graves e de longo prazo, como transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), depressão crônica e transtornos de ansiedade;
- Fibromialgia: condições como a fibromialgia, que é caracterizada por dor muscular crônica, podem ser desencadeadas ou exacerbadas pelo estresse emocional contínuo;
- Abandono dos planos de vida: a vítima pode abandonar seus objetivos acadêmicos e profissionais, comprometendo seu futuro e suas oportunidades de crescimento;
- Gravidez precoce: a violência em relacionamentos pode levar a comportamentos de risco, resultando em gravidez precoce e possível abandono posterior, onde a vítima pode ser deixada sozinha para cuidar do bebê sem apoio emocional ou financeiro;
- Desenvolvimento de transtornos de personalidade: experiências traumáticas durante a juventude podem levar ao desenvolvimento de transtornos de personalidade, que afetam a maneira como a vítima interage com o mundo e com outras pessoas;
- Dependência de substâncias: para lidar com a dor emocional e o trauma, algumas vítimas podem recorrer ao uso de drogas ou álcool, o que pode levar a dependências e agravar ainda mais os problemas de saúde mental;
- Dificuldade em formar relacionamentos saudáveis: o trauma de um relacionamento abusivo pode afetar a capacidade da vítima de confiar nos outros e formar relacionamentos saudáveis no futuro.
Como mostrado acima, a violência em relacionamentos amorosos pode causar danos significativos e duradouros na saúde mental de jovens e adolescentes. Por isso, é crucial identificar e intervir precocemente em casos de violência para minimizar esses impactos e oferecer suporte adequado às vítimas.
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Como intervir nos casos de violência em relacionamentos amorosos?
Para intervir em situações de violência em relacionamentos, Wimer Bottura explica que a primeira linha de defesa geralmente é a família. “É essencial que os familiares identifiquem sinais de sofrimento na jovem e abram um diálogo sincero sobre a situação. É importante também tomar cuidado com a falsa bondade do abusador, que frequentemente tenta conquistar a família com simpatia no início do relacionamento. Muitas vezes, a vítima tende a esconder os abusos e até rejeitar a interferência dos pais, por isso é necessário muito tato para abordar o assunto de maneira eficaz”, destaca o médico.
Além disso, identificar as fragilidades e o caráter indefeso da vítima é um passo importante para, posteriormente, encaminhá-la para uma terapia. “Muitas pessoas repetem relacionamentos abusivos devido à ingenuidade ou insegurança sobre sua capacidade de ser amadas. A terapia pode ajudar a resgatar a autoestima e a autoconfiança, proporcionando ferramentas para a vítima lidar com a situação de maneira mais assertiva”, aponta Bottura.
O apoio dos amigos também é fundamental, pois eles podem oferecer um espaço seguro para a vítima expressar suas preocupações e sentimentos, além de ajudarem a identificar comportamentos abusivos que a própria vítima pode não reconhecer. Os amigos também podem incentivar a busca por ajuda profissional e oferecer suporte emocional contínuo.
Psicólogos e outros profissionais de saúde mental desempenham um papel vital no tratamento dos impactos psicológicos da violência em relacionamentos. Eles podem fornecer um espaço seguro para a vítima explorar seus sentimentos e experiências, desenvolver estratégias para lidar com a situação e trabalhar na reconstrução da autoestima e da autoconfiança. Psicólogos também podem ajudar a vítima a entender os padrões de abuso e a planejar passos para sair do relacionamento de forma segura.
Para jovens adolescentes, que geralmente não têm filhos e não dependem financeiramente do abusador, é particularmente importante intervir cedo e de forma eficaz para prevenir consequências mais graves a longo prazo.
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