“Minha filha sempre foi muito alegre e cercada de amigos. No entanto, quando ela tinha 12 anos, começou a passar por mudanças comportamentais. Ela não queria mais sair de casa, se isolava e não tinha vontade de ir à escola. Como a madrinha dela é psicóloga, conversei com ela sobre o que estava acontecendo, e ela sugeriu que buscássemos terapia. No início, minha filha resistiu e disse que estava tudo bem. Na verdade, ela tinha medo de que a psicóloga contasse aos pais o que ela tinha a dizer”, conta Luiza Santos, mãe de Laura, de 14 anos.
“Explicamos que tudo o que fosse dito durante as sessões ficaria apenas entre elas, e que nosso objetivo era apenas nos preocuparmos com o seu isolamento. Ela acabou aceitando fazer terapia e, ao longo do tempo, sua situação melhorou. Hoje, quase dois anos depois de começar, voltou a ser como era antes. Nunca soubemos exatamente o que ela estava sentindo, mas notamos que ela está recuperando sua confiança”, conta.
Sim, as crianças também enfrentam desafios e dificuldades emocionais em diferentes momentos, por diversas razões. A maioria dessas situações pode ser superada com o apoio adequado da família e do ambiente escolar. No entanto, em alguns casos, as questões emocionais podem se tornar mais complexas e persistentes, afetando negativamente o bem-estar e o desenvolvimento saudável desses indivíduos.
É nesses momentos que buscar ajuda psicológica especializada pode fazer a diferença. Os problemas emocionais das crianças podem ter várias causas, como traumas, dificuldades de aprendizado, problemas familiares, questões sociais ou transtornos mentais. Identificar o momento certo para procurar apoio profissional é essencial para garantir o melhor cuidado e suporte para a criança.
Nesta matéria, exploraremos os sinais de alerta que indicam a necessidade de ajuda psicológica para as crianças, bem como a importância da intervenção precoce. Também discutiremos os benefícios de uma abordagem terapêutica voltada especificamente para as necessidades das crianças, juntamente com dicas úteis para os pais abordarem esse assunto delicado com seus filhos.
UMA AJUDA NECESSÁRIA
Ansiedade, conflitos com colegas de classe, relacionamentos complicados com irmãos e familiares, timidez, medos e fobias. Esses são apenas alguns exemplos de sentimentos que podem fazer parte da vida das crianças e que, se não forem tratados com atenção, podem ter impactos negativos ao longo da infância e da vida adulta.
O psicólogo Roberto Debski, que também é médico e especialista em homeopatia e acupuntura, explica que, quando os pais não conseguem lidar de forma saudável com seus filhos, as relações familiares podem se tornar repletas de brigas e conflitos aparentemente insolúveis. “Quando os pais enfrentam dificuldades para compreender o que está acontecendo com seus filhos em situações que não conseguem resolver, buscar a ajuda de um profissional psicoterapeuta se torna um caminho natural”, pontua.
Foi isso que aconteceu com Cinthia Tedesco, mãe de Helena, de 8 anos. Ela conta que a filha começou a fazer terapia este ano devido a crises de ansiedade. A família procurou ajuda após conversar com a pediatra, que os ajudou a entender que ela precisava de apoio psicológico. “Logo na primeira sessão, Helena adorou a terapeuta, que tem muita afinidade com crianças e usa um método envolvente de conversas e brincadeiras que teve efeitos positivos rapidamente. Já notamos melhorias em situações em que ela e nós não sabíamos como lidar. Nossos filhos dão sinais e precisamos ficar atentos a isso e buscar ajuda. Muitas vezes, pensamos que é apenas uma fase passageira, mas nem sempre é o caso. Se eu tivesse percebido antes, teria buscado ajuda logo no início. Hoje, Helena está avançando passo a passo, e tenho certeza de que essa rede de apoio será muito importante para a recuperação dela”, compartilha.
Já Verônica Guimarães, mãe de Enrico, de 11 anos, lembra que, quando o filho começou a apresentar comportamentos “inadequados” na escola e se tornou um pouco agressivo e relutante em permanecer na sala de aula, foi a escola que sugeriu buscar ajuda profissional. Ele tinha 6 para 7 anos, no primeiro ano escolar, e estava em processo de alfabetização. “Ele fez terapia por um ano e Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) em um projeto da minha cidade. Na época, os profissionais levantaram a hipótese de autismo, mas não tivemos um diagnóstico conclusivo. No entanto, foi confirmado que ele tinha TDAH, o que dificultava seu processo de aprendizado”, comenta.
No entanto, devido à pandemia, ele ficou dois anos sem atendimento, só retornando quando as aulas presenciais foram retomadas. Atualmente, o garoto está fazendo terapia com um psicopedagogo e não tem mais tantas dificuldades em acompanhar o aprendizado. A mãe também destaca a importância da escola nesse processo. “Ele estuda em uma escola pública municipal muito boa. A equipe pedagógica é atenta e dedicada aos alunos. Há até mesmo um projeto com uma psicóloga na escola, que o acompanha desde o segundo ano, e uma psicopedagoga que faz acompanhamento dos alunos com necessidades especiais e o ajudou no início deste ano, na transição do 5º para o 6º ano. Hoje, Enrico é uma criança muito mais confiante. Ele entende que todos nós enfrentamos dificuldades e que ele não é diferente. Ele compreende que faz parte do processo da vida”, complementa.
Gabriel Portella, mestre em Psicologia Comportamental e diretor do Núcleo Joy, destaca a importância de ter um psicólogo dentro da escola, especialmente no cenário atual, com muita violência e casos de bullying. “Acreditamos que há uma tríade envolvida no processo terapêutico, composta pela clínica, família e escola. Muitas das questões atuais envolvem crianças na escola passando por rupturas e abalos emocionais, e elas precisam ser acompanhadas mais de perto”, exemplifica.
No entanto, é importante ressaltar que, mesmo quando há indicação para a terapia, é essencial ouvir a opinião da criança. “Há algumas semanas, Enrico pensou em interromper a terapia, pois ficou três semanas sem atendimento devido a problemas familiares que tivemos. Como ele perdeu o ritmo, considerou parar. Eu disse que estava tudo bem, mas que ele precisava conversar com o Gean, que é o psicólogo. Ele chorou antes da terapia… não queria ficar longe do Gean, pois o adora, conversa e brinca com ele. Então, decidiu continuar. Ele se sente seguro no processo, gosta e confia. Isso me deixa muito confortável. No entanto, independentemente disso, acredito que o mais importante é que a criança aceite e queira fazer a terapia. Meu filho mais velho, por exemplo, decidiu não fazer por enquanto, e está tudo bem. Quando ele quiser, voltará”, avalia Verônica.
A HORA DE PROCURAR
Entender quando procurar ajuda psicológica para crianças é um passo crucial para garantir o seu bem-estar emocional”, afirma o psicólogo clínico André Zanatta Braga. No entanto, ainda existe um preconceito associado à busca por ajuda psicológica, como assumir que o filho tem problemas. Zanatta destaca que essa mentalidade está equivocada, e nos últimos anos houve uma mudança nessa percepção. Ele comenta que o acesso facilitado à informação, por meio das mídias sociais, e os avanços nos estudos dos transtornos infantis contribuíram para a compreensão da importância do diagnóstico e tratamento psicológico no desenvolvimento psicossocial infantil. “Os estudos dos transtornos que acometem crianças e adolescentes evoluíram muito nos últimos 20 anos, o que permitiu não só a implementação de tratamentos eficazes, como também a desmistificação do rótulo de ‘criança problemática'”, enfatiza.
Roberto, também psicólogo, ressalta que, mesmo atualmente, existem diversos preconceitos em relação à psicoterapia e aos problemas emocionais e psicológicos. Muitas pessoas ainda têm dificuldade em lidar com questões emocionais e acreditam que a terapia é para pessoas “loucas” ou que não funciona. Ele destaca que é importante reconhecer que o problema emocional ou mental de uma criança muitas vezes tem origem nas relações familiares e não apenas na criança em si. Mas como saber quando uma criança precisa de ajuda? De acordo com a psicóloga Ana Debski, existem sinais que indicam a necessidade de procurar terapia, como:
- Alterações comportamentais em casa;
- Evitar a escola com sintomas físicos associados;
- Birras;
- Irritabilidade;
- Choro excessivo;
- Medos;
- Dificuldades no desempenho escolar;
- E problemas nas relações com colegas e professores.
Zanatta destaca que as alterações no comportamento da criança são sinais de que algo maior está acontecendo, e ela pode expressar essas questões de maneira física, principalmente quando ainda não tem habilidades para elaborar e comunicar emocionalmente. Ele também menciona que crianças que apresentam comportamentos violentos em casa ou na escola também indicam a necessidade de ajuda. É importante ressaltar que a terapia não é uma solução imediata. Assim como ocorre com os adultos, os resultados da terapia para crianças se desenvolvem ao longo do tempo e são positivos.
NO DIVÃ COM A CRIANÇA
Quando se decide pela terapia, é fundamental compreender que o processo terapêutico para crianças é diferente do processo para adultos. “O trabalho terapêutico precisa ser diferente entre adultos e crianças. Enquanto os adultos trazem suas vivências passadas para serem trabalhadas, as crianças estão em formação de seu caráter e personalidade. Portanto, é necessário um trabalho lúdico, com jogos, brincadeiras e encenações para que suas vivências sejam expressas na clínica”, explica Zanatta.
Roberto destaca que o objetivo da terapia com crianças é proporcionar um ambiente seguro onde elas possam expressar seus sentimentos e vivências. Ele enfatiza que a criança não precisa ter um diagnóstico específico para se beneficiar da terapia, pois problemas emocionais e relacionais são comuns em todas as idades. Nos casos de terapia infantil, os pais também desempenham um papel importante no processo, mesmo que não participem das sessões. Eles são envolvidos periodicamente para feedback e avaliação. Além disso, a terapia infantil geralmente começa com uma entrevista inicial com os pais, seguida de sessões individuais com a criança.
Ana comenta que não há uma idade específica para iniciar a terapia. Intervenções precoces podem ser feitas, inclusive antes de um ano de idade, em casos de atrasos no desenvolvimento. A abordagem comportamental é amplamente utilizada nesses casos. Já a terapia cognitivo-comportamental é comum em crianças sem diagnósticos específicos. O trabalho terapêutico lúdico pode ser efetivo a partir dos 5 ou 6 anos de idade, quando a criança tem maior capacidade de criar histórias e problematizar suas vivências.
Em resumo, é importante superar o preconceito, reconhecer os sinais de que a criança precisa de ajuda, compreender a natureza do processo terapêutico com crianças e estar envolvido como pai ou responsável. A terapia pode ser benéfica desde as idades mais precoces, e cada caso deve ser avaliado individualmente para determinar a abordagem terapêutica adequada.
A PSICOLOGIA NAS ESCOLAS
Boa parte dos problemas que crianças enfrentam começam na fase escolar, como bullying, inclusão, adaptação etc. Então, nada mais indicado do que ter, sim, psicólogos nas instituições. Normalmente, porém, não é isso que acontece. Para a psicóloga Francielle Marques de Sousa, que atua como psicóloga clínica e escolar, a presença desses profissionais se faz cada vez mais necessária a presença. “Eu costumo dizer que a escola é um ambiente vivo. Diferente do consultório, onde é necessário levar/narrar a situação, na escola acontece ao vivo, por isso é super importante ter um profissional para atender as necessidades que vão surgindo, seja de alunos com necessidades educacionais especiais, práticas frequentes de bullying, o alto índice de crise de ansiedade nas escolas entre outros. O psicólogo escolar tem um papel essencial de promoção da saúde nas instituições de educação”, comenta.
Roberto também concorda que é fundamental que todas escolas possam ter em seu quadro de colaboradores um psicólogo. “A escola é um local onde acontecem relacionamentos entre as crianças e os professores e demais colaboradores, onde se dá o processo educacional, local no qual as crianças passam grande parte de seu dia e de suas vidas, como uma extensão de sua casa, onde a criança se depara com dinâmicas diferentes daquelas que acontecem em sua família, e também onde elas expressam tudo o que trazem de casa, ou seja, os conflitos que podem estar ocorrendo em casa serão vivenciados no ambiente escolar. Devido a isso, um psicólogo é um profissional essencial para ajudar as crianças, e também a escola a solucionar as questões referentes à esfera mental, emocional e dos relacionamentos”, pontua.
Entre os problemas que habitualmente acontecem nas escolas e seriam melhor resolvidos se houvesse psicólogos no dia a dia dos alunos, há questões como promover a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais, seja com adaptações de provas e materiais e/ou com ações coletivas, práticas de bullying, alunos com uma crise de ansiedade, situações de automutilação, entre outras.
Para Gabriel, um psicólogo dentro da escola é de suma importância, principalmente no cenário atual em que vivenciamos, infelizmente com muita violência, práticas de Bullying, que estão ocorrendo. “Acreditamos que existe uma tríade dentro do processo terapêutico que envolve (clínica, família e escola). Muitas das problemáticas atuais envolvem crianças dentro da escola com rupturas e abalos emocionais, que precisam ser assistidas mais de perto. Dessa forma, não somente na escola, mas em diversos contextos o psicólogo se faz presente e importante”, complementa.
TERAPIA E TEA
Enquanto a psicoterapia pode ajudar crianças com algumas questões que surjam no decorrer da infância, no caso de pessoas com TEA (Transtorno do Espectro Autista), esse atendimento pode ajudar a suavizar alguns sinais específicos que interfiram na socialização e comunicação. Ana Lucia, mãe de Artur, de 4 anos, conta que o filho faz terapia multidisciplinar desde 1 ano e 11 meses. Além da psicoterapia, Artur também recebe fonoaudiologia e terapia ocupacional, baseada em ABA (Análise do Comportamento Aplicada).
“Antes mesmo de termos o diagnóstico – que essa profissional, cuidadosamente, só fechou após receber os relatórios das avaliações iniciais da terapia multidisciplinar -, ela teve o cuidado de nos explicar que, mesmo em caso de um diagnóstico de TEA não se confirmar, Artur se beneficiaria muito em iniciar a terapia multidisciplinar o quanto antes. Então, não hesitamos em buscar informações sobre esse tipo de terapia o mais rápido possível, mesmo que o TEA fosse apenas uma hipótese inicial”, lembra a mãe.
Ana Lucia continua explicando que a terapia multidisciplinar com base em ABA, quando realizada por profissionais habilitados, leva em consideração a disponibilidade da criança, tornando-a geralmente prazerosa. No entanto, é natural que algumas crianças apresentem alguma resistência, como chorar, principalmente aquelas que não estão acostumadas a mudanças de demandas. No caso de Artur, que ainda não havia iniciado a vida escolar, essa resistência foi percebida. No entanto, com o tempo, ele se acostumou e passou a considerar a terapia como uma atividade prazerosa e divertida. Ana Lucia destaca que Artur apresentou uma evolução em todos os sentidos desde o início da terapia, especialmente nas tentativas de comunicação. Ela ressalta que a evolução ocorre no ritmo de cada criança e contexto.
Para Bruna Manzolli Macario de Lima, psicóloga especializada em Transtorno do Espectro Autista e terapeuta ABA na Rede Genial, da Genial Care, embora o número de crianças com autismo que fazem terapia tenha aumentado nas últimas décadas, o acesso a terapias ainda não é uma realidade para muitas famílias. Ela menciona que a divulgação de informações, principalmente nas redes sociais, facilitou o acesso, assim como a maior estruturação de clínicas especializadas e a ampliação dos critérios diagnósticos. No entanto, é importante destacar que há um recorte social para esse acesso.
Os pais de crianças com TEA procuram um psicólogo principalmente devido a atrasos no desenvolvimento, como fala, comunicação e socialização. Bruna destaca que esses “sinais de atenção” ficam mais evidentes para as famílias quando elas têm mais vivências sociais e observam reações atípicas em eventos, dificuldades no compartilhamento de atenção e rigidez. Além dos atrasos no desenvolvimento mencionados, as dificuldades na interação, comunicação, compreensão e entendimento das instruções no dia a dia, pouca imitação, formas de brincar diferentes dos pares e pouca reciprocidade social também são motivos para buscar intervenção. Bruna enfatiza a importância de buscar avaliação quando há suspeita de algo diferente, mesmo antes de grandes atrasos serem observados. Ela ressalta que um profissional capacitado não atrapalha o desenvolvimento da criança e que o diagnóstico precoce faz muita diferença.
Em relação à presença dos pais durante a terapia, Bruna explica que isso depende do conforto da criança na ausência dos pais. Se a criança demonstrar choro, desregulação e insegurança quando os pais se retiram, não há motivo para desconsiderar ou tirar os pais do ambiente terapêutico. A equipe, a família e os terapeutas podem trabalhar juntos para encontrar as melhores estratégias, e, a longo prazo, a saída dos pais pode se tornar um objetivo da intervenção, mas é necessário que a criança tenha desenvolvido um bom vínculo com o terapeuta.