Alerta máximo. Suor frio, necessidade de encontrar uma fuga, medo, muito medo. Ao redor, quem está próximo não enxerga motivo para tamanho desespero. Afinal, nada parece justificar uma crise de pânico por motivos que, muitas vezes, parecem banais para quem vê de fora. Uma borboleta, um gato, um trovão, o piscar de uma lâmpada prestes a se apagar, atravessar uma rua, vento forte, uma agulha de vacina ou injeção, entre outros. Para quem tem fobia, um pingo pode se transformar em um oceano. O problema é ainda maior quando se trata de crianças, pois muitos nem conseguem expressar o motivo de tanto pavor.
Chamado por muitos de “frescura” ou “bobeira”, a fobia é uma crise séria e que causa prejuízos tanto na infância quanto na vida adulta. Em casa, vivencio de perto a sensação que meu filho tem ao ver seringas. O problema, que começou aos quatro anos após uma internação e muitos acessos venosos, o acompanha todas as vezes em que ele se vacina ou faz exame de sangue. Muito abraço, carinho e acolhimento, além de calma, são ingredientes fundamentais.
Filippo começou a fugir de vacinas ao ver tantas cenas com seringas após a pandemia. (Crédito: Arquivo Pessoal)
Situação semelhante é vivenciada por Roberta Castro com seu filho de 4 anos. Antes da pandemia, o garotinho não tinha problemas em se vacinar. Mesmo não sendo fã, também não tinha pânico. “Tudo mudou, porém, depois de ver tantas cenas de imunização na TV (adultos injetando, seringa, agulha). Ele passou a dizer que não quer mais tomar vacina”, conta.
A mãe tenta contornar a situação conversando com ele. Quando se vacinou, mostrou o curativo e disse o quanto é importante, mas não adiantou: “Pior que preciso convencê-lo a tomar as vacinas dos quatro anos, mas estou postergando isso, por medo da reação mesmo na clínica. Tentei fazer uma “competição” dizendo que o primo da mesma idade ia tomar primeiro.” Mas, o fato é que os argumentos, embora objetivos, não trazem alento à sensação de horror que toma conta da cabeça de quem enfrenta uma fobia.
DA INFÂNCIA À VIDA ADULTA
“Vai passar”. Será? Muitos pais acreditam que se trata de um medo bobo, infantil, mas há casos em que a fobia se acentua e permanece por toda a vida. É o caso da chamada “motefobia” de Alessandra Santos. Hoje com 46 anos, ela conta que o medo de borboletas, mariposas e outros insetos que voam faz parte de sua vida desde que se entende por gente, mas que não se lembra do problema ter sido desencadeado por algum episódio específico.
“Eu entro em desespero mesmo. Já procurei psicólogos e psiquiatras e nunca consegui resolver. Com as miúdas até consigo ficar no mesmo ambiente, mas aquelas enormes – as bruxas, como são comumente conhecidas – me fazem perder totalmente o controle. Um desses médicos que fui disse que é uma fobia até comum. E que se eu estiver em uma varanda, por exemplo, posso tentar pular sem perceber”, conta.
Borboletas e outros insetos estão entre as fobias mais comuns. (Crédito: Priscila Correia)
Já Débora Pessoa, de 47 anos, lembra que seu medo de lagartixas parece existir desde a época que estava na barriga da mãe – que, quando estava grávida, recebeu uma visita do animal, que entrou em sua roupa e deixou a mãe muito nervosa. Hoje, se estiver em um ambiente em que tenha uma lagartixa, seja de qualquer tamanho, não fica tranquila até que veja o corpo sem vida. “Por vezes me sinto cruel em pensar assim, mas realmente é incontrolável. Nunca procurei terapia para resolver, até porque sei que é uma fobia bastante comum e nunca vi ninguém curado. Mas quando engravidei, fiquei com medo de passar para minha filha, o que não aconteceu”, conta. Laura, hoje com 12 anos, não tem medo de nada. “E, embora não mate, se encontra uma bichinha pelo caminho já vai colocando ela para andar”, ressalta.
As fobias relatadas por Alessandra e Débora estão entre as “mais comuns” na infância. Além destas, há também muitos casos ligados à medo do escuro (nictofobia), de dormir sozinho, de altura (acrofobia), de injeção, de médicos e dentistas e até de sons intensos, como chuvas com trovão, por exemplo. Há, ainda, fobias específicas situacionais como de meios de transporte, de entrar em elevador e espaços pequenos, andar em escadas rolantes, e casos relacionados com a escola, quando as crianças começam a estudar e lidam com as primeiras sensações de separação dos pais, que normalmente causam muita ansiedade e preocupação.
As duas histórias acima têm em comum, além do medo, um detalhe bastante percebido: as fobias começaram na infância, sem uma razão específica, e se tornaram companhia constante até a fase adulta. Por isso, na coluna de hoje, vamos nos aprofundar um pouco mais nesse tema e tentar entender como nós, mães, podemos ajudar nossos filhos.
PARA COMEÇAR, FOBIA NÃO É MEDO
Temos por hábito chamar o medo de diversos nomes: fobia, pânico, pavor etc. Mas a verdade é que, antes de tudo, precisamos entender o que é cada sentimento para, desta forma, tentar ajudar nossos filhos a vencerem esse processo. Portanto, é preciso diferenciar fobia, síndrome do pânico e um medo natural. “Entre as principais diferenças, estão o fato de a Síndrome do Pânico não precisar de um estímulo e ser essencialmente uma doença emocional e psicológica; enquanto as fobias normalmente acontecerem após um trauma. Já o medo é uma reação instintiva do nosso corpo a situações em que nos sentimos vulneráveis, em perigo. Esse medo natural, quando em excesso, é o que pode levar ao que chamamos de fobia”, define o psicólogo Alexander Bez, especialista em Ansiedade e Síndrome do Pânico pela Universidade da Califórnia (UCLA).
O especialista explica que, quando falamos em fobias, é essencial compreender que elas precisam de um estímulo externo para serem acionadas. Por mais que já exista, as pessoas não a sentem o tempo inteiro. As fobias são consideradas transtornos de ansiedade, que é um medo que a pessoa sabe que é irracional, mas não é capaz de controlar. Por exemplo, se uma pessoa ficou presa em um elevador, ela pode vir a desenvolver uma claustrofobia e, toda vez que ela entrar em um elevador, irá sentir essa sensação. “Mas além de poder ser causada por um trauma específico, existem estudos científicos que apontam que podemos herdar geneticamente uma fobia. Ou seja, todas as fobias têm, de alguma forma, uma explicação, se não for por trauma, pode ser uma herança no nosso DNA”, complementa.
Outra curiosidade sobre o assunto é que, diferentemente do que muitos acreditam, as fobias não começam sempre na infância e podem aparecer em qualquer idade, imediatamente seguido a um trauma vivido. “Então, se uma criança caiu na piscina e teve um quase afogamento com três, quatro anos de idade, automaticamente essa fobia aparece. Do mesmo modo que se algum evento traumático acontecer com um adulto, ele pode desenvolver também. Não existe idade para ter. Você pode ter fobia em qualquer momento, desde a infância até a fase adulta. Pode ser a mesma que você carrega a vida inteira ou pode ser uma fobia que apareceu mais avançada na vida”, esclarece Bez.
Esse é o caso de Adriana Marques, que há 20 anos (hoje tem 51) tem fobia de avenidas, com muitos carros passando. Ela acabou se adaptando com o tempo, mas não atravessa se não for na faixa de pedestres e tem pavor de passarela, que foi onde tudo começou. “Eu estava atravessando uma da Praça da Bandeira, no Rio, e travei no meio, porque eu via os carros passando por baixo, já que o chão é gradeado. Fiquei tonta, com taquicardia, sudorese. Precisei sentar, pois não parava de chorar e tremer. Aí, um rapaz se aproximou e perguntou se eu estava bem. Tive que atravessar de braço dado com ele. E nunca mais passei por ali”, relata.
Na época, Adriana pensou que fosse ser algo pontual, pois demorou para ter outra crise. Só que em um outro dia, atravessando a Avenida Presidente Vargas, no Centro do Rio de Janeiro (RJ), aconteceu novamente. E, de lá pra cá, ela tem sempre. “Sair de casa é um martírio, pois preciso evitar determinadas ruas muito movimentadas, e acabo dando voltas para chegar ao meu destino. Por isso também não consigo dirigir. Tentei terapia, mas não deu certo, até porque o consultório ficava em uma rua movimentada, de mão dupla, e eu não conseguia ir. Já fiquei um mês sem sair de casa várias vezes. Também já deixei de ir a todo tipo de programação possível: aniversários, shows que amo, festas, casa de amigos etc, porque o local era de acesso difícil. Na minha cabeça, se tivesse que atravessar uma avenida, já era impossível”, lamenta.
Kleber Maia Marinho, psicólogo e responsável pela Clínica PPI, pontua também que não há um critério temporal para o desenvolvimento de um processo fóbico, embora, naturalmente, a criança em tenra idade não desenvolva fobias pelo motivo do desenvolvimento da consciência (eu/ego) estar em formação. “Por esse motivo, é sempre mais difícil identificar a fobia e outros transtornos psíquicos nos pequenos. Os menores seguem padrões adquiridos pelos seus cuidadores (pais) e, muitas vezes, repetem esses modelos, tendo influência disso sobre a formação de suas personalidades. Em geral, as fobias começam a aparecer mais claramente a partir dos 10 anos em diante, mas isso pode de fato já trazer indícios antes mesmo dessa idade”, esclarece.
ENTENDIDO, MAS NÃO COMPREENDIDO (E MUITAS VEZES NÃO RESPEITADO)
Já reparou como é muito comum uma criança manifestar o medo e nós, adultos, muitas vezes, tratarmos de forma pouco acolhedora? E ao contrário do que muitos pais possam imaginar, dizer aos filhos que vai passar ou que é algo bobo não ajuda em nada no processo de enfrentamento das fobias. Mãe de Luiza e Vitória, de 13 e 9 anos, Alice Costa conta que a filha mais velha sempre teve medo de sapo e, por morar na região serrana e em uma casa com jardim, não era raro encontrá-los por perto.
“Eu não lembro quando começou, mas acho que foi por causa de um sonho. Ela nunca soube explicar, mas sempre respeitei esse medo dela porque eu também tenho fobias desde a infância que nunca passaram. Mas o pai, apesar de respeitar e protegê-la quando algum sapo está por perto, nunca entendeu e achava que era frescura, que com o tempo passaria. Mas não foi isso que aconteceu. O pavor dela aumentou muito com o passar dos anos e ela ainda passou esse medo para a irmã mais nova, que, com o tempo, melhorou e hoje fica no jardim sem problemas”, diz. Mas complementa: “O problema em casa é contornado, mesmo com o pai não entendendo, mas respeitando. Pior é quando esse pouco caso com o que ela sente parte de terceiros, até de coleguinhas. Eu vejo seu pânico, muitas vezes segurando o choro por não ser compreendida”.
Sim, é muito comum pessoas que não convivem com quem tem medo ou que não sentem nenhum tipo de desconforto com algo, tratarem o tema com incompreensão. A maioria acha que é uma frescura. Mas como nós, mães, devemos agir em relação às pessoas que insistem em desdenhar o que nossos filhos sentem? “É importante prestar atenção nos sintomas da criança e não compactuar com as pessoas que nomeiam a fobia como bobagem. Acima de tudo, os pais têm que respeitar o filho e compreender essa fobia. Além disso, é importante que sempre tenham uma voz ativa quando outra pessoa direcionar ao seu filho que aquilo que ele sente não passa de uma frescura. A importância do diálogo é fundamental para a criança ter a segurança e a compreensão de que a fobia que ela sente está ligada à sua saúde mental, e, portanto, não algo banal e que não deve ser cuidado com atenção”, define Alexander Bez.
Para Kleber Maia, a informação e a busca de ajuda profissional sempre será o melhor caminho para trazer compreensão, respeito e esclarecimento aos familiares que chegam a conclusões como essas por desconhecerem a gravidade e seriedade do problema. “O acolhimento, escuta e empatia é o que deve ser feito, pois sem isso a patologia só será agravada ou levada a desenvolver comorbidades”, determina.
Já quando adultos, o procedimento é o mesmo: fazer com que as pessoas respeitem o problema e nunca deixar se influenciar por pensamentos de terceiros. “É essencial pontuar também a importância da terapia, tanto para tratar a fobia em si, como para saber lidar com outras pessoas que menosprezam o seu medo. Lembrando que as fobias não saram da noite para o dia, é um longo processo de tratamento e consequentemente a palavra lentidão tem que ser compreendida. Na maioria dos casos, as fobias são totalmente curáveis e tratáveis, mas em alguns casos mais extremos, ainda assim é possível controlar esses sentimentos através de ansiolíticos e terapia”, completa Bez.
LIDANDO COM O MEDO
Acolhimento é fundamental para ajudar a criança a superar a sensação de pânico. (Crédito: Priscila Correia)
Uma vez identificada a fobia, além de se mostrar empático ao medo dos filhos, buscar tratamento é fundamental. Embora muitos acreditem que uma vez com fobia, sempre com fobia, Bez explica que isso não é verdade. “Isso apenas acontece se a pessoa não procurar tratamento, porque as fobias são progressivas, cumulativas. Então, o grau desse medo pode se intensificar. Entre os tratamentos possíveis estão a terapia, onde os pacientes vão compreender mais sobre esse medo e aprender a lidar com ele e tratar. Também há a possibilidade de usar medicamentos, com o objetivo de controlar a ansiedade”, avalia. Além disso, ele lembra que as fobias aparecem de forma muito rápida, mas o tratamento para elas é demorado. Então, é necessário que as pessoas que sofrem e as pessoas ao seu entorno compreendam que é um processo e esse medo irracional não será curado do dia para a noite.
Outro esclarecimento importante é que em um momento de crise, há a necessidade de intensificar o tratamento. “É importante também ressaltar que as fobias não são lineares, ou seja, mesmo que a pessoa esteja realizando um tratamento, ela pode sofrer uma crise. E, estando em crise, a resposta principal é intensificar o tratamento e, principalmente, recorrer ao uso de medicamentos sob supervisão médica. Isso porque toda fobia decorre de uma ansiedade e o medicamento colabora exatamente para que as pessoas possam viver uma vida mais tranquila”, diz Alexander.
Para Kleber, as fobias podem e devem ser tratadas por especialistas como psicólogos e/ou psiquiatras, conforme cada caso. “Em saúde mental, não devemos pensar em polarizações extremas e definições totais, mas, sim, em buscar um caminho saudável de equilíbrio. Mesmo que haja uma fobia persistente na vida de uma pessoa, é plenamente possível que mesmo que a fobia não seja extinta por completo, a pessoa possa aprender a conviver com sua dificuldade de forma estável, sem tanto sofrimento e angústia”, enfatiza.
Mas atenção: não é raro escutar pessoas sem conhecimento que falam sobre tratamentos na base do choque, forçando a criança a enfrentar o medo. Jamais faça isso com seu filho, pois vai adicionar mais pânico e revolta à criança. Inclusive, desta forma, o trauma pode se intensificar e gerar diversos outros problemas psicológicos e emocionais nos pequenos. “É extremamente importante ter a compreensão exata de como lidar com as crianças que sofrem com esses medos, exatamente para não aflorar mais ainda traumas futuros”, conclui Bez.
(Colaboração: Alessandra Ceroy)
*PRISCILA CORREIA é jornalista, especializada no segmento materno-infantil. Entusiasta do empreendedorismo materno e da parentalidade positiva, é criadora do Aventuras Maternas, com conteúdo sobre educação infantil, responsabilidade social, saúde na infância, entre outros temas. Instagram:@aventurasmaternas