Antropoceno. Você já ouviu essa palavra? Provavelmente não. Mas seu filho, sim. Ela aparece em livros de Geografia, em debates nas aulas de Ciências e, cada vez mais, nas rodas de conversa sobre o futuro do planeta. O termo define uma nova era geológica em que o ser humano se tornou a principal força de transformação — e, infelizmente, de destruição — da Terra. Poluição, desmatamento, mudanças climáticas, perda de biodiversidade: tudo isso tem uma origem comum. Nós.
Mas se somos parte do problema, também podemos (e precisamos) ser parte da solução. E é nas escolas que essa virada de chave começa, seja por iniciativa das próprias instituições, por ideias dos alunos e por projetos que algumas empresas levam pra dentro dos centro de ensino.
Coleta de tampinhas para projetos sociais, hortas escolares, plantio de árvores nativas, oficinas de reciclagem, mutirões de limpeza, campanhas de economia de água e energia… As ideias são muitas e, muitas vezes, vêm dos próprios estudantes. Inclusive, quando os alunos participam ativamente da construção dessas ações, vão além do aprendizado sobre sustentabilidade. Eles vivem a ideia, são protagonistas de pequenas transformações que, somadas, fazem toda a diferença.
Entretanto, mais do que apoiar boas ideias, a escola precisa ser um exemplo prático. Como está o consumo de papel na secretaria? Há coleta seletiva nos corredores? A climatização das salas é eficiente ou exagerada? Os filtros de água usam copos de plástico ou a escola estimula o uso da garrafinha? Transformar a própria estrutura e rotina é uma das maneiras mais poderosas de ensinar pelo exemplo. Afinal, quando a escola adota atitudes sustentáveis no dia a dia, mostra aos alunos que cuidar do planeta não é um conteúdo escolar é uma postura diante da vida.
Sustentabilidade nas escolas não é (nem deve ser) apenas decorar conteúdos sobre sustentabilidade para uma prova, como saber as lixeiras corretas para cada tipo de resíduo. O que está em jogo é a formação de uma nova mentalidade: a de cidadãos conscientes de que cada escolha impacta o planeta. A boa notícia é que muitas escolas já perceberam seu papel como incubadoras de um futuro mais verde e vêm apostando em ações práticas e criativas para engajar os alunos nessa missão.
Edia Caetano, supervisora de relações internacionais da Rio International School (RIS), conta que a sustentabilidade é um dos eixos transversais do currículo do local. “Integramos temas ambientais nas disciplinas de Ciências, Geografia, Estudos Sociais e também em projetos interdisciplinares, com foco prático e vivencial, especialmente no plantio de árvores e na conservação da biodiversidade ao redor da escola”, explica. Ela comenta, ainda, que os projetos geralmente nascem de temas discutidos em aula, mas os alunos são fortemente incentivados a propor suas próprias ideias a partir de problemas que observam em sua comunidade ou na própria escola. “Também oferecemos semanas temáticas, feiras de ciência e oficinas em que o meio ambiente é o foco central. Professores atuam como mentores, ajudando os alunos a transformar ideias em ações concretas”, complementa. Além disso, durante a Feira de ciências que acontece anualmente, os melhores projetos ambientais são apresentados e reconhecidos com certificados, troféus simbólicos e menções especiais. “Mais do que a competição, buscamos valorizar o esforço, a criatividade e o impacto dos projetos”, esclarece.
Já na Escola Lourenço Castanho, todos os projetos bimestrais dialogam com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS da ONU. “A cada bimestre, os alunos pesquisam temas relacionados a um dos ODS, de modo que, ao final do Ensino Fundamental, tenham instrumentos para compreender como os ODS podem ser aplicados no mundo real. São trabalhos em grupo que envolvem temas diversos, que não estão relacionados diretamente a esta ou àquela disciplina, e que têm como objetivo a ampliação do repertório científico e sociocultural dos estudantes, oferecendo ferramentas para que possam compreender melhor as pautas relacionadas à preservação do meio ambiente e, assim, ter ideias inovadoras nesse sentido no seu dia a dia”, comenta Paulo Chagas Dalcheco, orientador educacional dos Anos Finais do Ensino Fundamental. Recentemente, inclusive, a escola recebeu a visita de Rose Borges, fundadora da ONG Juntos pelo Capão, que conversou com todos sobre temas relacionados aos ODS 4 (educação de qualidade) e 11 (cidades e comunidades sustentáveis). “Esse encontro mobilizou os alunos de tal forma que eles próprios decidiram fazer mais uma ação voltada à sustentabilidade. O trabalho que propuseram foi relacionado à economia circular: arrecadar livros que já não são usados para que outras crianças possam aprender com esses materiais. Esse tipo de ação tem um impacto importante no meio ambiente, já que não é necessário produzir novos materiais para atender uma demanda, o que implicaria o gasto de vários recursos naturais”, complementa.
Uma ajuda de fora
Um caminho que tem ganhado força é a aproximação entre escolas e empresas comprometidas com a sustentabilidade. Algumas organizações já desenvolvem projetos educativos dentro do ambiente escolar: instalação de painéis solares, doação de composteiras, oficinas sobre economia circular, programas de reflorestamento com envolvimento dos alunos. Essas parcerias ampliam o alcance das ações e reforçam, para as crianças e adolescentes, que sustentabilidade não é discurso de sala de aula — é prática real, urgente e coletiva.
A empresa de cosméticos Ecosmetics, por exemplo, apoia o Programa Arboretum, que atua na restauração florestal no extremo sul da Bahia e norte do Espirito Santo, com foco na Mata Atlântica, e, dentre as ações realizadas, há atividades de educação ambiental em escolas da região. “Realizamos oficinas diversas, como viveiro educativo, trilha na floresta e jardim sensitivo, abordando a biodiversidade e a importância das florestas e dos recursos naturais. Também realizamos atividades em escolas rurais nas comunidades onde temos projeto de restauração. Essas atividades envolvem formação de professores em educação ambiental e oficinas temáticas com os alunos, que acabam levando esse conhecimento e a conscientização para suas casas e familiares. Além disso, recebemos escolas na nossa Base Florestal do Programa por meio de agendamento das próprias escolas ou das Secretarias de Educação”, conta Catia Hansel, que é a Coordenadora Socioambiental do Arboretum. Ela fala, ainda, sobre os impactos dessa ação: “Muitas vezes, no meio do processo, surgem iniciativas de atividades vindo dos próprios alunos, pois a gente estimula isso. Por exemplo, em uma escola rural aqui de Teixeira de Freitas, alunos quiseram fazer entrevistas com a comunidade para saber como eram os rios antigamente e entender os processos socioambientais da sua localidade.
Laís Caldas, engenheira ambiental e coordenadora do “Coletar para Transformar”, projeto realizado pela ADN Bio, que tem mobilizado crianças e comunidades inteiras para a importância da reciclagem do óleo vegetal residual (OVR), conta que, em 2024, foram coletados 473.964,5 litros, resultado do engajamento coletivo e da participação ativa das instituições de ensino. “Atualmente, mais de 200 escolas, especialmente de cidades do interior paulista, estão envolvidas na iniciativa, contribuindo diretamente para a educação ambiental e a transformação sustentável em suas regiões. Esses locais passam a atuar como pontos de coleta, recebendo o óleo usado, devidamente armazenado em garrafas plásticas bem fechadas, que depois serão coletados pelo projeto. Além de disponibilizar um local adequado para esse descarte, as escolas também desenvolvem ações de conscientização ambiental junto aos alunos, familiares e comunidade, estimulando a participação de todos no cuidado com o meio ambiente. Mais do que a quantidade de óleo coletada, o impacto mais significativo é a mudança de comportamento que se estabelece. Esses estudantes se tornam verdadeiros multiplicadores da consciência ambiental, levando informação para dentro de suas casas, orientando pais, avós e vizinhos sobre o descarte correto. Isso mostra que a educação ambiental, quando aliada à prática, tem um poder transformador real e duradouro”, avalia. E continua: “Também realizamos palestras e oferecemos material complementar de apoio, desenvolvido especialmente para auxiliar os professores no trabalho de educação ambiental em sala de aula. Esses materiais contêm informações, atividades e conteúdos que ajudam a reforçar os conceitos de sustentabilidade, logística reversa e preservação do meio ambiente, tornando o aprendizado mais dinâmico, prático e significativo”.
Outro trabalho aplicado em escolas públicas é o Soul Plástico, fundado por Rui Katsuno. A ideia de desenvolver um projeto voltado à reciclagem surgiu a partir de uma palestra que ele proferiu na ETEC Mairiporã, onde uma aluna solicitou ajuda para aumentar o valor das tampinhas coletadas por eles em um curso de logística reversa. “Elas seriam vendidas para organizar uma pequena comemoração no final do ano. Sensibilizado com a situação, desenvolvi um conjunto de máquinas que elevaram o valor do item de R$3,00 por kg para R$1.000,00 por kg”, comenta. Hoje, a parceria com as escolas envolve palestras sobre economia circular e ressignificação do material plástico e a retirada do material que é arrecadado nesses locais pelos estudantes (tampinhas de garrafas, marmitinhas, copos e outros objetos feitos em Polipropileno (PP) e Polietileno (PE), que se tornarão galões de materiais de limpeza, entre outros produtos). Vale lembrar, ainda, que os valores arrecadados com o que as escolas juntam são convertidos em dinheiro para pagar a formatura desses jovens. Durante a entrevista, Rui lembrou de uma experiência marcante que o projeto pode proporcionar na vida de alguns desses alunos. “Há algum tempo, levamos 300 alunos da ETEC Mairiporã para a Feira do Plástico, com o objetivo de apresentar-lhes esse universo, e foi extremamente gratificante vê-los em um ambiente completamente novo para a maioria deles. Muitos nunca haviam saído do município e puderam vivenciar a experiência de participar da 5ª maior feira do mundo no setor de plástico. Por lá, os alunos apresentaram o projeto no nosso stand e demonstraram, na prática, a reciclagem, impactando a todos os presentes”.
Quanto às escolas entrevistadas, no RIS, por exemplo, há parcerias com ONGs ambientais locais, viveiros de mudas e órgãos públicos de conservação. “Também realizamos eventos abertos à comunidade, como dias de plantio colaborativo, e buscamos apoio de empresas para doações de materiais, ferramentas e patrocínio de projetos. Essa rede amplia o impacto das ações e permite maior integração entre escola e sociedade”, diz Edia. Já na Lourenço Castanho, há algumas parcerias fixas e outras eventuais. “A coleta de resíduos sólidos, por exemplo, é feita por uma empresa com foco em reciclagem e sustentabilidade. Há também parcerias eventuais, como a campanha de coleta de tampinhas de garrafa pet, as quais são recicladas e transformadas em brinquedos, móveis e outros objetos de uso cotidiano. Desde o ano passado, também somos parceiros do MASP, e este ano, o foco das exposições desse museu é a sustentabilidade. Com isso, conseguimos transformar o tema da sustentabilidade em algo palpável e cotidiano em nossa rotina de trabalho”, exemplifica Paulo Chagas.
ONEE: aprendendo a usar energia com consciência
Uma iniciativa diferente que ensina pela educação é a Olimpíada Nacional de Eficiência Energética (ONEE), promovida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) em parceria com distribuidoras de energia de todo o país. Voltada para estudantes do 8º e 9º anos do Ensino Fundamental, a ONEE busca formar uma geração de consumidores conscientes por meio de desafios e provas que abordam o uso eficiente e seguro da energia elétrica.
Além das competições, a olimpíada oferece cursos gratuitos para professores e alunos, abordando temas como fontes de energia, consumo consciente e sustentabilidade. Os participantes aprendem na prática como pequenas mudanças nos hábitos diários podem resultar em economia de energia e redução dos impactos ambientais. “Entendi com a ONEE sobre a importância de manter os aparelhos desligados da tomada quando não estão em uso, de evitar o stand-by, que continua consumindo energia mesmo com tudo aparentemente desligado. É preciso também saber usar a luz natural da melhor forma possível, abrindo cortinas e planejando os horários em que a casa pode ser iluminada sem precisar de lâmpadas acesas. Aprendi, ainda, a interpretar a conta de luz da minha casa, a entender o que realmente consome mais e como posso economizar. Descobri que é possível escolher eletrodomésticos com o selo Procel e com classificações A, que são mais eficientes, e até a entender a potência ideal de um ar-condicionado para o tamanho do cômodo, sem gastar energia à toa”, explica Theo Correia, de 13 anos, medalhista de ouro na ONEE 2024, que complementa: “Visualizar o impacto ambiental do consumo exagerado e como isso está relacionado à emissão de gases do efeito estufa é fundamental. Por fim, aprendi que mudar hábitos em casa pode inspirar toda a minha família a fazer o mesmo e isso, sim, é transformar o mundo a partir de pequenas atitudes”, conclui.
Direto ao ponto
Se estamos mesmo vivendo o Antropoceno, é porque chegamos a um ponto crítico da nossa relação com a Terra. Mas a boa notícia é que ainda dá tempo de mudar de rumo. E talvez, no futuro, os livros de Geografia contem que foi nas escolas do presente que surgiu uma nova geração: de adultos que, desde cedo, aprenderam que cuidar do planeta é cuidar de si mesmos.
A seguir, Edia Caetano e Paulo Chagas Dalcheco falam sobre o assunto.
Aventuras Maternas – Vocês percebem mudanças no comportamento dos alunos após esse tipo de projeto?
Edia Caetano – Sim, de forma clara. Os alunos se tornam mais conscientes, responsáveis e proativos. Muitos passam a influenciar hábitos sustentáveis em casa e em seu círculo social. Também observamos um aumento no interesse por carreiras ligadas ao meio ambiente, ciência e serviço comunitário.
Paulo Chagas Dalcheco – Certamente há mudanças importantes no comportamento dos alunos após realizarmos projetos realmente significativos. Instala-se entre os alunos um clima positivo de cuidado. Eles passam a cuidar melhor das pessoas de seu convívio e dos espaços escolares. Os amigos avisam os outros sobre a importância de recolherem seus resíduos após o lanche, e também trazem essas experiências de maneira mais concreta em suas reflexões e produções de textos.
Aventuras Maternas – Vocês consideram que a sustentabilidade está presente também na gestão da escola (ex: uso de papel, energia, reciclagem interna)?
Paulo Chagas Dalcheco – Sim, existe uma preocupação da gestão escolar em relação à sustentabilidade. Os elevadores da Escola têm uma programação inteligente, para economizarem energia, os resíduos sólidos coletados são separados e descartados de forma consciente em parceria com uma empresa especializada em reciclagem desse tipo de material, em todo o prédio temos apenas três impressoras e apenas alguns funcionários podem usá-las, os objetos e materiais perdidos por alunos e não reclamados são doados ao final de cada semestre para instituições de caridade, há também uma preocupação com a sustentabilidade em eventos como a Mostra Cultural ou a Festa Junina, etc. São muitas ações que visam à sustentabilidade e trabalhamos para ampliar cada vez mais a mentalidade sustentável entre a comunidade escolar.
Aventuras Maternas – Como a família é chamada a participar dessas iniciativas?
Edia Caetano – As famílias são envolvidas desde o planejamento até a execução dos projetos. Convidamos pais para participar de plantios, feiras e eventos educativos. Também enviamos comunicados com dicas práticas para aplicar em casa, fortalecendo o vínculo entre escola, aluno e família no cuidado com o meio ambiente.
Aventuras Maternas – Que conselhos dariam a outras escolas que desejam começar a trabalhar sustentabilidade com seus alunos?
Edia Caetano – Comecem com pequenas ações e envolvam toda a comunidade escolar. Aproveitem o entorno e os recursos locais para criar experiências significativas. É importante integrar o tema ao currículo de forma prática e constante. E, acima de tudo, estimulem os alunos a se tornarem protagonistas das ações. A educação ambiental se fortalece quando é vivida, não apenas ensinada.
Paulo Chagas Dalcheco – Uma boa maneira de começar o trabalho com a sustentabilidade é olhar para a realidade mais próxima ao espaço escolar e à comunidade escolar. Não é preciso ir muito longe para enxergar possibilidades de trabalho pedagógico significativo com cada um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS estabelecidos pela ONU. É importante estabelecer conexões com o mundo real e procurar formas de tornar o trabalho significativo para os alunos. Os ODS têm que estar no DNA do currículo escolar, precisam ser mobilizados por todas as disciplinas, têm que se tornar objeto de estudo, de avaliação e, principalmente, de aplicação prática no cotidiano dos alunos.