Vamos imaginar uma cena bem comum entre as mães: um banheiro de porta fechada. Do lado de fora, crianças chamando, batendo, agitando a maçaneta ou até passando as mãozinhas pela fresta logo acima do chão. Do outro, uma mulher exausta, se permitindo mais alguns minutos lá dentro, muitas vezes apoiada na pia ou sentada, para mexer no celular, ler um livro ou olhar para as paredes e fugir da rotina frenética tão comum à maternidade.
Agora, me diga: você acha que esta ida ao banheiro é autocuidado? Ou para você só é possível se cuidar fazendo as unhas, mantendo os cabelos alinhados e a rotina de exercícios em dia? Eu acredito que possa ser visto das duas formas – embora, atualmente, uma fuga ao cômodo mais íntimo da casa seja a opção mais prática.
Muito usado no mundo materno, especialmente depois do início da pandemia, o esse termo é carregado de significados, que vão muito além da preocupação com a mente e o corpo. O autocuidado também nos faz ter a consciência de que não somos e nem precisamos ser perfeitas, que não temos que segurar todos os pesos do mundo e que ninguém precisa ser a Mulher Maravilha (que, diga-se de passagem, não sabe o que é equilibrar a vida profissional e pessoal quando se tem filhos).
Para a psicóloga Cristine Lima dos Santos, quando a mãe esquece de si e não reserva um tempo para ela, pode haver um desequilíbrio emocional, levando ao estresse, oscilações de humor, irritabilidade, insônia, ansiedade e até depressão. “Mente e corpo estão diretamente ligados, ou seja, quando um não está bem, consequentemente, outro é afetado. Da mesma forma, enquanto apenas as obrigações ficam em primeiro lugar e a satisfação pessoal não é considerada, a tendência é a frustração”, avalia.
A pergunta que devemos fazer para nós mesmas é: o que me faz feliz no meu momento comigo? Reservar um tempo para fazermos o que quisermos, sem a interferência de ninguém, deveria fazer parte da nossa rotina. “Afinal, se há obrigações todos os dias, por que o momento de prazer não pode ser todos os dias também? A mulher pode, e deve, ter um espaço só para ela. Isso não significa que os filhos deixarão de fazer parte de sua vida, apenas que poderão participar de outros períodos”, pontua a especialista.
SEJA GENTIL COM VOCÊ!
Adriana Drulla, mestre em Psicologia Positiva e autora do estudo “Transmissão Intergeracional da Autocompaixão”, ressalta que um dos fatores mais importantes para manter o cuidado feminino depois da maternidade é aprender a cuidar do nosso diálogo interno e das cobranças excessivas com mais gentileza. Para ela, aprender autocompaixão é uma forma de se cuidar.
“As expectativas são inatingíveis e os valores incoerentes. Logo, é impossível se adequar. O paradigma vigente da maternidade diz que a boa mãe é aquela que se doa completamente em termos físicos, emocionais, psicológicos e intelectuais. O julgamento social a respeito da maternidade alheia, o excesso de informações, conselhos e boas práticas aprisionam as mulheres a padrões impossíveis que inevitavelmente geram culpa, frustração, exaustão e raiva”, diz.
E por ser um tema tão profundo, vamos abordar o autocuidado na teoria e na prática, da mente ao corpo, tanto nesta coluna quanto na próxima. Portanto, para começar, precisamos saber o motivo de isto ser tão importante e como podemos acessar nosso interior de forma positiva para conquistar o bem-estar e a tão necessária saúde mental.
NECESSIDADES MAIS PROFUNDAS E A PANDEMIA
Adriana Lima prepara um shot diário para a imunidade. (Crédito: Arquivo pessoal)
No último ano, o isolamento trouxe à tona a necessidade de encontrar soluções para manter o bem-estar das mães diante do aumento da carga na jornada diária, que passou a incluir filhos em casa em tempo integral, aulas online, trabalho remoto e tarefas domésticas acumuladas. Além disso, esse tempo trouxe também a oportunidade de criar um debate e compartilhar coletivamente um problema que sempre existiu: mães precisam de tempo para cuidar da saúde mental.
“O isolamento serviu para que a gente reavaliasse nossas reais necessidades. Eu sempre trabalhei com estética, mas confesso que estava deixando de lado os cuidados comigo. Muito porque faltava tempo. Mas consegui reavaliar e estabeleci dentro da minha rotina alguns cuidados”, conta a empresária Adriana Lima, mãe de Ane, 10 anos. Ela conta que hoje, ao acordar, começa o dia tomando seu shot para imunidade, que ela mesma faz, além de vitaminas e probióticos.
“Também tiro um tempo para me energizar. Fico ao lado das minhas plantas, mentalizo coisas boas, respiro fundo, medito e alivio meus pensamentos. Faço isso todas as manhãs. Eu gosto desse momento de cuidar das minhas plantas, aprendi muito com esse hobby na pandemia. À noite, eu tenho a minha hora de beleza: limpo minha pele, hidrato, passo os meus produtos. Esse tempo é sagrado para mim”, conta, antes de ressaltar que ainda aproveita todas as manhãs e noites para refletir, respirar fundo e agradecer.
MÃES AUTOCOMPASSIVAS SE SENTEM MAIS COMPETENTES
Quem nunca ouviu o ditado dizendo que, quando nasce um filho, nasce a culpa? Embora seja um sentimento muito reforçado no universo materno, a verdade é que, embora desconfortável, às vezes a culpa cumpre uma função importante para o funcionamento humano: o de sentir vontade de reparar erros. Entretanto, no dia a dia, se não tomarmos cuidado com o excesso de responsabilidade que assumimos em cima do que não acontece como queremos, corremos o sério risco de nunca nos sentirmos de acordo com as nossas expectativas. E é por isso que ter autocompaixão é tão importante para a mãe – e também para seus filhos.
Adriana Drulla conta que em sua pesquisa, feita nos Estados Unidos com 246 pares de mães e filhos, descobriu que mães autocompassivas têm filhos com o mesmo sentimento, e se sentem mais competentes no seu papel de mãe. “A autocompaixão envolve a capacidade de fornecer suporte emocional a si mesmo, enfrentando desafios e adversidades com maior perspectiva e com a compreensão de que as dificuldades são comuns a todas as pessoas”, explica.
Segundo a especialista, essas mães são mais propensas a se perdoarem quando cometem erros, em vez de vê-los como uma indicação de incompetência ou inferioridade. “Isso estimula que elas sigam em frente, tenham menos medo de errar e maior facilidade para persistir e tentar novos caminhos”, afirma. Ou seja, ajuda a olhar para as dificuldades com realismo e não com lentes de aumento. É sobre adotar uma postura gentil com relação a si mesma, seja com um banho demorado, seja pedindo ajuda para poder relaxar um pouco.
Outra pesquisa, dessa vez feita na Holanda com 900 pares de mães, pais e filhos, mediu vários comportamentos parentais importantes, como a qualidade da escuta, compaixão pelos filhos e a consciência sobre as emoções das crianças, além de como os pais julgavam a própria atuação nos seus papéis. “Destes aspectos, a aceitação parental foi o fator mais fortemente associado a menores níveis de depressão e ansiedade nas crianças. Quer dizer, aceitar nossas imperfeições com naturalidade e abrir mão das expectativas irrealistas, é importante para a resiliência emocional dos nossos filhos”, complementa Drulla.
AUTOCONTROLE TAMBÉM É IMPORTANTE
No lado oposto da culpa, existe a compulsão por se presentear. Já parou para observar isso? Embora, apreciar aquele doce sozinha na sala, depois que os filhos vão dormir, ou comprar aquele vestido, que nem sabemos quando será usado, sejam formas de autocuidar, é preciso moderação para não confundir autocompaixao com descontrole.
Fernanda Gazal, especialista em consultoria de imagem, diz que é muito natural que a gente se sinta ansiosa ou angustiada quando está passando por um momento difícil. E é exatamente aí que buscamos recompensas, algum tipo de alegria ou mimo ou algo que vá preencher o vazio e a angústia momentânea que estamos sentindo. Mas é preciso cuidado. Ela indica fazer duas listas de compras como dica infalível para lidar com esta situação.
“A primeira com tudo que gostaria, das pequenas até as maiores, das mais baratinhas até aquelas mais caras, de coisas no seu dia a dia que você vai vendo e que gostaria de ter. Anote tudo e todos os detalhes dessas peças. Isso vai te ajudar a ter uma clareza muito maior das coisas que realmente precisa, para que, quando for fazer compras, gaste no que precisa de verdade e não simplesmente em comprar por impulso, que é o que acabamos fazendo”, explica.
Já a outra lista é com coisas que gostaríamos de fazer e viver, como ir ao cinema, sair para passear em um parque, comer em um determinado restaurante, ir em algum café que sempre quis ou fazer uma aula de dança, por exemplo. “Inclua tudo o que gosta de fazer e que, quando faz, traz alegria e preenche a sua alma. Então, nas horas de estresse e desânimo que costumam te leva a gastar por impulso, reveja o que listou, o que realmente quer. Isso vai te ajudar a agir de uma forma mais assertiva, gastando com coisas que, de verdade, fazem sentido para você”, comenta.
Além do controle com o consumo, Fernanda lembra ainda que nem todas as ações de autocuidado precisam envolver investimento financeiro. “Você pode convidar alguma amiga sua para passear em um parque bem arejado para colocar o papo em dia (com máscara), fazer uma aula experimental online e gratuita, cozinhar um prato novo etc. Novas experiências fazem um bem enorme para a mente e são também uma forma de cuidado”, conclui.
10 DICAS PARA TRANSFORMAR AUTOCUIDADO EM PRÁTICA
Mães autocompassivas estimulam a gentileza em seus filhos. (Crédito: Arquivo pessoal)
Uma pesquisa realizada nos países mais ricos do mundo apontou uma influência direta da crise gerada pela pandemia na saúde mental das mulheres. O levantamento “Women´s Forum”, feito pela Consultoria Ipsos, constatou que mulheres têm sido mais afetadas do que os homens por esgotamento, medo e sensações de desamparo na Alemanha, Canadá, Estados Unidos, Reino Unido, Japão, Itália e França.
O resultado da pesquisa não surpreende, segundo a professora Daniela Jungles, psicóloga e supervisora do Serviço-Escola de Psicologia do UniCuritiba. “As mulheres sofrem muito mais de transtornos mentais. Isso já acontecia antes, mas a pandemia exacerbou esses comportamentos e transtornos que nós infelizmente já carregávamos antes dessa crise”, afirma.
Mas existe maneira de reagir. A psicóloga orienta que, em primeiro lugar, precisamos ter consciência de que não vamos conseguir fazer tudo, pois não temos superpoderes. Outra sugestão é procurar se cercar de pessoas que possam ajudar de alguma forma a aliviar a carga de trabalho.
A seguir, Jungles dá dicas para as mães manterem o autocuidado mesmo com o isolamento.
1) Converse com outras mães! Faz muito bem descobrir que elas também estão experimentando ou já experimentaram a mesma desilusão e desafios em relação à maternidade. Ter pensamentos negativos sobre seu filho, a vontade de sumir ou de nunca ter tido filhos gera muita culpa, e se não temos com quem conversar, desabafar e nos apoiar, a única representação que temos é a da mãe perfeita com a qual fantasiamos. Nos sentimos péssimas mãe, quando pensamos sobre as mazelas da maternidade, sem nos dar conta que todas as mães passam por esse tipo de pensamento em alguns momentos.
2) Aceite ajuda e delegue as tarefas de casa! Embora possa ser difícil abrir mão do controle, é importante fazer isso por uma questão de equilíbrio mental. Se houver tarefas que outro membro da família possa realizar, fique à vontade para pedir ajuda ou atribuí-las a outra pessoa.
3) Aprenda a dizer “NÃO”! Você não pode fazer tudo. As mães têm dificuldade em dizer “não”, principalmente para as demandas dos filhos, mas às vezes é absolutamente necessário. Dizer “não” sem culpa leva tempo, mas é um exercício que precisamos fazer, pois uma mãe esgotada e sem energia é uma mãe mais irritada, sem paciência e infeliz.
4) Cultive diariamente uma atividade que você ama e que faz você se sentir bem! Leitura, pintura, música, escrita, culinária, jardinagem, yoga, atividade física, programa de TV etc. O importante é tirar um momento do dia para fazer algo que você gosta. Lembre-se de que, fazendo o bem a si mesma, você faz o bem aos que te rodeiam neste momento, pois só podemos dar aos outros aquilo que temos dentro de nós.
5) Tente fazer exercícios e comer de forma saudável! Sempre que for possível, não hesite em dançar e cantar, pois essas atividades simples liberam hormônios que nos dão uma sensação de felicidade e bem-estar.
6) Cultive a compaixão por si mesma! Se está cansada, apenas pare. Deixe a louça do jantar para o outro dia ou uma questão do trabalho para depois. Por mais que possa parecer difícil fazer isso, cultivar amor por si própria e estar atenda às suas necessidades é um dos caminhos para felicidade e bem-estar.
7) Faça um pequeno diário! Relembre e anote três momentos agradáveis do seu dia. Seja o sabor do café, a risada gostosa do filho ou a leitura de um bom livro. Quando escrevemos, revivemos aquele momento e isso ajuda a cultivar o otimismo mesmo em dias tão sombrios como os que estamos vivendo.
8) Esqueça o estereótipo de “super mãe”! Nós não temos super poderes e não somos feitas de ferro. Se você passa muito tempo trabalhando, pode achar que não está atendendo bem as necessidades de sua família. Se seu filho precisa de um pouco mais de atenção, você pode sentir que está negligenciando seu trabalho. Viver achando que precisamos dar o nosso melhor em todas as áreas da nossa vida é uma receita para a exaustão. Lembre-se de que, principalmente agora, não é o momento de ser a mãe perfeita, pois o dano emocional em você poderá ser muito maior.
9) Diminua o tempo gasto nas redes sociais! Também desista de seguir a lógica perversa desse tipo de mídia e de acreditar em falsos ideais. Comparar-se com a mãe influencer digital ou celebridade fazendo uma série de atividades prazerosas em família e que ainda tem tempo para cuidar do corpo e fazer receitas de comidinhas saudáveis é depressogênico.
10) Cuide da sua saúde mental e não hesite em procurar ajuda profissional! Nas instruções de segurança do avião, somos orientados a colocar nossas máscaras de oxigênio antes de cuidar dos outros e a orientação quando falamos de saúde mental, a premissa é a mesma: cuide-se primeiro.
(Colaborou: Alessandra Ceroy)
*PRISCILA CORREIA é jornalista, especializada no segmento materno-infantil. Entusiasta do empreendedorismo materno e da parentalidade positiva, é criadora do Aventuras Maternas, com conteúdo sobre educação infantil, responsabilidade social, saúde na infância, entre outros temas. Instagram:@aventurasmaternas