Nos últimos meses, o Brasil voltou a discutir o que significa ter um emprego estável. Embora muitas pessoas tenham buscado o empreendedorismo como alternativa, um novo movimento chama atenção: cada vez mais trabalhadores desejam retornar à CLT. De acordo com pesquisas citadas, esse retorno não representa fracasso de quem decidiu abrir um negócio, mas revela, acima de tudo, limites estruturais do país. De acordo com Taciela Cordeiro Cylleno, Juíza Federal do Trabalho há quase 15 anos, titular da 9ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, esse desejo reflete o impacto direto de uma economia instável, que ainda oscila entre avanços tecnológicos e desigualdades persistentes.
Taciela lembra que esses dados precisam ser lidos com cuidado. Ainda que o número de brasileiros que tentaram um negócio próprio tenha crescido, muitos deles enfrentam obstáculos que vão muito além de força de vontade ou capacidade de inovar. Portanto, a discussão sobre o mercado de trabalho atual exige uma análise mais profunda e sensível às diferentes realidades.
Empreendedorismo e autonomia: quando a escolha vira necessidade
No universo do empreendedorismo, especialmente no chamado capitalismo de plataforma, a promessa de liberdade atrai milhões. Hoje, o Brasil é o país com maior número de motoristas cadastrados na Uber no mundo: cerca de 1,4 milhão. Segundo a empresa, mais de 5 milhões de brasileiros já geraram renda na plataforma. Esses números revelam uma força de trabalho expressiva, que se apoia no trabalho autônomo para garantir o sustento.
“A maioria dos trabalhadores que migra da CLT para o empreendedorismo o faz por necessidade, não por convicção ou oportunidade”, pontua Taciela. São trabalhadores que, em geral, recebiam baixos salários no emprego formal e viram no trabalhar por conta uma forma de continuar pagando as contas.
Contudo, essa transição raramente se traduz em ascensão social ou estabilidade financeira. Embora muitos busquem autonomia, esse desejo esbarra nas dificuldades de um ambiente competitivo e pouco acolhedor.
Somado a isso, o índice de analfabetismo funcional no país permanece em 29% da população entre 15 e 64 anos. “Quase um terço dos adultos tem dificuldade relevante para interpretar textos simples, planejar finanças, elaborar contratos ou tomar decisões essenciais para gerir um pequeno negócio. Autonomia exige preparo e essa é uma condição que não pode ser ignorada”, reforça. Ou seja, sem preparo adequado, a autonomia se fragiliza — e isso afeta diretamente quem tenta construir renda fora da carteira assinada.

CLT, segurança e desafios educacionais no mercado de trabalho
Retornar à CLT não significa buscar uma solução mágica. A juíza explica que o vínculo formal, por si só, não garante estabilidade para quem não teve acesso a uma educação sólida. Ainda mais agora, quando o mercado de trabalho passa por rápidas transformações impulsionadas pela tecnologia e pela inteligência artificial. A carteira assinada, portanto, oferece proteção importante, mas não resolve, sozinha, as desigualdades de formação.
Além disso, o país registrou, em 2024, o menor índice de desemprego da série histórica do IBGE. Apesar disso, Taciela alerta que esse dado pode levar a interpretações equivocadas. A taxa considera apenas quem está buscando emprego formal; logo, ela também diminui quando cresce o número de pessoas que migram para o trabalho independente. Isso significa que menos busca por emprego não é, necessariamente, sinal de um mercado formal saudável.
Outro ponto relevante é a diferença entre gerações. “Gerações mais jovens valorizam autonomia, flexibilidade, propósito. Já as anteriores priorizavam previsibilidade e estabilidade. Mas autonomia não se sustenta apenas em desejo, ela depende de condições materiais, sociais e educacionais”, diz. Quando a economia não está favorável, essa diferença de expectativas aparece com mais força.
Caminhos possíveis para equilibrar CLT e empreendedorismo
O movimento de retorno à CLT não representa derrota para o empreendedorismo. Na verdade, ele evidencia o quanto o país ainda precisa avançar para oferecer oportunidades reais a todos. Taciela defende que o fenômeno deve ser entendido como um fato social e não como falha individual. A solução passa por educação consistente, políticas públicas que garantam proteção social e maior facilidade de transição entre autonomia e vínculo formal.
Entre empreender e ter emprego fixo, o ideal seria que cada pessoa pudesse escolher o que faz mais sentido para sua vida — sem medo, instabilidade ou falta de apoio. Assim, construir um ambiente mais justo no mercado de trabalho depende tanto de iniciativas públicas quanto de mudanças na forma como o país enxerga trabalho, renda e desenvolvimento.
“No fim das contas, autonomia real não deveria ser privilégio de poucos. Estabilidade também não deveria ser ilusão para muitos. É nesse ponto que o país precisa avançar”, finaliza.
Resumo: O desejo crescente de retorno à CLT revela as fragilidades estruturais do Brasil, principalmente na educação e nas condições de trabalho. Embora o empreendedorismo tenha crescido, grande parte dos trabalhadores migrou por necessidade, não por oportunidade. Assim, é fundamental criar políticas que equilibrem segurança e autonomia no mercado de trabalho, permitindo escolhas mais justas e sustentáveis.
Leia também:
Como se reinventar no mercado financeiro: áreas em alta para 2026








