“Poderia ter ido atrás de outro emprego, mas achei que iria superar isso. Ao mesmo tempo, eu chorava porque deixava a minha filha pequena, que mamava no peito ainda, em casa com a minha mãe”, conta a especialista em carreiras Raquel de Oliveira Amaral, 43, que sofreu assédio moral após voltar da licença-maternidade.
Já a advogada Jamille*, 25, foi diagnosticada com depressão, ansiedade e síndrome do pânico após ser assediada moralmente por um colega.“Quem me conhece bem sabe o quão sou entusiasmada com a vida e como gosto de motivar as pessoas a minha volta. Sinto que naquele período eu não era a sombra da pessoa que costumava ser.”
O depoimento lembra o da bancária, Emily*, 31, que entrou com processo trabalhista por assédio moral e aceitou o acordo proposto pela empresa. “Não tinha vontade nenhuma de ir ao trabalho e de fazer mais nada. Perdi a motivação de viver. Foi quando colegas ao meu redor, que já tinham passado por isso, e outros que estavam passando pelo mesmo, me disseram que era bom eu procurar ajuda psicológica”, lembra.
A ideia desta reportagem começou há algumas semanas, quando publiquei “Uma carta aberta para os meus ex-empregadores”. Nela, decidi desabafar e abrir os olhos de outras pessoas sobre o assédio moral no trabalho. Infelizmente, situações do tipo ainda fazem parte do mundo corporativo e geram traumas, afetando a saúde mental e provocando o surgimento de doenças, tais como depressão, transtorno de ansiedade, síndrome de burnout e do pânico, entre outras.
NA MESMA
Uma pesquisa relativamente antiga, realizada em 2015 pelo site Vagas.com, já apontava que pouco mais da metade dos entrevistados sofria algum tipo de assédio no trabalho, sendo que a maioria (87%) não fez nenhuma denúncia, principalmente por conta do medo de perder o emprego. Mas em pleno 2020, o que mudou?
Além de ainda existirem muitos casos, segundo o IPCR (Instituto de Pesquisa do Risco Comportamental), mais da metade dos profissionais brasileiros aceita esse tipo de violência, se omitindo ao não denunciar o que vivenciou ou o que testemunhou.
Para o advogado e consultor jurídico, Vinicius Lima Marques, especialista em direito e processo do trabalho, isso reforça o fato de que muitas organizações não estão preparadas para tratar tais questões.
Basicamente, por não compreenderem que o assédio moral existe e que essa visão negativista influencia a própria cultura da empresa e em como os colaboradores tratam o assunto. “Na grande maioria dos casos, com um bom trabalho de compliance trabalhista, orientações e reuniões com os gestores e colaboradores essas situações podem ser evitadas”, alerta.
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EFEITOS NA SAÚDE MENTAL E FÍSICA
Você já duvidou das suas qualidades profissionais, mesmo sendo o tipo que sempre se dedicou aos assuntos profissionais? É esse o efeito que o agressor causa na vítima, que passa a questionar a sua capacidade, contribuindo para uma baixa autoestima.
A psicóloga Leila Sleiman atende diversos pacientes com dificuldades associadas ao assédio moral no trabalho. “O que deveria ser uma fonte de renda e satisfação (quando possível), se torna motivo de angústia, constrangimentos e desqualificações”, ressalta.
Além disso, segundo ela, esse tipo de violência pode se agravar e evoluir para quadros de transtornos de ansiedade, depressão, distúrbios do sono, transtorno de estresse pós-traumático, síndrome do pânico, entre outras patologias.
Entre as personagens que cito no início desta reportagem, Raquel Oliveira sofreu a humilhação de ser rebaixada de cargo e função logo após voltar de licença-maternidade. Antes de engravidar, ela era responsável pela filial de uma empresa multinacional. Ao voltar ao trabalho, além de perder a liderança de sua equipe, simplesmente não tinha mais mesa e nem computador. “Inventaram uma função para eu ter o que fazer, era o pior serviço que tinha. Só para eu pedir a conta mesmo”, lembra.
Foram necessários dois anos para Raquel melhorar de um quadro de depressão, após muitos antidepressivos, terapia e apoio da religião. E os sintomas também foram físicos: ela sentia dores de cabeça, teve disfunção da ATM (Articulação Temporomandibular) e já chegou a perder a voz por uma semana.
Já a advogada Jamille* foi diagnosticada com depressão, ansiedade e síndrome do pânico. “Só de entrar no ambiente sentia muita falta de ar, muita tristeza e estresse. Quando chegava em casa não queria fazer nada, falar era um esforço extremo, no trabalho meu cérebro parecia que não funcionava da mesma maneira”, relata.
O ambiente estressante em que a bancária Emily* trabalhava também trouxe efeitos físicos. “Sentia palpitações, parecia que estava enfartando. Tremia. Tinha enjoos. Formigamentos constantes, onde cheguei a travar ao ponto de não conseguir mexer as mãos. Insônia. Sempre cansada, desanimada. Dores de cabeça”, comenta. Também diagnosticada com síndrome do pânico, ela teve acompanhamento psicológico e psiquiátrico.
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SERÁ QUE ESTÁ ACONTECENDO COMIGO?
Se você sentir esses sintomas, fique alerta!
Irritação excessiva;
- Intolerância nas suas relações familiares e pessoais;
- Autoestima abalada;
- Dificuldade de manter compromissos pessoais;
- Antes de ir trabalhar, ou quando pensa nisso, sente grande desconforto, tem formigamento, dor de cabeça, taquicardia, falta de ar, náusea, diarreia, alergia, etc.
QUEDA NOS PROCESSOS TRABALHISTAS
O cenário jurídico, quando se trata de processos trabalhistas, mudou a partir da polêmica Reforma que entrou em vigor no final de 2017. Desde então o colaborador poderá pagar de 5% a 15% dos honorários advocatícios gastos pela empresa (Art. 791-A) processada, além de 2% das custas do processo à União (Art. 789).
Pela lei anterior, o trabalhador não tinha custo com o processo, mesmo se perdesse. Segundo o advogado, Vinicius Lima Marques, com a reforma houve uma alteração, mas há a possibilidade de isenção do pagamento das custas e suspensão do pagamento dos honorários.
De acordo com o Art. 790, caso o funcionário tenha renda igual ou inferior a 40% do teto da previdência social, ou seja, R$ 6.101,06 (valor atual) não terá de pagar as custas para a União e o valor referente aos honorários fica suspenso por até dois anos, caso nada mude, nenhum valor será cobrado depois deste prazo.
O medo de ter que arcar com as despesas é apontada, por alguns advogados, como uma das principais causas da diminuição dos processos trabalhistas. A falta de informação e aprofundamento sobre a lei também pode ser apontado como o causador desse receio. Com relação ao assédio moral, segundo o advogado Gustavo Guarany Godoy, o número de processos também diminuiu. Mas ele acredita que não seja apenas culpa da lei.
“Atualmente, muitas empresas possuem um sistema de compliance – cujo principal objetivo é promover uma cultura empresarial de cumprimento das normas aplicáveis ao negócio, sejam elas de natureza legal ou internas. eficiente, que se transformam nos grandes aliados para a detecção de possíveis assediadores”, comenta.
No entanto, como não é todo lugar que tem esse tipo de cuidado com o bem-estar do funcionário, é preciso saber como resguardar o seu direito. Separei algumas dicas dos especialistas:
- REÚNA PROVAS DO ASSÉDIO: anotar, com detalhes, todas as agressões morais sofridas com data, hora e local, listando os nomes dos que testemunharam os fatos;
- BUSQUE AJUDA DOS COLEGAS: principalmente daqueles que testemunharam o fato ou que já passaram pela mesma situação;
- AVISE: Comunique a situação ao setor responsável, ao superior hierárquico do assediador ou à Ouvidoria (Compliance). Caso não tenha sucesso na denúncia, uma opção é procurar o sindicato profissional ou o órgão representativo de classe, para avaliar a possibilidade de ingressar com ação judicial de reparação de danos morais.
Para finalizar, a psicóloga Leila Sleiman, traz uma dica importante: “Busque o suporte profissional de um psicólogo para que ele te ajude a lidar com o assediador, a pensar em estratégias que funcionem como válvulas de escape saudáveis, e também para te encorajar a denunciar ou, até mesmo, se planejar financeiramente para sair da empresa”.
A empresa onde Jamille* trabalha tem cultura de “levantar a mão”, ou seja, de denunciar o agressor para que ele seja advertido e a vítima tenha apoio, até mesmo psicológico. “Percebi que o que havia passado não faz parte do que minha firma prega e que as pessoas que fizeram isso eram a exceção da exceção. Sou cercada de excelentes profissionais que me mostraram o quanto eu sou uma boa profissional. Já tinha até esquecido disso”, conta.
Não hesite, busque seus direitos, denuncie e, caso necessário, procure ajuda para tratar desse trauma.
* O nome foi trocado a pedido da entrevistada.
Joice Viana, jornalista e fundadora do FLUIRDAMENTE, site que aborda temas como a depressão, ansiedade e outras doenças mentais de forma leve, contando a sua própria experiência com a doença. Site: www.fluirdamente.com.br