Até pouco tempo desconhecida pela maioria de nós, a microcefalia virou assunto recorrente por causa do zika vírus, doença transmitida pelo Aedes aegypti, o mosquito da dengue. Em novembro, o Ministério da Saúde confirmou a relação entre o zika e o aumento de casos de microcefalia em diversos estados, principalmente no Nordeste. O último relatório dá conta de mais de 3,8 mil casos suspeitos associados ao mosquito.
Mas existem outros fatores responsáveis pela anomalia (veja abaixo), causadora de atrasos mentais, problemas de visão e audição e dificuldades motoras. Tudo por causa da má formação do cérebro, que é bem menor do que o de um bebê considerado normal.
Apesar das limitações, se estimulada desde cedo, a criança pode falar, andar, frequentar a escola e até praticar esportes. A seguir, emocionantes relatos de duas mães – uma com duas filhas adolescentes – sobre como receberam a notícia e aprenderam a lidar com os desdobramentos da situação.
O que é
Condição em que o cérebro do bebê é muito menor do que o normal. Isso afeta diretamente o desenvolvimento cerebral e compromete toda a evolução física e intelectual da criança. Dificuldades de locomoção, perda de audição e visão, e atrasos mentais costumam ser comuns. “Tudo depende da pessoa, mas é certo que ela terá alguma deficiência”, afirma Paulo Breinis, neuropediatra do Hospital São Luiz Jabaquara, em São Paulo. A lesão cerebral ocorre em algum momento durante a gestação, principalmente no primeiro e no segundo trimestre, devido a fatores que provocam um processo destrutivo do encéfalo. Não tem cura, mas existem técnicas para melhorar a qualidade de vida do paciente.
Por que acontece
Além do zika, outros fatores podem desencadear a anomalia, como:
➜ Doenças contraídas durante a gestação: rubéola, catapora, toxoplasmose e sífilis
➜ Uso de drogas ou álcool durante a gravidez
➜ Fatores genéticos
Diagnóstico
algum problema ainda no pré-natal. Exames de neuroimagem, como ultrassom morfológico ou ressonância magnética fetal, podem medir o perímetro cefálico. Bebês não prematuros são considerados portadores de microcefalia se nascerem com a circunferência do crânio menor do que 32 cm. Como não tem cura, para viver melhor a criança deve ser acompanhada sempre.
Para uma vida com muito mais qualidade
Com o acompanhamento correto, há mais chances de a criança falar, andar e ser mais independente. “A estimulação precoce faz toda a diferença”, afirma o neurologista. Mas tudo depende do organismo e do estilo de vida de cada um. Infelizmente, na maioria das vezes, a microcefalia é acompanhada de problemas graves, como epilepsia.Os remédios são oferecidos pelo SUS, mas o tratamento com psicólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas é mais completo em instituições de apoio ao deficiente, como a AACD ou a Apae. “É preciso trabalhar para que esses bebês consigam interagir com o meio ambiente e que isso lhes propicie uma evolução no seu desenvolvimento”, diz Oacy Veronesi, terapeuta ocupacional.
“Só quero que meu filho seja amado do jeito que é”
Maria Vitória Ataídes, 18 anos
“Sou mãe do Luiz, de 3 meses. Eu descobri a microcefalia só quando ele nasceu. Foi um choque! A enfermeira disse que meu filho precisaria de uma tomografia e eu não entendi o motivo. Tudo se confirmou na primeira consulta com o neurologista, quando ele tinha 12 dias. Na hora, fiquei desesperada, sem chão. Achei que fosse perder meu filho, já que não conhecia nada sobre a deficiência. O médico explicou que cada criança é uma e não dava para saber se o Luiz iria andar, falar… Tudo vai depender do organismo dele. Eu tive suspeita de zika vírus na gravidez, mas ninguém me alertou sobre isso, já que ainda não se falava sobre a relação da doença com a microcefalia. Fiz o pré-natal direitinho, pelo SUS, mas era difícil ir sempre com o mesmo o perímetro cefálico reduzido, mas não me falaram nada. Agora consigo entender que o fato de ele ser especial não muda nada o meu amor. É claro que a atenção é redobrada, pois desde os 2 meses ele apresenta crises convulsivas. Parei tudo. Adiei meus outros sonhos para ser mãe, porque eu gosto de estar por dentro do tratamento e saber de todas as informações possíveis para cuidar dele. Não me arrependo! Vou com ele ao médico direitinho e daqui a pouco começamos a fisioterapia. Tento não me preocupar com a possibilidade de ele não andar ou ter dificuldades na fala. Meu maior prazer é saber que as pessoas o amam do jeito que ele é! O que importa para mim é que a sociedade não exclua meu filho e trate-o como uma criança normal, um ser humano que merece respeito.”
“O raio caiu duas vezes no mesmo lugar!
Simone Tavares, 40 anos
“Minhas duas filhas têm microcefalia. Patricia, a mais velha, tem 20 anos. Quando engravidei, nem se falava nisso! Fiz o pré-natal, mas ela nasceu com sete meses. Mesmo assim, parecia estar bem e me deram alta. Ela só era bem pequenininha, achei que fosse normal… Um mês depois, numa consulta de rotina, a médica disse que ela tinha microcefalia. Eu, ignorante na época, já fui logo perguntando se tinha remédio pelo SUS. Ela me disse que dificilmente Patricia iria andar ou falar. Entrei em desespero. Fui pra casa sem saber o que fazer e chorei muito. Passado o susto, fui atrás do tratamento. Quando ela completou 8 meses, passamos a frequentar uma instituição para crianças deficientes. Parei a minha vida e passei a me dedicar a ela. Meu marido sempre me deu suporte financeiro e emocional. Ela foi se desenvolvendo normalmente. Falou quando era para falar e andou quando era para andar. A única diferença é que sempre foi pequena e magrinha. Quando ela tinha 6 anos, eu quis engravidar novamente. Perguntei
pra neurologista se poderia acontecer de novo. Ela me disse que era difícil, que um raio não caía duas vezes no mesmo lugar. E não é que caiu? Quando estava grávida de cinco meses, descobri que a Adriana também seria especial. Neste ponto, eu já sabia que a microcefalia não era um bicho de sete cabeças. Desde então, cuido das duas. São 20 anos de luta, terapia, psicologia, fisioterapia e um monte de outras coisas. As duas frequentam a Apae e têm um dia corrido, viu? Ambas frequentam escola normal. Claro que têm um atraso, não sabem ler nem escrever, mesmo assim, adoram mexer no Facebook! Na sala de aula, um professor as auxilia quando precisam, e as matérias são adaptadas ao ritmo delas. Mesmo assim, não é fácil, elas têm crises convulsivas e tomam remédio. Tenho 40 anos e vivo em função das minhas meninas. Depois, descobri que a causa do problema é uma falha na combinação entre o meu material genético e o do meu marido.”
Bebês não prematuros são considerados portadores da má formação quando o crânio tem menos de 32 cm