A ECMO (Oxigenação por Membrana Extracorpórea), conhecida como ‘pulmão artificial‘, vem sendo usada para salvar pacientes graves acometidos pela Covid-19 em todo o mundo. Recentemente, esse termo ficou bastante conhecido após os médicos que cuidaram do humorista Paulo Gustavo usarem a terapia durante o período em que o ator esteve internado. Aparentemente, porém, esta não será uma opção para todos.
Uma portaria nº 1.327/2021, publicada nesta sexta-feira (23) pelo Ministério da Saúde, definiu que a ECMO não terá cobertura do Sistema Único de Saúde (SUS). Para a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do Sistema Único de Saúde (Conitec), que avaliou a proposta, os custos são muito altos e o sistema de saúde público brasileiro ainda não dispõe de unidades suficientes com infraestrutura para a instalação da ECMO. Ou seja: apesar dos benefícios do tratamento, há uma grande dificuldade de ampliar sua cobertura.
Segundo o relatório da Conitec, o plenário destacou que das 30 equipes e centros reconhecidos e cadastrados na ELSO (Extracorporeal Life Support Organization, em inglês), que oferecem o suporte com ECMO, somente nove pertencem ao SUS, sendo que a maior parte deles ficam concentrados em grandes centros da região Sudeste. Desses, apenas dois possuem nível de 30 experiências anteriores com tratamento e certificação ELSO. Na verdade, para obter a certificação, cada um deles precisa ter realizado, no mínimo, cinco procedimentos supervisionados.
Deste modo, eles acreditam que haveria uma diferença no atendimento à população em tratamento no Sistema Único de Saúde por conta da concentração das equipes especializadas em uma única região, dificultando a transferência de pacientes para esses grandes centros.
Sendo assim, para a Conitec, é considerado inviável a criação de novos centros no contexto atual. A comissão ainda alega que apenas uma pequena parcela da população necessitaria do procedimento, fato que contribui para a tomada de decisão, que vetou a cobertura do procedimento no SUS.
RETROCESSO
A cardiologista Marina Pinheiro Rocha Fantini, diretora da ECMO Minas, e a médica intensivista Ana Luiza Valle Martins, diretora clínica do mesmo local, avaliam que essa decisão representa um retrocesso para o processo de democratização do acesso ao tratamento pela população brasileira. Além disso, ambas acreditam que isso poderá impactar diretamente na redução do número de vidas salvas durante a pandemia.
“A ECMO é uma terapia usada há mais de 40 anos no mundo e que se popularizou com o seu uso no tratamento de doentes por Covid-19. Mesmo não sendo para todos os pacientes acometidos pela doença, por se tratar de um procedimento complexo e que envolve riscos, o equipamento dá suporte à função pulmonar enquanto a doença é enfrentada”, explica Marina.
Ana Luiza destaca um ponto importante e que deveria ser considerado: segundo ela, é comprovada a redução do custo final do paciente submetido à ECMO, se comparado ao daquele que não passou pela terapia e ficou internado por mais tempo na UTI. A médica também explica que pacientes que recebem o tratamento retornam às suas atividades de forma mais rápida, o que, consequentemente, também reflete no custo aos cofres públicos e na efetividade da terapia.
A especialista ainda avalia que, hoje em dia, existem inúmeras terapias de alto custo para doenças sem tratamento definitivo e que, sim, são cobertas pelo SUS e apresentam valores absolutos muito mais elevados. “Em geral, são tratamentos prolongados e não de uso único como a ECMO. Esse custo único diluído se torna inexpressivo se comparado a outras terapias vitalícias como,por exemplo, a hemodiálise”, exemplifica.
CENTRALIZAÇÃO DE UNIDADES ESPECIALIZADAS
Em relação à centralização das unidades especializadas, as médicas discordam e explicam que diversas terapias de alta complexidade acontecem nesses locais e precisam, de fato, ser centralizadas para que sejam feitas de forma mais eficiente.
“Existe também a possibilidade de transportar de forma segura os pacientes que estão em outras regiões do país. Diversos trabalhos científicos demonstram que a centralização de terapias complexas (inclusive a ECMO) melhora os resultados e aumenta a expectativa de vida do paciente”, afirma Marina.
Estudos citados no relatório da Conitec mostraram que, em relação às evidências clínicas, a taxa de mortalidade em pacientes com Covid-19 foi de 87,5% nos pacientes com ECMO e 69,2% daqueles que receberam a terapia convencional. Neste caso, eles concluíram que as chances combinadas de mortalidade em ECMO, se comparadas à terapia convencional, não foram significativamente diferentes.
AVALIAÇÃO ECONÔMICA
Já considerando a experiência brasileira com a pandemia do novo coronavírus, a pesquisa estimou que enquanto o custo da internação com a ventilação mecânica foi de cerca de R$ 78 mil, a com ECMO chegou a R$ 119 mil, uma diferença de R$ 40 mil.
Ainda de acordo com o estudo, 99% dos pacientes críticos com a doença responderam com ventilação mecânica convencional, já 1% necessitaria de resgate ECMO. Para o Brasil, o impacto no orçamento com a intervenção da terapia somaria mais de R$ 15 milhões no 1º. ano, com uma estimativa de somar R$ 80 milhões nos primeiros cinco anos.
OPINIÃO PÚBLICA
Diversas pessoas, inclusive profissionais de saúde e pacientes, deixaram seus depoimentos sobre o assunto na parte de ‘Contribuições da Consulta Pública’. Nos comentários, eles destacaram os pontos positivos e negativos em relação à decisão de o Sistema Único de Saúde (SUS) não ter cobertura para ECMO.
“A justificativa da Conitec tem apenas base orçamentária. Ainda que apenas 1% dos pacientes graves tenham indicação para a terapia da ECMO, vale a pena oferecê-la no SUS. É uma questão político-social, onde vidas importam”, disse um deles.
Já um outro relatou que, por ter vivenciado a utilização da ECMO em um hospital particular e ter tido a experiência quanto ao grau de complexidade da instalação, aparelhagem, do custo e da necessidade de equipe treinada para manutenção do equipamento em uso, é contra a incorporação pelo sistema público.
“[Como] O SUS ainda encontra-se muito deficiente em oferecer tratamentos mais simples de forma uniforme pelo país, não deve investir nesse momento de restrição e escassez em aparelhagem tão cara e complexa, que demanda equipe extremamente treinada para uso. Sou contra”, afirmou.
Por fim, uma das pessoas que responderam a pesquisa questionou: “Quanto vale uma vida? Tenho visto a sobrevivência de pacientes que receberam a terapia de ECMO e que provavelmente não teriam sobrevivido sem ela.”
Ele completou explicando que a mortalidade no Brasil de pacientes intubados chegou a 87% em 2021 e em pacientes com ECMO foi inferior a 50%. “Essa diferença em um universo de mais de 400 mil mortes seriam de milhares de vidas”, concluiu.