Monize Carla Rodrigues (33) e Maira Fernanda Rodrigues (31) são irmãs e amigas. Após sempre dividirem todas as fases da vida, até pela pouca diferença de idade, o diagnóstico de câncer de mama que cada uma recebeu, no estágio quatro metastático, as uniu ainda mais, até pelo fato da família não ter histórico de câncer.
Dessa forma, a dupla troca vivências e as jovens apoiam uma a outra. A cumplicidade é tamanha que, há quase um ano, elas também compartilham informações na internet, por meio da página ‘Oncologia com Amor’.
“Decidimos ir para as redes sociais por vermos muitas informações desencontradas sobre o câncer de mama, e para que a conscientização da doença não ocorra apenas em outubro. Queremos falar de prevenção precoce e alertar que mulheres mais novas também estão sujeitas à doença”, explica Monize à AnaMaria Digital, para a qual contou a sua história.
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A DESCOBERTA DE UM CÂNCER AGRESSIVO
“O meu diagnóstico foi em 2021. Em julho daquele ano, comecei a sentir muitas dores nas costas, que se tornaram um motivo de preocupação por serem muito frequentes. Procurei um ortopedista, foi pedido um raio-x e, nesse exame, foi detectado um achatamento de vértebra.
Só que na minha idade, 31 anos na época, um problema desses não é algo comum. Trata-se de uma condição agressiva que só acontece em casos de acidente, como quando alguém cai de uma altura considerável. E não havia acontecido nada disso.
Pensava que essas dores nas costas aconteciam porque eu moro em um apartamento e costumo subir escadas com sacolas, algo com peso. Só que teve um dia em que não consegui sair da cama, fiquei com o pescoço adormecido e liguei para a minha mãe em busca de ajuda. Ela me disse que aquilo não era normal.
Fiquei três meses usando colete imobilizador e essa vértebra não consolidava. E aí foi decidido que eu precisava passar por uma ressonância magnética. Nela, foi identificado um tumor na medula – no tamanho de uma laranja – e as metástases dos ossos: arco-costal (costela), bacia, quadril, calota craniana e ombros.
Passei pelo processo de biópsia e fiquei 19 dias internada e sendo furada – meu corpo parecia uma peneira – para descobrir de onde vinha esse tumor/câncer primário, no qual as metástases se originavam.
Nunca passou pela minha cabeça que poderia ser um câncer de mama e também não foi a suspeita inicial do corpo médico, tanto pela minha faixa etária quanto pela ausência de histórico da doença na família. Mas lá estava ele, com 1cm de tamanho e causando todo esse estrago. Na mesma mama (a direita), eu tinha manchas vermelhas que ardiam e coçavam, mas não associei isso à doença.
O diagnóstico foi um baque para mim, por vários fatores. Compreendi que minhas dores nas costas era esse tumor/metástase na medula e, conforme o médico responsável pelo caso, já o tinha há cerca de um ano.
Me senti culpada por não ter feito exames de rotina por dois anos e meio, imaginando que talvez estivesse curada caso fosse diagnosticada em estágio inicial. Além disso, quando descobri o câncer e as metástases, foi como se tudo tivesse se intensificado.
Sentia fraqueza e formigamento nas pernas e precisei da cadeira de rodas, pois o tumor na medula comprimia os nervos das minhas pernas e impedia a movimentação. Emagreci 16kg, tive o achatamento de mais cinco vértebras e não posso mais fazer nenhum exercício de impacto na coluna. E, sim, eu era uma pessoa ativa, daquelas que frequentava a academia e praticava atividade física.
Fiz 19 sessões de quimioterapia e 31 de radioterapia durante sete meses, quando entrei em remissão [neste estágio, o câncer não é mais detectado por nenhum exame]. Contudo, em 2023, descobri novos focos da doença, na região das costelas e quadril, além de um nódulo na mama esquerda, que está em investigação.
Aos olhos da medicina, por ser metastática, o meu câncer não tem cura, apenas controle. E por um ano e sete meses, ele esteve adormecido”.
O DIAGNÓSTICO DA IRMÃ
“A Maira foi orientada, assim que descobri o câncer, a fazer o teste genético, e vários outros exames também. Ela, contudo, não sentia nenhum nódulo em nenhuma das mamas e não tinha nenhum sintoma. Como eu estava precisando muito dela, minha irmã não quis, naquele momento, desviar o foco.
Quando descobri e comecei o tratamento, eu já estava muito debilitada. Precisava de uma pessoa o dia todo comigo para me ajudar a tomar banho, levantar e deitar, além da necessidade de cadeira de rodas. Maira, então, avisou: ‘Quando terminar o seu tratamento, eu procuro um médico’.
Só que, um mês antes de eu terminar a minha última quimioterapia, ela foi adiantando os exames de mamografia e ultrassonografia, e descobriu um nódulo que era palpável. Quinze dias após a tal sessão, ela teve o resultado da biópsia, que era um carcinoma invasivo luminal B.
Para a Maira, foi um pouco mais tranquilo do que foi para mim, porque ela viu que mesmo eu, estando muito debilitada, tinha conseguido passar aquela fase. Me ver sair daquela situação difícil e estar bem, para ela, foi uma forma de alívio durante o tratamento. Mas de fato, ela sofreu muito com as náuseas.
Além disso, minha irmã tem um filho, que é uma criança. Ela sempre tentou ao máximo parecer bem para ele, mesmo quando não estava. Estar disponível e tentar ter um tempo de qualidade com ele, sair, se divertir. Estava preocupada se conseguiria vê-lo crescer.
Maira precisou fazer uma cirurgia para retirada do quadrante onde o câncer de mama se encontrava, mas, três meses depois, descobriu que ele havia se espalhado. As metástases dela estão na vértebra t4 [a mesma do tumor na medula de Monize], quadril e fígado”.
O MAIS DIFÍCIL NO TRATAMENTO
Nós duas entramos na menopausa induzida por conta do tratamento oncológico. Para mim foi pesado na questão de sentir o meu corpo mudar completamente. Eu engordei e estou totalmente fora do meu peso padrão, o que não consigo mais perder com facilidade, além de outros sintomas.
Você vê o seu corpo, as mudanças, aspectos de pele, muita acne, dá uma melhorada, depois piora. O fato de não poder ter filhos, para mim, não foi tão assustador porque não tinha isso em mente, nunca foi algo que parei para pensar. Mas, claro, perder o direito biológico impacta, sim.
Como eu sou solteira, sempre existe um impacto quando vou conhecer uma pessoa amorosamente, que gostaria de tentar ter filhos. Quando digo: ‘olha, eu não posso’, isso gera um certo desconforto, mas sou bem resolvida quanto a isso.
Eu sempre fui autônoma e tinha uma loja física de roupas, que precisei fechar no início do meu tratamento por falta de condições físicas de continuar. Dependi financeiramente dos meus pais durante um ano, tive que vender meu carro, mudar completamente a minha vida. A Maira já teve um contexto diferente, por ser casada.
Hoje eu consegui estabilizar, mas ainda tenho sequelas psicológicas de tudo que tive que mudar. Eu trabalho ainda, sou autônoma, tenho minha loja online e, hoje, respeito as limitações do meu corpo. Consegui me encaixar naquilo que eu consigo fazer em termos de ganho.
Não fico colocando a minha saúde em risco para conseguir ter mais dinheiro, mais status ou sucesso. O que eu aconselharia para as mulheres é que não ignorem as dores. Em qualquer sinal de anormalidade no seu corpo, procure um médico.”
ENTENDA
Para qualquer câncer de mama, independentemente do histórico familiar, quanto mais precoce o diagnóstico, maiores as taxas de cura, como afirma a oncologista Solange Moraes Sanches, Vice-líder do Centro de Referência em Tumores da Mama.
Segundo ela, a agressividade do tumor está ligada ao subtipo dele e não ao histórico familiar. “Mas, mesmo esses tumores mais agressivos, têm sobrevida melhor quanto mais precoce for o diagnóstico”, alerta.
Cerca de 10 a 15% de todos os tumores de mama têm um componente hereditário, em que se identifica uma mutação em um gene que pode ser transmitido entre as gerações e determinar um maior risco de desenvolvimento de câncer de mama. Existem casos, porém, em que não se detecta uma mutação.
“Isso pode ocorrer por não termos ainda alcançado o conhecimento de todas as formas hereditárias de câncer, por haver fatores ambientais comuns que podem predispor ao câncer – hábitos de vida, dieta, exposição a fatores de risco semelhantes ou considerando que a maioria dos casos é esporádico, ou seja, sem identificação de alteração genética, de que isso tenha sido um evento aleatório, já que o câncer de mama é o mais incidente nas mulheres”, conclui.