“Havia marcado uma cirurgia para colocar uma prótese no quadril e ela veio errada. Enquanto aguardava pela troca, meu ortopedista sugeriu que eu aproveitasse para fazer um check up ginecológico. Foi aí que descobri um câncer, na mama direita”, conta a comerciante Rosangela Coutinho, moradora do Rio de Janeiro (RJ).
A parte mais dolorosa da doença, contudo, foi ter que passar por uma mastectomia, procedimento de retirada do seio indicada em alguns casos específicos. “É o lado que pesa mais. A autoestima vai lá embaixo, não queria me olhar no espelho. Essa é a parte realmente complicada. Quando você retira a mama, a coisa muda de história”, diz.
Foi pensando nisso que o tatuador Yurgan Barret iniciou o ‘Y Rosa’, em que redesenha, sem qualquer custo, a aréola de mulheres que reconstruíram o seio. Ele, que perdeu a avó por conta da doença, iniciou o projeto há dois anos visando levantar a autoestima dessas mulheres.
“A gente não trabalha apenas com a reconstrução de aréola, mas com o todo, pois muitas mulheres acabam perdendo também a sobrancelha durante a quimioterapia e acabamos fazendo esse redesenho também”, ressalta o tatuador. “Melhora bastante o visual e ajuda a pessoa a ficar mais feliz também.”
PRECISA SER ESPECIALIZADO
Fazer um trabalho do tipo, contudo, não é para qualquer tatuador. Isso porque o tecido das mamas é diferente, além do desenho ter um tom mais realista. “Precisa ficar igual ao outro lado, idêntico, perfeito, sem que pareça que foi reconstruído. É bem mais complexo do que uma tatuagem normal”, explica Yurgan.
Além disso, ele ressalta que sempre pede para que as mulheres o levem um laudo médico com autorização, pois é preciso aguardar pelo menos seis meses após a cirurgia para realizar o procedimento. “É quando a pele tá com uma textura boa para a gente trabalhar, sem ter variação. Aí, nós conseguimos trabalhar com mais conforto, sem preocupação.”
IGUALZINHO
Outra “cliente” de Yurgan foi a dona de casa Zelia Maria do Nascimento, de 50 anos. Ela conta que sua autoestima nunca mais foi a mesma desde que precisou passar pela mastectomia, em dezembro de 2015. Além da diferença entre os seios, a cicatriz da cirurgia e a falta do mamilo tiravam sua coragem de se olhar no espelho nua.
“Depois do desenho, já me senti muito melhor. Ficou igualzinho ao do outro seio. Hoje eu me sinto outra pessoa, foi algo muito bom na minha vida”, avalia Zelia.
Já Rosangela afirmou que a emoção após o redesenho da aréola foi única. “Quando eu vi, senti uma emoção que não tem explicação. É uma coisa que vem de dentro pra fora, dá um nó na garganta”, diz.
RECOMENDAÇÕES
A oncologista Emanuella Poyer, que atua na clínica do Centro de Oncologia do Paraná, ressalta que esse tipo de procedimento não possui contraindicação: “Mas é melhor que a paciente tenha uma boa cicatrização e, nos casos em que precise fazer radioterapia, que termine as sessões e aguarde alguns meses para fazer.”
Ela ainda ressalta que o redesenho da aréola não é a única técnica para recuperar o tecido. “Geralmente, o mastologista retira a pele de outra região e reconstrói o mamilo, mas acontece de ter rejeição, às vezes. Tem casos que não precisa tirar, isso vai da localização do tumor e da margem, pois precisamos garantir que não fique nenhuma célula cancerígena”, explica.
ESPALHANDO A IDEIA
Zelia e Rosangela indicam o método para outras mulheres que já sofreram com o câncer e enfrentaram a mastectomia. “Teve uma amiga minha que já fez com outro tatuador. Deixa você outra pessoa”, revela Zelia. Já Rosangela ressalta que o atendimento também foi o diferencial no momento da reconstrução da aréola.
“É surreal o trabalho dele. Você chega recatada, com a ideia de que estão te fazendo um favor, porque é de graça. Mas eles te recebem e te acolhem. Passei um dia maravilhoso lá, um verdadeiro dia de princesa. É um dia de doação. Eles se doam para esse projeto. E as histórias vão se encontrando. São pessoas que realmente fazem a diferença”, diz.
Yurgan explicou que ele e sua equipe buscam dar o máximo de conforto possível para essas mulheres, trazendo esse reconhecimento positivo. “É gratificante demais, muito bom mesmo. É a melhor sensação para a gente, ficamos muito motivados. Tentamos fazer o melhor que podemos”, diz.
COMO PARTICIPAR?
O “Y Rosa” está na 3ª edição. Pela primeira vez, acontecerá Florianópolis (SC) nos dias 17 e 18 de julho. As outras duas aconteceram no Rio de Janeiro. As vagas são limitadas e mais informações podem ser obtidas pelo Instagram do tatuador. Para isso, basta ir no aplicativo e digitar o endereço do perfil dele: @yurganbarret.
O câncer de mama é a doença mais comum entre as mulheres no mundo e no Brasil, correspondendo a cerca de 25% dos casos novos a cada ano. “Sinto que precisamos de alguma forma ajudar essas mulheres a retomarem sua autoconfiança”, ressalta Yurgan.
Resultado da reconstrução do seio e do redesenho da aréola de Rosangela após mastectomia (FOTO: Murillo Mello Neto)
Resultado da reconstrução do seio e do redesenho da aréola de Rosangela após mastectomia (FOTO: Arquivo pessoal)