Às vésperas de completar 44 anos, Simone Zucato faz aniversário no dia 18/1, a atriz relembra como descobriu e venceu o câncer de mama há quase três anos. Detalhe: ela fez uma novela do começo ao fim sem ninguém saber pelo que estava passando.
Confira o depoimento autoral da artista.
Era final de abril de 2017. Aguinaldo Silva, um dos meus autores favoritos e alguém que amo, me disse: ‘Você está na minha próxima novela’. Sorri descrente e perguntei: ‘É verdade?’.
Como passei por situações semelhantes, aprendi a não me alegrar antes de assinar o contrato e não criar esperança até a primeira cena ir ao ar. Mas dormi feliz por alguém que admiro ter pensado em mim como parte de sua obra e pedi aos anjos para tornarem reais as palavras de Aguinaldo.
Dois dias depois, peguei o resultado de uma biópsia. Faço mamografia desde os 30 anos de idade, quando descobri que tinha displasia mamária benigna. Passei o olho rapidamente pelo resultado… e voltei. Li com calma.
As palavras se misturaram e eu parecia não entender mais nada. Estava escrito ‘adenocarcinoma ductal invasivo necrosante em mama esquerda’. Senti um soco no estômago. Não conseguia ler mais nada de tanta lágrima.
Liguei para o mastologista. Firme, mas com a voz trêmula, contei o ocorrido e completei: ‘Dr. Joaquim, tenho uma novela das 9 para fazer. Na Globo! Do Aguinaldo Silva! Com direção do Papinha! Começo a gravar em dezembro ou janeiro e preciso estar curada até lá’.
Calmamente, pediu para ir ao consultório no dia seguinte. Passei a noite chorando. Apesar de ser médica, não sou mastologista. Então, procurei ajuda do Dr. Google – o que condeno – e achei de tudo.
Perguntei aos anjos por que para certas pessoas, como eu, as coisas são mais difíceis. Não no sentido de me queixar, mas de ter o entendimento e adquirir a sabedoria necessária para lidar com aquela situação.
A BUROCRACIA DO PLANO DE SAÚDE
O médico explicou que o câncer estava, aparentemente, no início, e havia grandes chances de o tratamento ser mais leve e eficaz. Faríamos a retirada de dois quadrantes da mama esquerda e, na mesma cirurgia, uma mamoplastia para igualar as mamas.
Na sequência, passei pelo cirurgião plástico dr. Álvaro, e ele me explicou que faria o possível para deixar minhas mamas simétricas e sem cicatrizes extensas. Após quase 20 dias de solicitação, ainda não tinha a aprovação para realizar a cirurgia em um hospital no qual tinha direito.
A parte médica não seria coberta pelo seguro, pois os médicos não eram da credenciadora, e o valor do reembolso – vergonhosamente, depois de pagar o plano por mais de 15 anos – seria o equivalente a menos de 1/20 do valor dos honorários.
Sem dormir, chorava à noite com medo de a doença estar crescendo dentro de mim e se espalhar para outros órgãos. Pensava, sim, que poderia morrer. Por também ser médica, vi muitas mulheres curadas do câncer e outras tantas, as que descobriram a questão em estágio avançado, não sobreviver.
A CIRURGIA
Não controlamos o medo 100% das vezes. Foram 30 dias úteis de espera, um pesadelo! Ao final desse prazo, não tinha resposta do plano. Entrei com uma liminar e o juiz decidiu: a seguradora teria que liberar a cirurgia o quanto antes. Fui operada em 12 de julho de 2017.
Antes da cirurgia, fui submetida a uma punção para injeção de contraste na mama. Quando cheguei a um laboratório conceituado de São Paulo, introduziram uma agulha grande na mama para injetar o tal contraste.
Enquanto faziam isso, as pessoas conversavam sobre uma festa. Me chamou a atenção a frieza com a qual um ser humano pode tratar o outro. Tudo bem, meu câncer foi diagnosticado no início, mas quantas mulheres não passam por ali com casos mais graves e são tratadas da mesma forma?
Me senti insignificante. Em uma segunda etapa, um mamógrafo comprimia a minha mama, para saber se a agulha estava no local exato do tumor. Injetado o contraste, fui para o hospital.
Quando entrei na sala de cirurgia, a equipe foi extremamente simpática. Injetaram o anestésico e, meio tonta, pedi para capricharem. Disse isso para descontrair, pois não me importava se a mama ficaria bonita ou não.
Queria que o médico removesse todo o tumor na esperança de que não tivesse alcançado os linfonodos. Acordei depois de quase nove horas de cirurgia. O procedimento foi um sucesso e o pós operatório, mais tranquilo do que pensei: não senti tantas dores, não precisei tirar muitos pontos nem fazer curativos.
O MOMENTO MAIS DIFÍCIL
O resultado de exames mostraram que o câncer não havia atingido os linfonodos e que o tumor era estrogênio dependente e, por isso, precisaria de quimioterapia oral por cinco anos.
Paralelamente, esperava pela novela que, felizmente, foi adiada em seis meses. Em dezembro de 2017, iniciei a radioterapia. Trinta sessões. Esta talvez tenha sido a parte mais difícil, pois apesar de dizerem que é um processo tranquilo, no segundo dia, minha mama estava muito quente, como se pegasse fogo e um pouco inchada.
As enfermeiras diziam que era impressão minha. Na 16ª sessão, minha pele descolou e minha mama ficou em carne viva. Por alguns dias, as outras sessões foram feitas por outro ângulo. Ainda descobri que o melhor creme para ocasiões como essa não é vendido no Brasil, mas apenas em alguns países da Europa.
OS EFEITOS COLATERAIS
Em alguns dias não tinha força para subir escadas e era carregada. Ao final da radioterapia, a coloração da mama havia mudado bastante e poderia ficar assim por dois ou três anos.
Um mês depois, comecei a quimioterapia oral, que tomo até hoje para evitar a volta do tumor. Ainda tenho três anos de tratamento pela frente. Entre os inúmeros efeitos colaterais do medicamento, manifestei náusea, insônia e fadiga.
Nada que não pudesse controlar. Enfim, em julho de 2018, fui chamada oficialmente para fazer parte do elenco de O Sétimo Guardião. Liguei para a minha mãe, que me dizia: ‘Calma, não sei se você está chorando, rindo ou gritando.
NINGUÉM DA NOVELA SABIA
Quando comecei a gravar, fazer provas de figurino e me trocar em frente às colegas, a cicatriz em formato de T que tenho nas mamas e a diferença de coloração de uma para a outra não me incomodavam.
Me perguntaram se havia feito plástica e dizia que sim, afinal, era verdade. Pouquíssimas pessoas sabiam o que havia acontecido comigo. Nunca tive a intenção de esconder. Creio, é minha obrigação dividir essas experiências para acrescentar e ajudar outras pessoas.
Contudo, tive receio de quererem me poupar e, por isso, preferi não falar nada durante a novela. Fui extremamente feliz durante os meses de gravação, além de grata ao Aguinaldo e ao Papinha, que me deram a oportunidade sem saber do bem que me faziam, sem saber que um trabalho como esse – com o qual todo ator sonha – poderia me dar força, esperança e mais vontade ainda de viver e ser mais forte do que a doença em si.
A REVELAÇÃO
No último mês de gravações, os procurei para agradecer. Surpresos, questionaram, pois nunca me viram reclamar de nada. Expliquei que jamais veriam, pois estava feliz fazendo o que mais gosto: trabalhando como atriz.
Terminada a trama, tirei 12 dias de folga. Na sequência, comecei a ensaiar Sylvia – Uma Comédia Romântica, escrita por A. R. Gurney. Adquiri os direitos em 2015 e comecei a pré-produção.
Sem nenhum patrocínio, fiz uma temporada linda em 2019 e voltarei com ela neste ano. Trata-se de uma história de amor incondicional que fala sobre as dificuldades de comunicação atualmente, a importância de ter um cachorro…
O teatro segue me dando força para seguir. Sou responsável pela contratação de 34 profissionais e por levar a história que faz milhares de pessoas refletirem sobre temas importantes.
O trabalho foi o meu propósito e não me deixou sucumbir a um câncer. Aprendi a valorizar o que é realmente importante, aproveitar o tempo como se tivéssemos apenas hoje, viver o presente e ter um propósito na vida. É preciso sonhar para continuar viva.
NÃO SE COMPARE
Neste processo todo, me conscientizei da importância de tratarmos o nosso corpo bem. Alimentação correta, atividade física regular, hidratação, noites bem-dormidas, reduzir o estresse… Essas medidas colaboram para que não desenvolvamos câncer.
Realizar exames periódicos sem atrasos também é fundamental para o diagnóstico precoce. O autoexame da mama é de extrema importância, mas não devemos deixar de fazer mamografias em tempo correto, ir ao mastologista periodicamente e ter fé.
Sonhar, planejar, realizar e fazer o bem, ajudar o outro sem esperar nada em troca… Tudo isso nos dá forças para seguir independentemente do que venha em nossa direção. Algumas vezes, pode parecer que para nós é tudo mais difícil – e talvez até seja –, mas o importante é nunca olhar para o lado e se comparar.
Olhe para dentro de si, pegue aquela luzinha que cada um de nós tem e a espalhe por aí, iluminando os próprios caminhos.