“No meu tempo tudo isso aqui era campo.” “No meu tempo a gente tinha palavra e não precisava de papel assinado.” “No meu tempo as crianças respeitavam os mais velhos e os professores.” “No meu tempo não tinha essa pouca vergonha.” No meu tempo…
Nesse tal de “meu tempo” não existem maldades ou dificuldades. O “meu tempo” é um paraíso na Terra, filtrado por potentes lentes cor-de-rosa. No “meu tempo” morava a felicidade, que ficou lá atrás, irretocável. E esse tempo não deixou só saudades. Ele deixa nossos pés plantados como raízes e nossa cabeça voltada para um lugar que não existe mais. E quem insiste em caminhar olhando para o passado, invariavelmente tropeça no presente. E será que era mesmo tudo isso?
“No meu tempo” é uma frase que envelhece automaticamente quem a diz, além de demonstrar o desprezo pelo agora. O recado é: “meu tempo” foi um banquete farto, cujos pratos principais já foram saboreados e restam os ossinhos de frango para serem roídos para quem não viveu “aquele tempo”.
Mas qual é o “seu tempo”, se estamos tratando com vivos? Os anos dourados da juventude? A infância? Depois disso as coisas não deram mais certo a ponto de se despir de suas metas e desdenhar o plano atual? Quando você entregou as chaves e passou a ser inquilino da vida, pagando aluguel para os anos passados?
Chega um momento em que algumas pessoas param de aprender e passam a sentar no fundão da sala, fecham o livro antes de a aula terminar e ainda atormentam quem segue querendo estudar porque, antes de tocar o sinal – é bom que se diga –, a lição não acaba.
Insistir no “meu tempo” é como aproveitar só metade da viagem. É viver verdadeiramente só por “um tempo”. “Nosso tempo” é o que experimentamos hoje, com todas as aventuras e desventuras que vêm no pacote. Se lá atrás era jovem e podia escalar montanhas, ótimo: aquele era seu tempo de escaladas. Atualmente, o ar pode ser até mais rarefeito, mas não tem problema: seus desafios já exigem menos fôlego, porém não menos empenho e alegria.
O MUNDO MUDA
Se para melhor ou pior é outra discussão, mas o apego àquilo que não tem retorno promove uma vivência com gosto de vinho que vinagrou e amarga quem você é. E é bem difícil conviver com quem acredita que não sobrou nada de bom além do “seu tempo”.
Não é fácil escapar desse ciclo vicioso, que atravessa gerações: nossos pais reclamavam de nossos avós sempre saudosos “daqueles tempos” e nós nos aborrecemos com nossos pais que repetiram a dose. Cabe a nós fincarmos bandeira no tempo de agora e entender que podemos tirar proveito da vida a qualquer tempo.
*Wal Reis é jornalista, profissional de comunicação corporativa e escreve sobre comportamento e coisas da vida. Blog: www.walreisemoutraspalavras.com.br