Não é de hoje que modelos e influenciadoras trazem à tona o racismo que existe na indústria da moda. São muitos os relatos sobre o quanto esse espaço contribui para a permanência da censura dos corpos e rostos das mulheres reais. Modelos negras enfrentam maiores dificuldades nas agências e casting, além de receberem menores salários e até mesmo tentativas de camuflagem da cor da pele, por meio de maquiagem ou edições.
A modelo Julia Muniz conta para AnaMaria Digital que faz parte dessa lista gigantesca de meninas, que por fugirem dos padrões estabelecidos, foi recusada por diversas agências. “No Brasil, o mercado da moda ainda é muito fechado. As agências de modelo ainda estão atrasadas e vão em busca de mulheres que sigam um padrão, que curiosamente não condiz com as brasileiras”, revela.
Julia conta ainda que a mistura de etnias é vista pelos agentes e marcas brasileiras como uma barreira. “Nos castings existia sempre uma procura por mulheres brancas, ruivas e loiras. Não existia espaço para mulheres que fugiam dessas especificações, principalmente para pessoas que eram uma mistura étnica enorme”, relata.
“NÃO ME RECONHECI”
Após enfrentar muitas dificuldades para seguir a carreira no Brasil, Julia embarcou para os Estados Unidos. Lá, trabalhou em uma escola de surf e como babá, procurando pagar as contas até que encontrasse uma agência. Entretanto, encontrou um mercado um tanto quanto similar ao brasileiro.
“Quando surgiram os primeiros trabalhos como modelo, senti que existia uma tendência do uso de maquiagem para afinar o meu rosto e meu nariz. Outra situação recorrente eram marcas fazerem isso através de programas de edição de fotos. Teve uma vez em que não me reconheci ao ver o trabalho finalizado”, conta.
Já em Los Angeles, a modelo se deparou com uma nova realidade. Acontece que o bronzeamento artificial é uma grande tendência entre as marcas locais. Apesar disso ter despertado os olhares dos contratantes, Julia destaca que trouxe conflitos internos. “Comecei a perceber que era usada por essas marcas como se minha cor fosse o resultado de um bronzeamento artificial e isso me chocou bastante, porque sentia um apagamento da minha identidade”, disse.
Também enfrentando preconceitos, como a diferença salarial, a profissional assegura que hoje procura não aceitar essas propostas. “Já recebi contratos de grandes marcas com valores muito mais baixos do que das outras meninas para a mesma campanha. Já chegaram a me oferecer menos do que a metade do valor pago para as modelos brancas. Hoje recuso trabalhos nessas situações. Eu sei o meu valor”, conta.
FALTAM ESPECIALISTAS
Nos bastidores, a modelo revela que a falta de maquiadores e cabeleireiros que saibam atender mulheres que não são brancas é outro problema recorrente. “A maioria dos trabalhos que faço não estão preparados para trabalhar com pele negra/ étnica. Sempre fazem uma maquiagem cinza em mim. Em alguns desfiles que fiz no Miami Swim Week, por exemplo, me deixaram sem maquiagem porque não tinham nada com o meu tom”, lembra.
Segundo Julia, a situação é ainda pior para mulheres com cabelos crespos e cacheados. “Muitas amigas de profissão que tem cabelo afro sempre reclamam que ninguém está preparado. Com isso, sempre pedem para que elas mesmas façam o próprio cabelo. Elas acabam acordando horas antes para fazer isso e sem ganhar nada a mais”, conta.