O isolamento social se mostrou o método mais eficaz no combate à transmissão do Novo Coronavírus (Covid-19). Tanto que o estado de São Paulo, o mais afetado pela doença no Brasil, vem adotando a medida preventiva há um pouco mais de um mês com bons resultados.
Entretanto, ao mesmo tempo que permanecer em casa significa segurança contra o vírus, também pode representar um grande perigo para milhares de mulheres espalhadas pelo Brasil.
“Sete em cada dez vítimas do feminicídio são mortas em casa. Isso quer dizer que, durante esta quarentena, a casa dessas mulheres não representa total segurança”, ressalta a cantora MC Rebecca, que lançou na última sexta-feira (17) uma canção sobre o tema: ‘Medo de Escuro’, em parceria com Manaia.
Na letra, a carioca dá voz às mulheres que convivem com esta realidade, procurando oferecer apoio e empoderamento. “Lanço para que elas se vejam fortes e encorajadas a denunciar esse tipo de covardia”, explica a cantora, em entrevista à AnaMaria Digital.
“Pra mim é surreal pensar que mulheres como eu, que correm atrás das suas coisas, trabalham o dia todo, cuidam da casa, dos filhos, da beleza e de todo o resto, sejam diminuídas por homens que não são 1/3 delas. Desrespeito em qualquer nível é errado e violentar uma mulher, então…”, opina.
A INSPIRAÇÃO POR TRÁS
Apesar de conviver com o machismo e os preconceitos por ser mulher, negra e bissexual, MC Rebecca conta que nunca vivenciou diretamente esse tipo de violência. Mesmo assim, se deparou com a dura realidade do tema em meados de 2019, quando protagonizou a minissérie ‘Onde Está Mariana?’, exibida exclusivamente no IGTV da atriz Cleo Pires, que apadrinhou o projeto.
“Na preparação, pude ter contato com pessoas que sofreram e ainda sofrem uma realidade muito difícil de violência no lar. É muito triste. Até hoje me dói muito o coração quando lembro daquelas mulheres lindas e tão machucadas fisicamente e psicologicamente”, relembra.
ÍNDICES DE VIOLÊNCIA NO LAR AUMENTAM
A promotora de justiça Gabriela Manssur, do Instituto Justiça de Saia, conta que desde o início da quarentena houve um aumento de cerca de 50% nos registros de boletim de ocorrência online que relatam violência doméstica.
De acordo com estimativas da profissional, subiu 15% o número de mortes de mulheres durante este período, algo que se tornou um grande motivo de preocupação para a justiça brasileira.
Ela destaca também os números do projeto Justiceiras, um canal de atendimento de vítimas de violência doméstica por meio do Whatsapp, fundado em parceria com os Institutos Nelson William e Bem Querer Mulher. Atualmente, são cerca de 30 pedidos de ajuda por dia, indicando um aumento significativo na demanda.
AGRAVANTE
Na visão de Manssur, o período da quarentena se transformou em um gatilho para a violência doméstica em casais que já possuiam um relacionamento abusivo, assim como ocorre com outras circunstâncias atenuantes, como o álcool e o uso de drogas.
“Muitas mulheres que antes não se percebiam em um relacionamento abusivo, e hoje estão na quarentena, com este convívio acabam se vendo nessa situação e pedindo ajuda para sair. Tanto é que na pós-quarentena na China, nos Estado Unidos e na Itália houve um aumento nos pedidos de divórcio”, informa.
OUTRAS PESSOAS PODEM DENUNCIAR
Não é a vítima que precisa, necessariamente fazer a denúncia. A profissional explica que uma vez que a Lei Maria da Penha, principal ação judicial contra a violência doméstica, prevê que as queixas podem ser processadas pelo Ministério Público sem a autorização da vítima, familiares e conhecidos que identificarem uma mulher em situação de abuso podem denunciar para as autoridades.
Para Gabriela Manssur, denunciar um abusador é um dever de cidadania, que em alguns estados brasileiros, já se tornou lei para vizinhos e funcionários de condomínios, como síndicos e zeladores, que identificarem uma situação de violência do lar.
“Com o Justiceiras nós fizemos uma parceria com uma rede muito grande de condomínios, mais de 15 mil, para divulgar o nosso contato na tentativa que eles cumpram esse dever que é denunciar situações de violência contra mulher, que tem como consequência muitas vezes a morte”, revela.
COMO IDENTIFICAR UMA VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DO LAR?
Existem uma série de sinais que podem alertar amigos e familiares de que uma mulher está convivendo em situações de abuso físico e psicológico. São eles:
- Mudança completa no modo de se comportar (como uma pessoa extrovertida ficar tímida de uma hora para outra);
- Mudanças em relação a aparência (usar roupas mais fechadas, por exemplo);
- Comer demais ou de menos do nada;
- Alterações no padrão de sono;
- Abandono do trabalho;
- Ter síndrome do pânico;
- Praticar automutilação, e até mesmo apresentar pensamentos suicidas.
“Ela tenta ficar invisível, se encolhe, se isola e não se arruma. Ela fica um pouco mais agressiva com parentes, familiares e amigos, porque é uma forma de se revoltar contra aquilo que ela está vivendo, mas que isso acaba se expressando contra aquelas pessoas com quem tem mais intimidade”, conta.
SINAIS DE ALERTA PARA AS MULHERES
A advogada ressalta ainda que é imprescindível que as mulheres se mantenham atentas aos primeiros sinais de relacionamentos abusivos, são eles:
- Ciúmes excessivo;
- Humilhação;
- Críticas de seu parceiro em relação a sua aparência;
- Desqualificação de suas ideias e pensamentos;
- Isolar a parceira do mundo exterior;
- Ofensas psicológicas e verbais.
Entretanto, relembra que não necessariamente a relação seja a todo instante representada por estes comportamentos que chegam antes da violência física.
“De repente vem momentos de muita intensidade de amor. E de felicidade, o que faz com que esta mulher se confunda se ela está ou não em um relacionamento abusivo”, diz.
FAÇA A SUA DENÚNCIA AGORA
Mande mensagem ou ligue para o Justiceiras pelo Whatsapp no número: (11) 99639-1212, ou entre em contato com o 180 para acessar o Disque Denúncia.
Para os residentes do Estado de São Paulo realizarem um boletim de ocorrência online entre no site.
Confira o videoclipe de ‘Medo de Escuro’ aqui.