Eva Wilma nunca temeu se jogar na fogueira. Por sobrevivência, ora literal, ora artística, decidiu ser atriz, rompeu com uma união idealizada pelo público, montou uma peça com personagens masculinos vividos por mulheres… A seguir, a estrela que não sai de cena conta tudo isso e muito mais.
O que uma personagem precisa ter para que deseje interpretá-la?
A maneira como o autor desenvolve o texto precisa ser competente, interessante e poética. É o talento da criação do autor que fascina e desperta o interesse do ator.
Uma das discussões da peça Quarta-feira, sem Falta, Lá em Casa, em que divide a cena com Suely Franco e encerrou temporada 2018 recentemente, é a solidão…
Na minha faixa etária é importante saber falar desta questão com poesia, verdade, criatividade e amor ao público.
Você sente solidão?
Não… Tenho cinco netos e, claro, às vezes, sinto falta deles, mas sempre aparecem. Não existe ninguém nessa faixa etária que não perceba a solidão. A “envelhecência” tem muito a ver com você aceitar os limites, a solidão e, principalmente, as perdas. Quanto mais vive, mais é obrigado a perder coisas.
O que a experiência lhe trouxe de melhor?
Conhecimento do ser humano, que é um saber infinito. É muito importante, também, saber conviver com as pessoas.
Sempre soube envelhecer?
Sei conviver com as limitações de cada faixa etária. E quanto maior a idade, maiores as limitações. Existe sabedoria em aprender a viver com isso, um amor às pessoas, a tudo que você fez e ainda fará. Vivi tanta coisa ótima, além do sofrimento que passamos. Sem sofrimento, não há prazer.
Na novela O Tempo Não Para viveu a cientista Petra, era uma mulher focada na ciência que se humanizou…
Fui convidada para gravar quatro semanas e fiquei oito. O tema, a criogenia, é novo, mas já acontece no Primeiro Mundo. Nas primeiras reuniões, comentei que abordar algo tão avançado sem perder o humor, a criatividade, a fantasia e o amor seria difícil. Mas conseguimos!
Você começou como bailarina. Nessa época já pensava em ser atriz?
Não. Eu achava que seguiria a carreira de bailarina clássica. Todo bailarino é um intérprete. Ele se expressa sem palavras, mas com o corpo. Dos 9 aos 19 anos tive esse prazer enorme. Me tornei atriz por sobrevivência. O meu pai era alemão e, durante a Segunda Guerra, perdeu tudo. Então, fui à luta. Quando recebi os convites para ser atriz, me atirei.
Qual o maior desafio da maternidade?
Se não fosse mãe, não faria bem a minha profissão. Ser mãe aumenta a capacidade de amar. Você aprende muito com os filhos. Além de dois filhos, tenho cinco netos com idades que variam de 12 a 31 anos.
E é verdade que vó só fica com a parte boa da educação do neto?
Só se você for alienada. Você precisa participar também das dificuldades deles para tentar ajudá-los, se mostrar presente, estar disposta a conversar.
Você gosta de tecnologia, internet…?
Uso WhatsApp, e-mail, Instagram, Facebook… Eu não quero ficar para trás. Às vezes, acordo no meio da noite para mexer no celular, navego, procuro e descubro coisas. Esse mundo é fascinante, mas é perigoso, pois você não pode perder várias horas no meio da noite. A noite é para dormir [risos].
Está completando 65 anos de carreira. Terá uma comemoração especial?
Não. Vou tocar em frente. Todo começo de trabalho é especial, uma continuidade. Nesses 65 anos de exercício desse ofício, trabalhei muito, não só por prazer, mas para pagar as contas, ajudar meus pais, criar filhos… O apartamento em que moro em São Paulo é o primeiro que comprei na vida, há 36 anos. O ator continua sendo mal remunerado, não é brincadeira. Os muito jovens que você vê aí estão batalhando, pois a questão cultural no Brasil não vai fundo.
HISTÓRIA
É verdade que com 14 anos fez sua primeira turnê profissional pelo Brasil?
Sim, como bailarina clássica. Em 1949, estive em um projeto que levava um navio brasileiro por todas as capitais para uma exposição da indústria paulista. Nesse navio fui convidada a integrar o corpo de baile. Essa turnê passou por todos os teatros do Brasil.
Você também tocava piano?
Meu pai tocava de ouvido. Ele tinha sido tenor na igreja na Alemanha. Minha mãe, argentina, era formada em piano. Os momentos mais felizes da minha infância e pré-adolescência éramos nós três nos revezando ao piano e cantando. Minha mãe cantava músicas do folclore argentino. Meu pai, do folclore alemão. E eu as músicas que aprendia com a Inezita Barroso.
Você foi convidada para se apresentar no Holiday on Ice (espetáculo de patinação no gelo) e não aceitou?
Era impossível! Foi no primeiro Carnaval no Gelo que veio para o Brasil e dei aula de balé para eles. Então, queriam me dar aula no gelo também. Levei alguns tombos e aprendi patinando. Aí me convidaram para seguir com eles, mas não dava.
O que mais você aprontou?
Eu, Walmor Chagas e o diretor Luís Sérgio Person fomos representar o filme São Paulo, Sociedade Anônima no Festival de Acapulco, no México. Os filmes eram exibidos em um estádio ao ar livre. Eu subi ao palco para conversar com o público… Ficamos em um hotel com uma piscina grande e as pessoasesquiavam ali. E o Person falou que eu conseguiria também. E eu fui lá esquiar. Essa façanha jamais me esquecerei.
Já declarou que a queimaram na fogueira ao se separar do primeiro marido, John Herbert. Por quê?
Ele fez dupla comigo em um programa de TV que durou dez anos, o Alô, Doçura!. O público fazia uma idealização. Então, ousei romper a dupla e ir para um mundo novo, com apoio dos meus filhos. Embora eu e meu ex tenhamos ficado amigos para sempre, para o público foi um choque. Mas entendo. Até hoje ficamos tristes quando um casal que admiramos rompe. As separações ficaram comuns, mas é uma pena. Naquela época, a separação era uma ousadia. Eu mesma me joguei na fogueira.
E o que fez em seguida?
Saí em turnê com a Lilian Lemmertz no espetáculo Esperando Godot, dirigido pelo diretor que melhor me formou, o Antunes Filho. Este espetáculo tem cinco personagens masculinos, mas como estava nessa fase, de sair da fogueira, ousei montar e produzir a peça com cinco mulheres. Estreamos em 1977 em Brasília e foi sensacional. No programa da peça, Antunesescreveu um texto chamado Esperando a Democracia. No último dia, os estudantes ficaram para fora inconformados, pois queriam assistir. Então deixamos que todos entrassem.
E essa foi a segunda vez que rodei o país em turnê. Como é sua rotina?
A hora em que acordo depende do que aconteceu no dia anterior. Tento dormir oito horas por dia, mas, às vezes, não consigo. Quando estou na TV, madrugo. Levo uma hora para chegar ao Projac. As atrizes ainda chegam duas horas antes para maquiagem, figurino, cabelo… Só aí já foram três horas, além das nove horas de estúdio.
E como era quando fazia a Altiva, de A Indomada (1997), reexibida atualmente pelo Viva?
Coitado do Carlos Zara [risos]! Às vezes, era 11 da noite, eu mandava ele tomar o meu texto. E ainda brigávamos, porque eu fazia algumas modificações e ele avisava que não era daquela maneira que estava no script, e eu dizia que era daquela maneira que eu tinha estudado [risos]. Essa personagem era extrovertida, escandalosa, divertida…
Quais foram as personagens mais bem-humoradas da sua carreira?
As vilã Altiva e a Raquel, de Mulheres de Areia [1973]. A Raquel era superextrovertida. Era uma suicida também. Já a Altiva se atirava na fogueira. É divertido fazer um personagem mau-caráter, ele vai até as últimas consequências.