Outubro é o mês da conscientização e prevenção do Câncer de Mama, doença que atinge uma entre quatro mulheres no mundo, de acordo com dados divulgados pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA). Diante dessas informações, é essencial que as pacientes com a doença estejam cientes dos diversos direitos que lhes são garantidos por lei no país.
De acordo com a advogada Clara Phileto, de Salvador (BA), muitas mulheres ainda não possuem esse conhecimento e não sabem como ter acesso ou garantir sua efetividade.
“É necessário que as mulheres portadoras de câncer estejam atentas sobre o que lhes cabe juridicamente e irem atrás de seu efetivo cumprimento. Caso isso não aconteça, será dever constitucional do Poder Judiciário, quando provocado, garantir o cumprimento destes direitos”, afirma a especialista.
DEMISSÃO APÓS O DIAGNÓSTICO
Após a descoberta do câncer, Alessandra foi dispensada pela empresa em que trabalhava Foto: Arquivo Pessoal
Descobrir o diagnóstico de uma doença nem sempre é fácil e, quando se trata de câncer, a preocupação pode ser ainda maior, principalmente quando o paciente possui um vínculo empregatício.
Neste caso, em que a prioridade passa a ser a cura da doença, o apoio da empresa acaba se tornando fundamental no processo, já que o funcionário, dependendo do caso, precisará se ausentar para cuidar da saúde e fazer todos os tratamentos necessários.
E quando mesmo após a confirmação do câncer, a pessoa é desligada do trabalho? Foi exatamente isso que aconteceu com a administradora Alessandra Paula Pacheco, de 45 anos. Ela, que trabalhava em uma empresa há três anos, foi dispensada assim que comentou sobre um possível diagnóstico de câncer de mama. “A empresa não deu assessoria, nem a carta do convênio de continuidade para que eu pudesse continuar a pagar o plano por conta, tive que fazer todo tratamento no SUS”, ressalta.
Além de enfrentar a doença, a administradora precisou lidar com problemas financeiros e várias dívidas adquiridas pelo encerramento do vínculo empregatício. Ela, que tinha um salário alto e um bom padrão de vida, acabou ‘sujando’ o nome por conta do ocorrido. “O fato de terem me abandonado e nem se importado com minha possível doença foi muito doloroso, me causou vários danos”, lamenta.
MAS PODE ISSO?
O advogado trabalhista Júlio Conrado ressalta que não, não pode! Ele explica que trabalhadores afastados ou que recebam auxílio-doença acometidos por câncer e outras doenças graves não podem ser demitidos. Contudo, caso isso ocorra, ele diz que vale buscar a intervenção da Justiça do Trabalho.
Mas por onde começar? Segundo Clara Phileto,o primeiro passo para ingressar com uma ação judicial é procurar um advogado, se quiser ser assistida por um. Caso queira entrar diretamente, o trabalhador deverá se dirigir até a sede da justiça do trabalho e providenciar o registro da reclamação trabalhista.
“Não é obrigatório que o trabalhador ingresse através de um advogado, pois na justiça especializada trabalhista existe o ‘jus postulandi’ que permite ao trabalhador ingressar em causa própria. Entretanto, é muito melhor que ele ingresse através de um profissional, pois assim terá um trabalho técnico especializado de qualidade na defesa dos seus direitos e interesses”, explica.
Júlio completa que, para tanto, a trabalhadora deverá disponibilizar a esse profissional toda a documentação correspondente ao contrato de trabalho, bem como a documentação médica, com relatório, atestados, exames e laudo existentes. “É onde o trabalhador tem obtido êxito no que diz respeito ao reconhecimento do status de ilegal e discriminatória essa dispensa imotivada, condenando o empregador a reintegrar esse funcionário ao posto de trabalho e ao pagamento de dano moral”, reforça o advogado.
Após se dedicar exclusivamente a cura da doença, foi exatamente isso que Alessandra fez. Ela correu atrás de seus direitos, isso lá em 2015. “Quando melhorei, faltando 20 dias para ‘caducar’ o prazo de ação trabalhista, eu entrei com um processo e estou aguardando o resultado até hoje”, ressalta.
CARREIRA EM ASCENSÃO
A administradora Luceanny Rezende, de 36 anos, também passou por maus bocados depois de receber o diagnóstico da doença, aos 29. Após três anos acompanhando um nódulo que era considerado benigno pelos médicos, ela insistiu para que retirassem e fizessem uma biópsia. O resultado, porém, não foi tão positivo: era mesmo câncer de mama.
“Na época, eu morava à trabalho em Natal/RN, minha família é de Minas Gerais. Me senti arrasada, principalmente por sempre ter feito todos os exames e pelo medo do estágio que estava o câncer, devido à demora do diagnóstico”, explicou.
Com a carreira em plena ascensão, a administradora comunicou sobre a doença na empresa, onde estava desde 2009, explicando que, por orientação médica, ela precisaria fazer exames, cirurgia e tratamento o mais breve possível.
“Meu diretor disse que sentia muito, para eu ir para Minas Gerais fazer o tratamento, que iríamos conversando após os exames. Mas segui trabalhando pelo computador e celular durante todo o período, fazendo a gestão da equipe e das vendas”, relatou ela, que na época atuava como supervisora comercial de uma grande construtora.
DEMITIDA E SEM REGISTRO EM CARTEIRA
Luceanny não acreditou quando recebeu a notícia da demissão FOTO: Arquivo Pessoal
As coisas começaram a mudar quando, pouco tempo depois, esse mesmo diretor ligou para Luceanny e informou que teriam que fazer um corte de salário por alguns meses até a volta presencial da funcionária, o que, de acordo com o advogado, é totalmente ilegal.
“Mas eu, naquele momento, não podia perder o emprego. Estava gastando tudo que tinha e não tinha com cirurgias, tratamentos e exames particulares. Seguia trabalhando à distância e trazendo resultados”, afirmou.
Ao retornar para Natal, ela recebeu uma proposta de transferência da para Florianópolis (SC), para assumir a supervisão comercial de vários empreendimentos do sul. “Não hesitei em ‘perdoar’ as falhas da empresa e assumir essa nova mudança na vida. Assim, sem nem conhecer a cidade, me mudei no final de 2014”, detalha
Em 2018, porém, surgiram novos nódulos na mama e no ovário da administradora. Ela ligou para seu gerente informando que precisaria se ausentar por algumas horas durante alguns dias para exames e, muito provavelmente, para uma nova cirurgia. Mas, desta vez, a resposta foi bastante inesperada.
Ela recebeu a ligação do chefe dizendo que estavam fazendo um corte na empresa e não precisavam mais de seus serviços. “Eu não acreditava naquilo. Estava em uma cidade sozinha, morando em um apartamento pago pela empresa que prometia assinar minha carteira há anos, mas não o fez. Ou seja, eu não teria rescisão, seguro-desemprego, nada!”, lembra.
O advogado explica que, neste caso, todo segurado do INSS, seja com vínculo CLT ou autônomo, têm os mesmos direitos, e Luceanny fez questão de lutar por eles. “Não queria, tentei acordo. Mas entrei com processo de pejotização e cobrança dos direitos trabalhistas e pagamentos não efetuados durante meus meses de cirurgias e tratamentos. Infelizmente, apesar de preencher todos pré-requisitos para o processo, perdi”, relatou a administradora.
Hoje, ela tenta trabalhar como autônoma na área de corretagem imobiliária. “Afinal, sabemos que após um processo trabalhista e histórico de câncer, é praticamente impossível conseguir um emprego fixo”, avalia.
CLT X AUTÔNOMO
Segundo Phileto, não se pode confundir relação de emprego com relação de trabalho. Ou seja: a primeira existe quando estão presentes os requisitos do artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Já a relação de trabalho ocorre quando um dos requisitos do artigo citado não são preenchidos.
“Se todos os critérios forem preenchidos, menos o da assinatura na CTPS do empregado, deverá ser reconhecido o vínculo empregatício e será obrigação do empregador proceder com a anotação da CTPS em até 48 horas, sob pena de ser caracterizado fraude às normas trabalhistas brasileiras, que poderão ser denunciadas diretamente ao Ministério do Trabalho”, alerta a advogada.
Ainda de acordo com a especialista, no direito do trabalho existe um princípio muito importante, chamado ‘Primazia da Realidade’, que quer dizer que importa é o que realmente aconteceu na prática. Desta forma, quem trabalha sem carteira assinada não perderá nenhum direito.
“Deverá ter seus depósitos de FGTS efetuados, e será detentor de todos os outros direitos trabalhistas e previdenciários. Porém, a relação de emprego deverá ser comprovada por testemunhas, e-mails, extrato bancário que comprove o pagamento, crachá, etc”, completa.
DIREITOS
Além da prevenção e do cuidado com a saúde da mulher, existem algumas leis que beneficiam mulheres diagnosticadas com câncer de mama e que são pouco divulgadas. Clara Phileto listou algumas delas.
Lei da mamografia: determina que o SUS (Sistema Único de Saúde) assegure a realização de exame de mamografia para mulheres acima dos 40 anos, independentemente de existir doença ou não.
Lei da reconstrução mamária: garante a possibilidade de refazer a mama da mulher no mesmo procedimento cirúrgico da mastectomia (quando há a necessidade de remover a mama). “Se assim houver condições técnicas e clínicas para tal, pois todos sabem como é difícil para o psicológico de uma mulher remover os seios”, declara.
Aposentadoria por invalidez: também pode ser concedida à mulheres portadoras da doença, bem como o auxílio doença, caso a mulher tenha ficado temporariamente incapaz de trabalhar por mais de 15 dias consecutivos – em ambos os casos, a condição deve ser comprovada através do Exame Pericial do INSS.
Auxílio-Doença: caso a mulher tenha ficado temporariamente incapaz de trabalhar por mais de 15 dias consecutivos – em ambos os casos, a condição deve ser comprovada através do Exame Pericial do INSS.
Saque do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS): Pacientes com câncer ou que tenham dependentes portadores da doença podem também sacar o FGTS. Além disso, estarão também isentos ao Imposto de Renda relativo aos rendimentos de aposentadoria, reforma, pensão e complementações.