No auge dos seus 24 anos, Marina Mafra não percebia nada fora do habitual na sua rotina. Tanto que trabalhava normalmente, era casada, lia livros e fazia aulas de canto. Foi então que, em meados de 2012, começou a sentir formigamento nas pernas, um sintoma nada excepcional.
Na tentativa de resolver o incômodo, e por achar que era culpa do sedentarismo, Marina se matriculou em uma academia para se dedicar aos exercícios físicos. “Tentei me diagnosticar antes e, como eram sintomas simples e que não tinham muita explicação, não procurei um médico, mas o formigamento acabou piorando”, relembra, em entrevista à AnaMaria Digital.
Preocupada, ela resolveu ir até um pronto-socorro para ser avaliada por ortopedistas. Longe de ter uma melhora do seu quadro de saúde, o formigamento atingiu o seu ápice, causando a dormência completa da região das pernas.
Neste ponto, Marina já tinha sérios problemas de equilíbrio e em uma semana perdeu a capacidade de andar sozinha. Deu um ultimato aos médicos: “Em uma nova ida ao hospital, falei: ‘Não vou embora até que vocês me expliquem. Como que eu paro de andar do nada?’”
Depois de permanecer internada por algum tempo, e ter o caso acompanhado de perto por um neurologista, as primeiras suspeitas de Esclerose Múltipla (EM) começaram a surgir. O diagnóstico da doença, porém, só aconteceu alguns meses depois, quando Marina teve uma nova crise de formigamentos.
“Eu achava que esclerose era coisa de esclerosado, no termo que se fala que é louco, demente. Pensei: ‘Nossa, vou ficar louca. Já era! Acabou a minha vida com vinte e poucos anos’. Foi aí que o neurologista explicou que não tinha nada a ver, que não é de velho. Eu fiquei assustada porque era uma coisa que eu não conhecia”, relembra Marina.
MAS O QUE É ESCLEROSE MÚLTIPLA?
Trata-se de uma doença do sistema neurológico, caracterizada por ser autoimune, crônica e progressiva. Ou seja, as células responsáveis pela proteção do organismo atacam o Sistema Nervoso Central como se ele fosse uma espécie de ‘intruso’. Tal atividade acaba causando lesões em várias partes do cérebro e na medula óssea.
Silenciosa, a Esclerose atinge principalmente pessoas entre 20 e 40 anos, raramente revelando-se durante a infância ou terceira idade. De acordo com o neurologista e neurocientista Guilherme Sciascia do Olival, o ponto médio de manifestação dos sintomas no Brasil é por volta dos 34 anos.
“Não tem nenhuma evidência antes do desenvolvimento da doença, não está pré-determinado no DNA. Tanto que, no caso de gêmeos univitelinos, um pode desenvolver e o outro não”, explica o especialista.
COMO ACONTECE O DIAGNÓSTICO?
Segundo o neurologista, apesar da popularização da ressonância magnética no SUS (Sistema Único de Saúde) ter auxiliado na investigação da doença, seu diagnóstico ainda é muito dificultado. Isso porque não existe um exame específico para a EM, e os pacientes com suspeita são submetidos a uma série de exames, como de sangue, punção lombar e teste de função neurológica.
Entretanto, na maioria dos casos, o tempo entre uma crise e outra acaba sendo determinante na identificação da doença, que pode ser dividida em quatro tipos:
ESCLEROSE MÚLTIPLA RECORRENTE-REMITENTE – Formato mais comum de manifestação da doença. Nesta variante, os primeiros sintomas surgem por volta dos 20 anos de idade. As crises vão aumentando ao longo do tempo, mas podem ser contidas com tratamento.
ESCLEROSE MÚLTIPLA SECUNDÁRIA PROGRESSIVA – Apresenta sintomas de manifestação mais agressivos e também causa uma dificuldade cognitiva maior.
ESCLEROSE MÚLTIPLA PROGRESSIVA PRIMÁRIA – Costuma se manifestar tardiamente, por volta dos 40 anos de idade, com sintomas que têm piora progressiva.
ESCLEROSE MÚLTIPLA PROGRESSIVA RECORRENTE – Variação mais rara da EM. Marcada por uma maior frequência nas crises dos pacientes.
E QUAIS SÃO OS SINTOMAS?
Assim como aconteceu com Marina, a espera por respostas é uma das etapas mais complexas do processo. Isto se dá pelo ataque aleatório nas regiões do cérebro e medula, o que origina os múltiplos sintomas, o que, muitas vezes, acaba atrasando o tratamento do paciente, além do fato de a patologia ser causada por múltiplos fatores.
De forma geral, os sintomas mais comuns da Esclerose, que podem se manifestar de maneira diversa em cada indivíduo, são:
- Perda da visão
- Formigamentos
- Espasmos
- Falta de equilíbrio
- Perda de memória
- Fadiga
- Dores crônicas
Arte: Nayara Bardin.
EXISTE TRATAMENTO PARA A DOENÇA?
Basicamente, é possível seguir três linhas de medicamentos: os imunomoduladores, imunossupressores orais e os anticorpos monoclonais. De acordo com o quadro de cada paciente, o neurologista responsável irá encaminhar para uma categoria de medicação.
Por se tratar de uma doença rara, na sua grande maioria, os medicamentos previstos para a EM custam caro, podendo chegar aos R$ 5 mil mensais. Atualmente, algumas drogas já foram integradas no sistema do SUS, podendo ser retiradas gratuitamente.
Além dos recursos farmacológicos, terapias de apoio também são essenciais em alguns casos de EM. Realizar atividades como fisioterapia, fonoterapia, terapia ocupacional e apoio psicológico são importantes para o tratamento da doença. “Como minha crise acometeu a função da perna, eu preciso de fisioterapia para sempre. É igual a academia, se eu paro o equilíbrio já muda”, relata Marina.
COMO SEGUIR A VIDA?
Foto: Instagram/ @resenhandopormarina
O diagnóstico de EM não é sinônimo do fim. Para Marina, na verdade, foi um novo começo. Depois das mudanças que a doença propôs à sua rotina, a jovem se voltou para alguns projetos literários. Atualmente, os esforços dela na área da literatura renderam um perfil de Instagram literário com mais de 93 mil seguidores, um blog e um livro sobre Esclerose Múltipla escrito por ela, o ‘De Repente Esclerosei’.
Na trama, que terá uma nova versão lançada pela editora Martin Claret, a autora reúne aspectos da vida real com ficção, retratando a realidade de pacientes diagnosticados com EM.
“O livro me ajudou a entender melhor o lado do outro, essa coisa da gente não ficar doente sozinho. Hoje eu tenho mais paciência quando as pessoas me passam outras teorias, sei explicar melhor porque que eu não quero segui-las, isso tudo me fez ficar mais calma para enfrentar o que eu tenho e também para conseguir ensinar alguma coisa para alguém, eu aprendo junto”, afirma.