Viver a maternidade é um dos momentos mais aguardados para algumas mulheres. Mas, e se ao dar à luz, essa experiência se tornasse impossível? Aliás, viver se tornasse impossível? É exatamente isso que o filme ‘Ela e Eu’, que estreia nesta quinta-feira (21), traz à tona logo na primeira cena.
O longa-metragem conta a história de Bia (Andréa Beltrão), uma mulher que fica 20 anos em coma após dar à luz Carol (Lara Tremouroux), fruto do casamento com Carlos (Eduardo Moscovis). Durante todo esse período, a família seguiu suas vidas, mas sempre a inserindo nos momentos importantes, ainda que ela estivesse inconsciente e acamada.
No entanto, essa situação chega ao fim quando Bia recobra a consciência e precisa reaprender a viver, quase como se fosse uma criança. Ou seja, precisa redescobrir como falar, andar e sentir. E, como se não fosse o suficiente, ela ainda precisa se relacionar com sua filha, seu marido e a atual esposa dele, Renata (Mariana Lima).
Isto é, a trama tem tudo para ser dramática, tensa e pesada, envolvendo o cuidado com uma pessoa doente e as alterações que ocorrem ao seu redor, além de promover reflexões sobre como criar laços com uma filha adulta, como viver em um ‘trisal’ e, por fim, como ser feliz da maneira como se era antes.
OUTRA PEGADA
Gustavo Rosa de Moura, diretor e roteirista do filme, afirmou que a ideia inicial era tratar o tema de uma maneira cômica, como uma “comédiona”, como ele mesmo disse na pré-estreia do filme. A pergunta que fica é: dá para falar de um assunto tão delicado de maneira engraçada? Não!
Tanto que o roteiro passou por alterações após a entrada de Andréa Beltrão no elenco, que deu várias ideias de como deixar o drama muito mais leve do que podemos esperar ao ler a sinopse. De forma geral, o elenco não deixa o filme pesado e até a cena mais tensa do filme ganha um toque de graça. Mas, o destaque fica mesmo para Andréa, que faz uma interpretação cheia de pitadas de humor durante todo o longa-metragem.
A atriz consegue mostrar a evolução de Bia de uma maneira muito delicada e sensível, no entanto, de maneira divertida. Bia se transforma e, como se fosse uma criança mesmo, mostra o que quer e o que não quer, seja pedindo uma cervejinha no fim de tarde ou largando as atividades físicas da recuperação para dar uma espiada no que acontece pela praça. Ela já não é a mesma pessoa de 20 anos atrás. E sabe disso. Assim, prefere viver a simplicidade do dia a dia, de maneira que traz leveza para a nova vida da protagonista e para o longa.
O escape da descoberta difícil da convivência com a nova família fica por conta de sua cuidadora, a enfermeira Sandra (Karine Teles). Juntas, elas formam uma amizade sincera, de muita cumplicidade, como se fossem conhecidas há muito tempo – o que não deixa de ser verdade, afinal, a profissional cuidou de Bia ao longo de todos os últimos anos. Fica claro que o afeto de um cuidador pode ser tão especial quanto o de um familiar.
Eduardo Moscovis também atua com uma sensibilidade muito admirável. Não há espaço para o perfil de um homem durão, que não se importa com a mãe da filha em coma. Muito pelo contrário, ele se deixa sentir as emoções que a volta de Bia lhe traz. Lara Tremouroux, por sua vez, consegue transparecer os dilemas de sua personagem, sendo o toque de modernidade que o enredo precisa e o equilíbrio para o ambiente familiar. Já Mariana Lima não deixa a desejar com uma personagem empoderada, feminina, que sabe tudo o que a volta da ex de seu marido pode agregar à sua vida.
Fato é que, se você pensa que o filme é mais um drama para refletir e chorar, está muito enganado. Eu mesma me enganei. Claro que traz algumas reflexões – umas mais profundas que as outras -, mas não se resume a isso. Gustavo e o elenco provaram que é possível tratar de assuntos delicados com muita suavidade, sem perder o toque de humor.