Uma influenciadora digital de apenas 22 anos se tornou o centro de uma polêmica ao compartilhar sua experiência de “venda” da íris do olho para a empresa Tools for Humanity (TFH), recebendo R$ 650 em troca. No entanto, os desafios enfrentados por ela após essa transação não eram o que havia previsto.
Em um relato divulgado nas redes sociais, Caroline Vieira detalhou as complicações decorrentes do acordo, incluindo diversas cláusulas, taxas e regras que surgiram após a coleta dos dados biométricos. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, ela revelou: “Consegui 196 reais após 24 horas. Depois dessa primeira parcela, o restante pode ser disponibilizado em criptomoedas, em até 11 parcelas. O valor mensal não chega a R$ 50”.
A jovem explicou que o pagamento é realizado por meio da criptomoeda Worldcoin, que atualmente tem cotação em torno de R$ 13 por unidade. No entanto, cada saque de dinheiro real implica uma taxa de R$ 10.
Antes do procedimento de coleta, os participantes assistem a um vídeo informativo que assegura que os dados dos usuários não são armazenados, mas utilizados para confirmar a identidade do usuário. Caroline relatou: “Para iniciar o processo, é necessário conectar o celular à rede Wi-Fi da empresa e assistir a algumas imagens explicativas sobre a coleta. Fiquei apreensiva porque é algo novo, mas as explicações são tão tranquilizadoras que você acaba não pensando muito na hora”.
A divulgação desse tipo de prática tem ganhado força nas redes sociais, com publicações em plataformas como Instagram e TikTok promovendo a “venda da íris” como uma oportunidade rápida de gerar renda. Caroline compartilhou seu processo em vídeo, motivada pela necessidade financeira e pela falta de recursos para investir em um empreendimento próprio.
O sucesso do seu vídeo foi imediato; em apenas três horas, ele acumulou mais de três milhões de visualizações e atualmente atrai mais de 80 mil seguidores para seu perfil. “Eu esperava um retorno financeiro significativo, mas me surpreendi com a repercussão negativa que recebi. Na minha mente, estava fazendo algo inofensivo”, afirmou Caroline.
Após essa experiência, incentivada pelo engajamento obtido nas redes sociais, a influenciadora decidiu investigar os riscos associados à venda de seus dados pessoais sem compreender completamente suas implicações. Ela expressou preocupação quanto ao uso futuro das informações coletadas.
Em um vídeo no TikTok, Caroline declarou que o que realmente fez a venda valer a pena foi a monetização gerada pelo seu conteúdo viralizado, e não propriamente a transação em si. Quando questionada sobre suas preocupações futuras, ela não escondeu seu receio: “Agora que compreendi melhor a natureza da empresa, sim, considero isso perigoso. Tenho medo do que podem fazer com minha íris no futuro”.
A venda da íris do olho
A operação de escaneamento da íris é realizada pela empresa World, responsável pela criação da World ID. A Tools for Humanity opera essas atividades e possui sedes em San Francisco (EUA) e Munique (Alemanha). Para participar do escaneamento, os interessados devem baixar o aplicativo World App e agendar um atendimento em um local físico designado. Nesse ponto, uma câmera chamada Orb realiza o escaneamento dos dados biométricos.
A expectativa é que todo o processo dure cerca de 10 minutos desde a chegada do cliente até o envio dos dados escaneados ao aplicativo no celular do usuário. A verificação diante da câmera leva menos de um minuto.
Até agora, aproximadamente 400 mil brasileiros participaram do projeto e mais de um milhão possuem conta no World App, possibilitando transações com a criptomoeda desenvolvida pela companhia.
Privacidade e proteção de dados
Recentemente, o aplicativo desenvolvido pela empresa Tools for Humanity, vinculado ao protocolo World, ganhou destaque no Brasil ao registrar mais de um milhão de downloads. Entre os usuários, cerca de 400 mil já completaram a chamada “verificação da humanidade”, um procedimento que utiliza a biometria da íris como forma de autenticação, similar às impressões digitais, porém com uma precisão superior.
Segundo Nathan Paschoalini, pesquisador da Data Privacy Brasil, a íris possui características únicas que permanecem inalteradas ao longo da vida, exceto em casos excepcionais. “Cada pessoa possui uma íris única, que atua como um identificador extremamente preciso”, explica Paschoalini.
No entanto, essa inovação não vem sem preocupações. Karen Borges, gerente adjunta da Assessoria Jurídica do NIC.br, expressa receios sobre a utilização dos dados coletados. “Ainda não sabemos como essas informações podem ser manipuladas em conjunto com algoritmos avançados e inteligência artificial. Isso pode abrir espaço para abusos e violações”, alerta.
Após realizar o escaneamento da íris, os usuários são recompensados com tokens conhecidos como Worldcoins, que são criptomoedas da plataforma e cuja cotação varia constantemente. De acordo com informações disponíveis na Coinbase, a moeda estava avaliada em R$ 13,22.
Embora o processo pareça simples e atrativo, especialistas enfatizam que a coleta de dados biométricos apresenta riscos significativos para a privacidade e segurança das informações pessoais. Paschoalini destaca que o fornecimento de dados tão sensíveis requer uma reflexão profunda por parte dos indivíduos. “Estamos lidando com dados que podem identificar uma pessoa por toda a sua vida; portanto, a cautela é essencial ao consentir com sua coleta”, adverte.
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) classifica a íris como um dado biométrico sensível. Para seu tratamento legalmente permitido, é necessário obter consentimento explícito do usuário. Contudo, Paschoalini salienta que esse consentimento deve ser qualificado e plenamente informado.
“É importante que as pessoas compreendam o contexto em que estão fornecendo seus dados biométricos e quais são as implicações disso. A compensação financeira pode levar a uma interpretação errônea do consentimento”, ressalta.
Borges complementa essa visão ao afirmar que o pagamento em troca de dados pode ser interpretado como uma exploração de grupos vulneráveis. “O apelo financeiro pode ofuscar os riscos envolvidos, como o vazamento de informações críticas”, afirma.
Rodrigo Tozzi, chefe de operações da Tools for Humanity no Brasil, defende que não há pagamento direto pelo escaneamento da íris. “Os usuários têm a opção de serem recompensados com unidades de um ativo virtual chamado Worldcoin após completar o processo”, esclarece Tozzi.
Além disso, Paschoalini aponta preocupações sobre a segurança dos dados armazenados pela empresa. “Se os dados não forem devidamente protegidos e anonimados, há risco real de violação dos direitos individuais e problemas na autenticação das pessoas”, enfatiza.
A transparência no tratamento dos dados também é uma questão central levantada por Borges. Segundo ela, os indivíduos devem estar cientes do uso que será dado aos seus dados pessoais e ler atentamente os termos de consentimento antes de concordar com qualquer procedimento.
A Fundação World Foundation reafirma seu compromisso com a conformidade legal e a proteção da privacidade dos usuários. Em declarações recentes à Agência Brasil, foi informado que os dados biométricos são criptografados e armazenados em nós operados por instituições confiáveis, garantindo anonimização efetiva.
Diante das preocupações sobre os riscos associados à coleta de dados biométricos, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) instaurou um processo para investigar o projeto World ID e seu impacto no tratamento dessas informações sensíveis. A ANPD requisitou esclarecimentos à Tools for Humanity sobre as práticas adotadas durante o escaneamento da íris.
A ANPD enfatiza que a coleta e tratamento de dados pessoais sensíveis requerem um regime de proteção rigoroso devido aos riscos envolvidos. As investigações continuam em andamento enquanto as autoridades buscam garantir a proteção dos direitos dos titulares desses dados.
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