Pessoas com necessidades específicas, como a Síndrome de Down, podem desenvolver algumas limitações. Crianças, por exemplo, apresentam hipotonia orofacial, ou seja, a diminuição da força muscular, e ainda têm mais dificuldade em desenvolver uma mastigação efetiva. Isso a torna seletiva com os alimentos, fazendo com que, em casos mais graves, se recusem a ingerir alimentos sólidos.
Por conta disso, é extremamente importante iniciar um trabalho para adequar o sistema oral a aceitar diversas texturas em sua boca, principalmente alimentos mais duros e sólidos.
A fonoaudióloga Carla Deliberato explica que o início da introdução alimentar complementar deve ser guiado pelo pediatra da criança. Isso acontece a partir dos seis meses de idade, conforme o recomendado pela Sociedade Brasileira de Pediatria. Segundo ela, alimentos na textura pastosa tendem a ser melhores aceitos nesta fase, pois o bebê ainda apresenta muitos movimentos anteriorizados de língua.
“Quando a criança é estimulada adequadamente, aos 8/9 meses de vida, já consegue dar conta de alimentos com grumos e semi-sólidos, pois desenvolveu movimentos de lateralização de língua que são muito importantes para desenvolver a mastigação. Desta forma, de forma gradativa vai aceitando alimentos mais duros e que exijam maior esforço de toda musculatura que envolve a mastigação”, diz.
POR QUE ISSO ACONTECE?
Pessoas com Síndrome de Down podem apresentar acometimentos motores e funcionais graves em regiões relacionadas ao processo da deglutição, por conta de suas características morfológicas. Situações onde a comida escorre pelos lábios, movimentos de cuspe e engasgo, dificuldades na aceitação dos alimentos, assim como na mastigação de coisas mais duras e fibrosas podem acontecer.
“Quem não mastiga de forma efetiva tem mais chance de se engasgar, e as crianças que apresentam engasgos recorrentes podem apresentar broncopneumonia por aspiração de alimento nas vias aéreas”, completa a especialista.
Outro fator é que, em muitos casos, a exposição frequente a cirurgias corretivas de defeito cardíaco congênito podem ter complicações que necessitem de ventilação, internação por período prolongado, uso de sonda para alimentação, entre outros. Essas tornam-se condições de risco para problemas de disfagia, podendo causar déficits nutricionais, desidratação, comprometimento sensório-motor e aspiração traqueal, a qual representa risco para o estado de saúde geral do paciente.
Ao sair do leite materno, é preciso mostrar aos bebês que há outros prazeres orais além do peito. “Desta forma, é importante que ele explore bastante a sua boca, seja quando leva a sua mãozinha até ela, ou quando usa objetos e mordedores específicos. Assim que a cavidade oral do bebê é devidamente estimulada e preparada, ele consegue realizar a introdução alimentar complementar com muito mais sucesso”, garante.
COMO TRATAR?
Embora a recusa seletividade alimentar não seja uma característica exclusiva das pessoas com Síndrome de Down, essa é uma dificuldade de muitos pais no período. De acordo a especialista, existem vários fatores capazes de prejudicar essa fase, porém crianças com trissomia ainda têm os fatores fisiológicos.
“Tenho um caso prestes a receber alta de uma criança com Down que se alimentava com tudo, porém em sopas e bem triturados. Cozidos e cortado em pedaços não aceitava. Com o tratamento, passou a mastigar e já aceita os alimentos fibrosos e duros. Um alívio para os pais que já não encontravam soluções efetivas”, comenta.
Lucas Keidel (Foto:Arquivo Pessoal)
O caso é o do pequeno Lucas Keidel, de 5 anos. Mariana Keidel Freitas, mãe do garoto, conta que ele não ingeria quase nenhum alimento e tinha episódios de ânsia de vômito, fato que prejudicava seu desenvolvimento.
“Até os 4 anos ele teve uma melhora, mas ainda tinha dificuldade na mastigação, aceitação de alimentos sólidos e introdução de novos alimentos. Esse foi o motivo que nos levou a procurar uma fono especialista em recusa alimentar e foi aí que conhecemos a Carla, que nos ajudou muito em todo esse processo”, entrega.
Após oito meses de acompanhamento, Mariana destacou uma melhora evidente na alimentação de Lucas, principalmente para comer alimentos sólidos: “Recebemos orientações de como ampliar a aceitação de novos alimentos e também dicas para diversificar as texturas e evoluir para os sólidos. O importante é continuar a estimulação em casa e na escola também. É um trabalho em conjunto”.
Para quem segue com a mesma situação em casa, a mamãe indica que os pequenos participem de tudo: desde o preparo da comida, até as costumeiras refeições em família. “Sempre ofereça alimentos novos de formas e texturas diversas. Caso o problema persista, busque orientação de um profissional especializado. Quanto mais cedo a intervenção, melhor”, aconselha.
Lucas Keidel (Foto:Arquivo Pessoal)
A especialista acrescenta que, hoje, ele consegue mastigar sem rejeitar os seguintes alimentos: carne, frango, peixe e outros fibrosos e duros, que exigem bastante esforço mastigatório. Ao longo de todo o processo, sempre foi valorizado e estimulado o contato direto da criança com o alimento.
“Foram feitos exercícios específicos envolvendo o sistema sensório motor oral e atividades terapêuticas, como o preparo de alimentos na mini cozinha do consultório. Todo esse treino também foi orientado e passado para que a família desenvolvesse em casa. Isso permitiu que o Lucas apresentasse toda a evolução que precisava”, avalia.
É PRECISO DAR O EXEMPLO
As refeições da criança com sua família devem ocorrer de forma tranquila, pois será nesse momento em que a ela terá oportunidade de aprender e conhecer mais sobre os alimentos, como indica Carla.
“Comer é um ato aprendido e os pais precisam dar modelos muito positivos durante as refeições com seu filho. De nada adianta exigir que a criança coma verduras se a própria família não consome esse alimento ou se até mesmo faz cara feia quando se depara com a verdura, por exemplo”, ressalta.
Se desejamos que a criança interaja e aceite um alimento diferente, é preciso estimulá-la a cheirar, tocar e lamber esse alimento antes de insistir para que ela o coloque logo na boca: “Também não é positivo distrairmos a criança com músicas e desenhos em celulares durante as refeições, pois não favorecemos a interação dela com os alimentos, algo fundamental para o aprendizado alimentar”.
A fonoaudióloga aponta ainda que é preciso redobrar o cuidado com as crianças portadoras de Down, já que apresentam tendência à obesidade por conta de alterações endocrinológicas.
“Se os hábitos alimentares não estão adequados, se a criança apresenta uma seletividade alimentar importante e ela come muito carboidrato, por exemplo, não há alimentação balanceada. Isso também pode contribuir para um ganho de peso e favorecer a obesidade. Nestes casos, torna-se fundamental um acompanhamento médico com nutrólogo e também com endocrinologista”, alerta.