“Tinha 22 anos e, na época, trabalhava no RH de uma multinacional americana. No primeiro dia de férias, amanheci bem gripada. Fui internada e fiquei 32 dias tratando uma pneumonia necrosante e respirando por aparelhos. Fui liberada e continuei o tratamento em casa por mais 30 dias. Ao ter alta, voltei a trabalhar e no dia seguinte fui internada com pancreatite, que necrosou a cauda do pâncreas. E foi aí que um médico, ao ouvir toda a minha história, suspeitou que eu pudesse ter fibrose cística”, conta Verônica Stasiak Bednarczuk, atualmente com 33 anos.
A fibrose cística (FC) é uma doença hereditária considerada grave, que acomete crianças, causando distúrbios nas secreções de algumas glândulas. Como o gene é defeituoso, a proteína dele faz com que o corpo produza um muco de 30 a 60 vezes mais espesso que o normal, o que leva ao acúmulo de bactéria e germes nas vias respiratórias, podendo causar inchaço, inflamações e infecções como pneumonia e bronquite, trazendo danos aos pulmões.
A psicóloga conta ter sempre apresentado graves problemas de saúde, com uma média de cinco pneumonias por ano desde o seu nascimento, mas o fato não chamou tanto a atenção. “Ao sair do hospital, fiz o teste do suor, considerado padrão ouro pro diagnóstico da doença. O valor de referência era 60, meu resultado deu 199. Fui então diagnosticada com FC quatro dias após completar 23 anos de idade”, explica.
De acordo com dados do Ministério da Saúde, no Brasil a doença aparece em 1 a cada 10 mil nascimentos, sendo mais comum casos em pessoas de cor branca.
O pneumologista Humberto Bogossian, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo (SP), explica que o problema requer atenção: “Ela abrevia a sobrevida do paciente e atinge um ou mais órgãos. Pode acometer pulmão, seios da face, pâncreas e o aparelho reprodutor masculino. Tem uma taxa elevada de cloro no suor e essa alteração genética vai levar a uma alteração na membrana que faz a eliminação do cloro nas secreções”.
DIAGNÓSTICO
Quando Verônica nasceu, a fibrose cística ainda era um universo pouco explorado, o que fez com que a família demorasse a descobrir as causas de seu problema. Somente em 2001, finalmente a patologia foi incluída no teste do pezinho, que é primordial no diagnóstico precoce de doenças congênitas e genéticas ainda em bebês.
Bogossian diz que as primeiras manifestações da doença acontecem logo na infância, geralmente por volta dos dois anos de idade. ” A maioria apresenta questões respiratórias, intestinais e, em alguns casos, pode ter mau funcionamento do pâncreas, mas este não é tão comum”, afirma.
De forma geral, segundo o especialista, os sintomas da fibrose cística podem ser facilmente confundidos, o que mascara o diagnóstico correto. Mas existem alguns caminhos para obter a resposta certa.
“Primeiro tem o teste do suor, onde é feita uma pesquisa de cloro no suor. Outra coisa é a apresentação clínica, aquele paciente que está tendo infecção respiratória de repetição, crises de bronquite, tem que ir atrás de exames que sugerem a alteração da membrana que conduz o cloro. Também é feita a pesquisa da mutação genética por meio de exame de sangue”, explica Bogossian.
‘UNIDOS PELA VIDA’
Verônica conta que, apesar do problema de saúde, sempre tentou levar a vida o mais normal possível. Diz, inclusive, ter sido uma criança extremamente feliz e brincalhona, além de uma adolescente cheia de amigos e uma jovem super ativa.
Contudo, aos 18 anos, ela descobriu que parte de seu pulmão direito não funcionava mais e que o único tratamento possível seria uma cirurgia para retirar o lobo superior, que estava ‘calcificado’ pela imensa quantidade de pneumonias. O nome da doença que ela havia desenvolvido era ‘bronquiectasia’.
A expectativa dos médicos e de sua família era de que a retirada de parte do órgão seria a “solução dos problemas” e que, a partir disso, ela não teria mais tantas pneumonias. Mas a confirmação da Fibrose Cística veio anos depois.
A doença estimulou Verônica a ajudar outras pessoas que também passavam pelo mesmo problema.
Após descobrir a doença, ela decidiu criar o ‘Unidos pela Vida’, que inicialmente era um blog onde ela contava suas experiências e conhecia pessoas da mesma realidade. No final de 2011, o Instituto tomou forma e se tornou uma associação civil sem fins lucrativos.
TRATAMENTO
Apesar da doença não ter cura, é possível controlá-la tratando todos os quadros infecciosos de forma correta. No caso do pulmão, por exemplo, existem moduladores, que são remédios que ajudam a melhorar este transporte do cloro e vão melhorar a membrana.
“Também existem medicamentos que vão ajudar a deixar essa secreção mais fluida, são inalatórios específicos para a fibrose e esses medicamentos deixam essa partícula, que é muito espessa, mais fácil de o paciente eliminar. A gente pode fazer inalação com broncodilatadores, com solução salina hipertônica e, em alguns pacientes, você pode usar antibiótico inalatório a longo prazo”, pontua Bogossian.
Além disso, o especialista recomenda que o paciente também faça fisioterapia, exercícios e toda a vacinação preventiva para doenças como a gripe e pneumonia.
“Da parte pancreática, é preciso monitorar como está a absorção dos nutrientes, existem as enzimas que podem substituir o pâncreas”, completa.
Após receber o diagnóstico correto, Verônica contou que tudo mudou: “Com ele, pude de fato saber o que eu tenho e cuidar adequadamente. Hoje, faço tratamento diário que inclui atividade física, fisioterapia respiratória, inalação, ingestão de medicamentos como corticóide, antibiótico, polivitamínicos, entre outros”, diz.
MÃE
As mulheres com Fibrose Cística podem apresentar fertilidade um pouco abaixo do normal. Isso acontece devido ao muco cervical que reveste a entrada do útero. No caso das portadoras da doença, esse muco é mais espesso e acaba funcionando como um ‘tampão’ que dificulta a passagem dos espermatozoides.
Não foi o caso de Verônica: “Graças ao tratamento, pude também realizar o sonho de ter uma filha, Helena, que nasceu em dezembro de 2018″.
Verônica e a filha, Helena FOTO: Arquivo Pessoal
Apesar das limitações, a psicóloga segue cheia de sonhos e planos. “Quero ter saúde o suficiente para ver minha filha crescer, se desenvolver e realizar todos os sonhos que quiser. Para o Unidos pela Vida, desejo que nossa instituição cresça cada vez mais, cercada de pessoas que queiram trabalhar pela nossa causa e que juntos possamos melhorar a qualidade de vida das pessoas com Fibrose Cística do Brasil”, conclui.