“Fui fazer um teste [de elenco] e contei 21 testados não atores. O menino que estava do meu lado me contou que foi escalado pelo Instagram. Aquilo foi me dando uma agonia”, relata Pablo Oliveira sobre uma situação que vivenciou na carreira artística. O ator, que é diretor do SATED, o Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos e Diversões, conversou com AnaMaria Digital sobre a presença de influenciadores em novelas, dizendo que atuar “é uma profissão e você precisa estar apto para exercê-la.”
Com participações especiais em ‘Malhação’, ‘Rock Story’, ‘Babilônia’ e ‘Zorra Total’, todas da TV Globo, Pablo também fundou a companhia de teatro ‘Cia Nós do Asfalto’. Ele avalia ser um problema o fato das emissoras escalarem pessoas não formadas na arte da atuação para interpretar personagens em novelas. No entanto, avalia que o interesse de produtoras chamarem influenciadores para esses trabalhos – trazendo o público deles para a televisão – acaba passando por cima disso.
“Eles [influenciadores] falam: ‘Ah, mas você tem que entender que a oportunidade [de atuar em uma novela] bateu na minha porta e eu vou agarrar’. Então quer dizer que se tua mãe está com câncer e você me liga para operar o câncer dela, eu posso? Não tem lógica, né? É preciso respeitar a regulamentação e o espaço do outro, porque é uma profissão e você precisa estar apto para fazer isso, fora o fato de já termos atores super talentosos”, compara Pablo Oliveira.
O ator explica que, por trás da contratação de personalidades da internet para atuar em novelas – como foi o caso de Jade Picon em ‘Travessia’ – está o interesse de emissoras em levar o público do ambiente digital de volta para a televisão, atrás ad audiência perdida. “A Globo quer o público que a Jade [Picon] carrega, porque eles precisam vender. Nós [atores] somos produtos para eles, e se a gente estiver vendendo, fica ali. Se você não vende, não vai estar. Mas acho um absurdo ser escalado pelo número de seguidores, porque isso não mede talento”, explica.
Pablo Oliveira conta que, diferentemente do que acredita o senso comum, os atores não estão contra influenciadores e acreditam que podem, sim, integrar a profissão. No entanto, é preciso estudar antes, para ser um especialista na área: “Eu não quero entrar em polêmica e nem brigar. Quero apenas que o meu espaço seja respeitado, porque estudei e sofri. A minha avó ralou muito para pagar meus estudos e me levar para os lugares. Às vezes, eu saía 1h da manhã do teatro e chegava em casa às 3h, esperando a condução.”
RESPONSABILIDADE DOS ARTISTAS?
Ao mesmo tempo, Pablo Oliveira fala que muitos artistas não se movimentaram diante das mudanças no mercado de trabalho. Para ele, agora é o momento de “correr atrás do prejuízo”. “Nós [artistas] sempre fomos influenciadores e formadores de opinião. Só que o ator começou a se sentir chateado porque os influenciadores são a bola da vez e não se movimentou para influenciar – o que ele já fazia usando a arte – através da ferramenta chamada internet. Penso que os atores também estão errados em ficarem no seu sofá reclamando sem fazerem nada”, critica.
Ver essa foto no InstagramPROPAGANDA
Na visão de Pablo, os artistas deveriam se juntar e criar estratégias utilizando as redes sociais, para despertar o interesse do público e dos contratantes. “Estudar um livro e ficar intelectual não é suficiente mais, você tem que produzir”, afirma.
ATUAÇÃO NO SINDICATO
Ao mesmo tempo, Pablo Oliveira comenta que dificilmente os atores querem se expor sobre estas situações, fazendo as denúncias sobre irregularidades de forma anônima para não se indispor com grandes emissoras. Ele, inclusive, diz ser um dos poucos profissionais de hoje que “bota a cara a tapa” e lamenta a falta de manifestação por parte dos colegas.
Ao mesmo tempo, procura trazer uma roupagem e ideias novas para o sindicato que, segundo ele, é uma instituição muito antiga e com pensamento bastante atrasado. “A internet, por exemplo, é algo que está assustando os diretores de sindicato, que não entendem que ela chegou para ficar. É uma briga de cachorro grande todos os dias, de tentar levar o novo para o que é antigo e ainda tem muita coisa que precisa mudar”, explica.
PROFISSÃO DIFÍCIL
Diferentemente do glamour que costuma ser associado à profissão de ator, Pablo Oliveira fala que ser artista no Brasil tem suas dificuldades. Segundo ele, o país não valoriza a classe artística, e dá os exemplos de atrizes renomadas, como Dercy Gonçalves e Fernanda Montenegro, que já foram desrespeitadas e rotuladas como “prostitutas” ou “pessoas do mundo”.
Questionado sobre a necessidade de DRT, certificação exigida para atores e atrizes em trabalhos profissionais em emissoras de TV, produtoras de Cinema e Publicidade, estúdios de Dublagem, e todas as áreas de atuação a nivel profissional no Brasil – enquanto nos Estados Unidos, em Hollywood, não existe nada similar – Pablo defende a prática: “Nós somos um país com uma facilidade enorme de escravizar pessoas, essa é a verdade. E regulamentado já fazem isso, como o pessoal que estava trabalhando escravizado lá no Sul [caso das vinícolas]. Então, acredito que precisamos ter, sim, uma regulamentação.”
NA PANDEMIA
A dificuldade pela qual os atores passam foi acentuada na pandemia, época na qual os teatros estavam fechados e os sets de gravação, que costumam juntar vários profissionais, não poderiam aglomerar pessoas. Diante desta situação, Pablo, que estava trabalhando em Portugal, precisou voltar ao Brasil e se viu sem trabalho, com as reservas acabando e duas crianças em casa.
Após quase ser despejado, ele encontrou uma saída em sua formação em Jornalismo para gerar renda. Lembra, porém, que foi um momento triste de sua vida, pois não gostava da área: “Chorava todos os dias.” A situação ficou ainda pior quando ele e a esposa, Thamires Galvão, se contaminaram com covid-19 e chegaram a parar no hospital.
VIDA DE ARTISTA
“É uma carreira tão sensível e delicada que, do ruim, fazemos uma coisa boa”, diz Pablo Oliveira sobre ser ator. Para ele, a profissão possui um lado lindo de encarar situações desfavoráveis pelo lado positivo. Como exemplo, ele explica o surgimento da expressão “muita merda para você”, utilizada no teatro como sinônimo de sorte.
“Os atores sempre foram a ralé. Na época do teatro antigo, o termo ‘merda’ surgiu porque o camarim dos atores ficava onde deixavam os cavalos. Então, se você olhava para a janela e visse muita merda, era porque o teatro estava cheio. Ou seja, se tem muita merda, é um sinal de sorte, e usaram isso ao seu favor. É daí que se fala merda para desejar boa sorte”, conta.
PLANOS PARA O FUTURO
Após anos fazendo teatro infantil e dedicando-se à comédia, o ator conta ter um novo projeto: uma peça de teatro dramática chamada ‘Crispim’, que aborda o tema da loucura por meio de um monólogo.
Ele conta que estuda o tema há mais de cinco anos devido a sua própria história: “Tive depressão e, em determinado momento da minha vida, ela ficou tão forte que a minha família precisou me internar. Fiquei um dia e meio dentro de um hospital psiquiátrico aqui no Rio de Janeiro e não desejo isso para ninguém”.
Pablo Oliveira conta que sua peça aborda o Hospital Colonial de Barbacena, onde morreram mais de 60 mil pessoas, de modo que o local recebeu a alcunha de “holocausto brasileiro” no livro-reportagem da jornalista Daniela Arbex.
“Esse monólogo é um trabalho muito delicado. O personagem que eu vou dar vida foi internado sem uma loucura. Ele vai ficando louco no meio do espetáculo e começa a conversar com ele mesmo, cria uma segunda personalidade. O intuito é educar a sociedade para o que acontece debaixo dos nossos narizes”, diz, dando um spoiler sobre o que está por vir.
“Eu comecei a me aprofundar nesse universo. Sem medo de errar, eu vou entregar neste espetáculo o que eu não entreguei a minha vida inteira, porque eu nunca estudei tanto para um tema”, finaliza Pablo Oliveira, animado com o novo projeto.