No cenário contemporâneo, o termo “racismo estrutural” tem ganhado cada vez mais destaque, impulsionado por eventos midiáticos, como a entrevista de Wanessa Camargo no ‘Fantástico’ e o BBB no geral. O termo tem sido utilizado para destacar como muitas de nossas atitudes, mesmo que de forma inconsciente, perpetuam o racismo com base em ideias enraizadas há muito tempo – todas moldadas por um sistema que historicamente oprimiu a população negra.
Mas, afinal, o que é racismo estrutural? AnaMaria te explica: em sua essência, a nomenclatura refere-se a um sistema de desigualdade racial enraizado nas estruturas sociais, políticas, econômicas e culturais de uma sociedade. Diferente do racismo individual, que se manifesta em atos discriminatórios cometidos por indivíduos, o racismo estrutural é mais sutil e difuso, permeando todas as instituições e relações sociais.
O BBB E O RACISMO ESTRUTURAL: CASO WANESSA CAMARGO
Um exemplo para entender como o racismo estrutural se manifesta aconteceu nesta edição do BBB 24. Quando Wanessa Camargo fez o comentário “Já conseguiu a faculdade, o que tá fazendo aqui?”, referindo-se a Davi, ela não estava necessariamente reproduzindo ativamente estereótipos racistas, mas sim reforçando uma perspectiva enraizada em nossa sociedade.
Essa perspectiva, que pode parecer natural para algumas pessoas, é moldada por séculos de injustiças e desigualdades raciais. No contexto histórico, especialmente no século XVIII, o acesso à educação era negado à população negra, restringindo suas oportunidades de ascensão social. Portanto, quando Wanessa questionou por que Davi ainda estava no programa após ter conquistado a faculdade, ela refletiu uma mentalidade que associa o sucesso educacional à exclusão racial.
Além disso, quando Wanessa rotula Davi como agressivo e expressa medo dele, isso ilustra como o racismo estrutural influencia as percepções e interações interpessoais. Isso porque as pessoas negras são frequentemente estereotipadas como ameaçadoras, perigosas ou violentas, independentemente de seu comportamento real.
Essas percepções são moldadas por narrativas históricas que retratam as pessoas negras como selvagens, criminosas ou inferiores. Esses estereótipos são perpetuados ao longo do tempo por meio de representações na mídia, política e cultura popular, contribuindo para a marginalização e a discriminação sistemática da comunidade negra.
Quando Wanessa associa Davi a essas características negativas, ela não está apenas expressando seus próprios preconceitos individuais, mas também refletindo e reforçando padrões de discriminação arraigados na sociedade. Essas atitudes têm consequências significativas, pois podem influenciar a maneira como o baiano é tratado e percebido por outros participantes do programa e pelo público em geral.
Leia: Wanessa debocha de Davi: “Já conseguiu a faculdade, o que está fazendo aqui?”
O RACISMO ESTRUTURAL COMO FORMA DE NÃO SE RESPONSABILIZAR
O racismo estrutural pode ser utilizado como uma forma de desviar a responsabilidade individual por atos racistas ou comentários discriminatórios. Em vez de reconhecer e enfrentar suas próprias atitudes preconceituosas, algumas pessoas podem optar por atribuir tais comportamentos a um sistema mais amplo de desigualdade racial.
No caso de Wanessa Camargo, em vez dela assumir a responsabilidade por suas palavras e reconhecer seu papel na reprodução do racismo, a cantora atribuiu suas ações ao racismo estrutural. Essa abordagem permite que indivíduos evitem abordar sua própria participação/responsabilização em sistemas de opressão – dos quais usufruem, ao mesmo tempo em que reconhecem a existência do problema em nível mais abstrato.
Em entrevista ao portal ISTOÉ Gente, a escritora e ciberativista Triscila Oliveira explica o que essa falta de responsabilização implica: “É muito comum e cômodo que pessoas brancas, que detêm o privilégio de raça e às vezes até de classe, joguem algo que fizeram ou falaram na conta do ‘racismo estrutural’. Assim vai se retroalimentando a estrutura, porque ela se isenta do racismo colocando a culpa no racismo”.
Ou seja, embora seja verdade que o racismo é enraizado em instituições e sistemas sociais, isso não absolve as pessoas de sua responsabilidade pessoal em perpetuar ou desafiar essas estruturas. Mesmo que as experiências individuais representem um reflexo de um sistema mais amplo de opressão, para mudar o sistema, é imprescindível assumir a responsabilidade individual por comportamentos racistas.
No encerramento do ‘Fantástico’, após o programa exibir a entrevista de Wanessa Camargo, Maju Coutinho abordou o assunto, ressaltando como as atitudes cotidianas, por mais sutis que pareçam, contribuem para a manutenção desse sistema de desigualdade.
“A gente só pode combater e acabar com aquilo que a gente reconhece existir, então é uma ótima oportunidade de trazer pro debate público o que é o racismo estrutural e principalmente como ele se apresenta em nossas vidas, como atitudes individuais contribuem para que ele exista, então é um bom momento pra gente ler com profundidade a respeito pra não usar o conceito de forma equivocada e continuar reproduzindo violências”, afirmou a apresentadora.
COMO NÃO CONTRIBUIR COM A MANUTENÇÃO DESSE SISTEMA DESIGUAL?
Para começar, é preciso compreender que o racismo estrutural não se resume apenas a identificar atos explicitamente racistas, mas sim a reconhecer as dinâmicas e padrões que perpetuam a marginalização e a exclusão de pessoas com base em sua raça ou etnia.
Isso requer autoconhecimento, reflexão e disposição para aprender e crescer. Ao confrontar nossos próprios preconceitos e contribuições para a desigualdade racial, podemos trabalhar para criar uma sociedade mais justa e inclusiva para todos.
A seguir, confira algumas dicas para não contribuir com o sistema racista:
- Eduque-se sobre o racismo e suas manifestações: compreender as raízes e os impactos do racismo estrutural na sociedade é o primeiro passo para a mudança;
- Reconheça os próprios preconceitos: esteja atento aos próprios preconceitos e estereótipos e trabalhe para desconstruí-los;
- Promova a igualdade de oportunidades: apoie políticas e práticas que visem reduzir as disparidades raciais no acesso à educação, emprego, saúde e outras áreas;
- Amplie a representatividade: apoie e valorize a representação de pessoas negras em todos os setores da sociedade, incluindo mídia, política, cultura e ambiente de trabalho;
- Confronte o racismo: não se cale diante de comentários ou comportamentos racistas e busque intervir de forma construtiva e educativa;
- Apoie causas antirracistas: engaje-se em iniciativas e movimentos que lutam pela justiça racial e pela igualdade de direitos;
- Ouça e aprenda: dê espaço para que as vozes das pessoas negras sejam ouvidas e valorizadas e esteja disposto a aprender com suas experiências e perspectivas.
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