Mara Carvalho é atriz, roteirista, empresária e diretora. Multifacetada, já exerceu muitas atividades no decorrer de sua vida. No entanto, o rótulo de ex-mulher do ator Antônio Fagundes – com quem tem um filho – a acompanhou durante grande parte de sua carreira artística: “As pessoas não me enxergavam”, lembra a atriz.
No Dia Internacional da Mulher, celebrado nesta quarta-feira (8), AnaMaria Digital convidou a artista para relembrar a história de Mara Carvalho além dos rótulos.Formada em Cinema pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), Mara Carvalho já atuou em novelas como ‘O Mapa da Mina’, ‘Renascer’, ‘Corpo Dourado’ e ‘O Rei do Gado’ – atualmente sendo reprisada no ‘Vale a Pena Ver de Novo’.
No teatro, esteve nas produções ‘Vida Privada’, ‘Oleanna’ e ‘Gente Que Faz’, além de ‘Baixa Terapia’, em cartaz no Rio de Janeiro, entre muitas outras peças. No entanto, ela lembra que chegar até aqui não foi fácil: “Ser mulher sempre foi um fator complicador”, avalia, ressaltando que já sofreu assédios, abusos e estigmas ao longo de sua carreira artística.
ABUSO E CULPA
Assim como muitas outras mulheres, Mara Carvalho conta já ter sido assediada em vários momentos da vida. No entanto, uma situação em específico de abuso foi marcante. Isso porque, ao denunciar o caso para a polícia, acabou sendo vista como culpada, e não vítima.
“Eu sempre fui esportista e tive um corpo trabalhado, então o próprio delegado falou: ‘Também, né, com esse corpo e com essa roupa’. Eu estava com uma camisa e uma calça jeans. É difícil ter esses enfrentamentos”, conta ela para a reportagem.
“ESPOSA DE ANTÔNIO FAGUNDES”
Mara Carvalho e Antonio Fagundes ficaram casados por 12 anos, entre 1988 e 2000. Juntos, tiveram um filho – o também ator Bruno Fagundes. Apesar da relação bastante amigável que mantém até hoje, ela conta que a união acabou se tornando um estigma para ela no meio artístico. Como era casada com um ator renomado, os créditos do talento acabavam sempre sendo atribuídos a ele.
“Eu trabalhei muito com Fagundes no teatro, e é bem difícil porque as pessoas quase não me enxergam. Eu vejo isso em ‘Baixa Terapia’ [peça em que ela e Fagundes vivem um casal maduro, que enfrentava os problemas advindos de décadas de convivência]. As pessoas chegam e falam: ‘Nossa, eu não sabia que você era tão boa atriz’. Mas é porque nunca me olhou, né?”, avalia.
Além disso, Mara relembra ter passado por uma situação delicada como roteirista, quando escreveu alguns episódios para o revival da série ‘Carga Pesada’. Para não tê-la na produção, uma das desculpas dadas era que o seriado abordava o universo masculino, por se tratar das aventuras de uma dupla de caminhoneiros nas estradas.
“São coisas que não tem muito cabimento, porque o autor não tem sexo, ele tem que se aprofundar em qualquer seara para escrever um texto. É minha profissão e eu tenho a obrigação de saber escrever tanto para homem quanto para mulher, e com a mesma entrega”, afirma.
Depois, o fato de Mara Carvalho ser a ex-esposa de Antônio Fagundes – um dos protagonistas da história, ao lado de Stênio Garcia – foi o que pegou. “O programa estava com uma audiência baixa, então mandei um texto e eles gostaram muito, mas não queriam me chamar por ser ex-mulher dele – e isso foi verbalmente exposto para mim”, conta.
Quem acabou ajudando foi o próprio Fagundes, que fez uma campanha interna no sentido de que todos os autores mandassem os textos sem nome para a escolha do que seria gravado. “Em uma temporada de 12 episódios, oito eram meus, e eles me escolheram sem saber. Foi aí que consegui ser contratada pela Globo”, celebra.
A MULHER POR TRÁS
Mara Carvalho revela, porém, que sentia o preconceito “no ar” por ter sido casada com uma figura tão expressiva do entretenimento brasileiro. Devido a seu relacionamento pessoal, acabava não sendo vista como artista, e muito menos como sua própria pessoa.
“Muitas artistas, mulheres, passaram por isso, como a própria Gala Dalí”, conta a roteirista, que está escrevendo um monólogo sobre a artista russa e esposa do pintor espanhol Salvador Dalí, conhecido por seu trabalho na vanguarda surrealista. É dele o rosto transformado em máscaras dos assaltantes da série ‘La Casa de Papel’.
“Quando eu comecei a pesquisar a história dela, vi que, sem Gala Dalí, o mundo não teria conhecido Salvador Dalí. Ela realmente foi significativa e o representou em vários momentos, trouxe luz para ele. Mas quando você procura na internet coisas sobre Gala, sempre cai nele. Então, desde que o mundo é mundo, sofremos com isso”, reflete.
FORA DOS PALCOS
A ideia de escrever um monólogo sobre Gala Dalí surgiu pela vontade de se aproximar da cultura espanhola, fruto de um de seus empreendimentos, El Mercado Ibérico. Além da carreira artística, Mara Carvalho também é investidora e sócia no restaurante espanhol, localizado em São Paulo (SP), que possui um teatro com 60 cadeiras acopladas.
Fora a vontade de conectar a cultura com a gastronomia espanhola, a peça sobre Gala Dalí é sua prioridade, já que a atriz deseja estrear o teatro do restaurante com o roteiro sobre essa figura histórica. Mara Carvalho, inclusive, afirma ver um pouco de sua própria história na de Gala.
“Aqui no restaurante, por exemplo. Tudo bem que o meu sócio [Javier Martínez] é um espanhol, e pelo restaurante ser espanhol, as pessoas fazem a ligação direta com ele, mas é possível ver nitidamente que tudo cai nele também por ser homem. E ele é o administrador do restaurante, mas mesmo quando estou ao seu lado, e as pessoas sabem que sou dona daqui, elas dificilmente voltam o olhar para mim. Em uma degustação de vinhos, quando vão agradecer, acabam só agradecendo a ele e esquecem rapidamente que tem uma mulher, investidora, empresária, que também está trabalhando por esse espaço”, explica.
SERÁ QUE MELHOROU?
Questionada se a situação das mulheres no mercado de trabalho do entretenimento melhorou desde que ela começou a atuar, Mara Carvalho avalia que foi uma evolução ainda bastante rasa e precária, visto as ferramentas disponíveis atualmente.
“Nossas conquistas foram pequenas, pois as mulheres já deveriam estar em um lugar muito melhor, mais consciente e respeitoso. É incrível que, até hoje, seja preciso fazer um projeto – uma peça de teatro, por exemplo – apenas com mulheres na produção, para conseguir provar que temos nosso valor. Não precisava, sabe? É obrigação do ser humano respeitar as diferenças, estou cansada de isso ser uma luta diária”, opina Mara.
Para a atriz, a evolução humana não está seguindo um caminho correto. “Quantas mulheres ainda morrem por dia? Apesar de entender que existe alguma evolução, estou muito insatisfeita e triste com a realidade em que vivemos. Acho que conquistamos muito pouco com nossas brigas e manifestações. E, enquanto não existir respeito absoluto ao olhar o outro, nós vamos passar por isso”, finaliza Mara Carvalho.
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