Entre “Mindhunter”, “Monsters” e outras produções que exploram os crimes mais famosos dos Estados Unidos, ainda faltava um true crime sobre os criminosos brasileiros. Como fã do gênero (ainda que não a mais obcecada), eu sentia falta de uma série que contasse, com o mesmo cuidado narrativo, os detalhes dos casos de Suzane von Richthofen, Elize Matsunaga, Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, entre tantos outros nomes que o país aprendeu a reconhecer nas manchetes.
Ainda que tenhamos muitos documentários que contem essas histórias – e, aqui, eu cito “Elize Matsunaga: Era Uma Vez um Crime” e “Quem Matou Eloá?” -, “Tremembé”, nova produção da Prime Video, chega justamente para preencher essa lacuna. E de forma espetacular, diga-se de passagem.
Dirigida por Vera Egito, a série mergulha no cotidiano da Penitenciária de Tremembé II, no interior de São Paulo, conhecida como “presídio dos famosos”, onde alguns dos criminosos mais conhecidos do país cumprem pena. O roteiro foi inspirado no livro homônimo do jornalista Ullisses Campbell e combina drama, suspense e realismo ao retratar os bastidores desse presídio que há anos desperta a curiosidade pública.
A produção, que já figura entre o maior sucesso de audiência do Prime Video no Brasil, gira em torno da chegada de Suzane von Richthofen ao presídio, após fazer de tudo para ser transferida. O elenco de peso conta com Marina Ruy Barbosa como Suzane, Carol Garcia no papel de Elize Matsunaga, Letícia Oliveira vivendo Sandrão, Lucas Oradovschi interpretando Alexandre Nardoni e Bianca Comparato como Anna Carolina Jatobá. O resultado é uma reconstrução tão convincente que, em certos momentos, parece que estamos vendo os próprios criminosos em cena.
Sem vilões, nem heróis
Um dos grandes méritos de “Tremembé” está na maneira como retrata seus personagens. Não há tentativa de transformá-los em vilões caricatos, tampouco em anti-heróis sedutores. A série parece optar por uma visão crua e verdadeira, mostrando os fatos da forma como aconteceram, sem floreios.
Essa escolha fica evidente até na trilha sonora, cuidadosamente pensada para não romantizar os crimes. Nenhum personagem recebe uma música com guitarras pesadas, batidas de poder ou trilhas que sugerem grandeza. O único momento em que o tom beira o deboche é quando Suzane caminha ao som de “Perigosa”, de As Frenéticas. Ainda assim, a sensação que dá é que a série quer ironizar a criminosa. A piada parece ser sobre ela, e não para ela. Afinal, quem poderia achar graça ou encanto em alguém que mandou matar os próprios pais?
Apesar da qualidade técnica e da força do elenco, “Tremembé” também provoca reflexões importantes. Ana Carolina Oliveira, mãe de Isabella Nardoni, que foi assassinada aos cinco anos pelo pai e pela madrasta e protagonista de um dos casos que a série retrata, se pronunciou recentemente sobre como produções desse tipo podem reabrir feridas antigas e afetar emocionalmente as vítimas e suas famílias. E é verdade: por trás do interesse público, há histórias de dor que não se apagam.
Ainda assim, acredito que falar sobre esses casos é necessário. São episódios que marcaram o país e moldaram o imaginário coletivo, e é importante que sejam contados de forma séria e responsável. Mas não para glorificar os criminosos, mas para entender o que de fato aconteceu e evitar que a desinformação ganhe espaço.
Vale a pena assistir?
“Tremembé” é uma das melhores séries brasileiras do ano e, para mim, uma das mais envolventes do gênero. A produção prende pela curiosidade e pelo choque, mas por revelar o lado humano, ainda que desconcertante, de pessoas que o país aprendeu a odiar.
Recomendo não só para quem é fã de true crime, mas para quem quer entender mais sobre a convivência entre esses detentos e a rotina dentro de uma prisão real. Porque, no fim das contas, somos curiosos por natureza. Querer conhecer as histórias que marcaram o nosso próprio país não nos torna más pessoas.
A matéria acima foi produzida para a revista AnaMaria Digital (21 de novembro). Se interessou? Baixe agora mesmo seu exemplar da Revista AnaMaria nas bancas digitais: Bancah, Bebanca, Bookplay, Claro Banca, Clube de Revistas, GoRead, Hube, Oi Revistas, Revistarias, Ubook, UOL Leia+, além da Loja Kindle, da Amazon. Estamos também em bancas internacionais, como Magzter e PressReader.
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