Ambientada nas décadas de 1930 e 1940, na cidade fictícia de Águas de São Jacinto, a novela “Amor Perfeito” vem conquistando o público da TV Globo, na faixa das 18h. Na trama, livremente inspirada no clássico “Marcelino Pão e Vinho” (do escritor espanhol José María Sánchez Silva), o protagonista tem o sonho de conhecer a mãe biológica, enquanto segue acolhido pelos religiosos da Irmandade dos Clérigos. Com grande relevância no folhetim, o núcleo é composto por nomes importantes da dramaturgia, como Tonico Pereira (frei Leão), Tony Tornado (frei Tomé), Antônio Pitanga (frei Vitório) e Babu Santana (frei Severo).
Desenrolando-se a partir dos sentimentos e vivências de Marcelino (Levi Assaf), o conceito de família se constrói por meio da relação do menino com Marê, os padres e frades, além de outros arcos desse universo que tornam a história ainda mais interessante – como a presença de mulheres nos conventos à época, a diferença entre freis, padres e seus hábitos, além da própria história de São Jacinto. Tudo isso com uma pitada de diversidade racial, haja vista o elenco majoritariamente negro em uma trama que não aborda pautas escravistas – o que é explicado pela autora Duca Rachid como um resgate à elite negra com a expertise e excelência “que sempre existiu e ainda existe”.
Em celebração ao primeiro terço da novela, AnaMaria Digital conversou com o frei Marx Rodrigues, diretor secretário do Sefras – Ação Social Franciscana. Ele explica quatro curiosidades que pautam a narrativa nas últimas semanas. Confira!
Afinal, qual a diferença entre freis e padres?
Ainda que estejam definidos como freis e padres na sinopse, é comum observar os personagens de ‘Amor Perfeito’ referindo-se de forma generalizada. Parte da hierarquia da Igreja Católica, além de administrar os sete sacramentos, os padres podem ascender à autoridade suprema, tornando-se Papa. “Freis são religiosos que seguem a inspiração de um fundador (santo ou não). Um exemplo é São Francisco de Assis, que criou o seu grupo e não era padre, não cuidava da Igreja e nem dos sacramentos, mas tinha um projeto de vida à luz do Evangelho e que é seguido por nós, franciscanos”, explica.
Por que os freis usam hábitos de cores diferentes?
Os freis são diferenciados pela cor do hábito: branco para os dominicanos, cinza para os franciscanos conventuais e marrom para os frades menores. Cada cor está relacionada à história de cada santo fundador: “Os frades menores usam a roupa marrom que remete à terra, ao húmus, relacionando-se com a humildade na vida. Era também a cor de roupa utilizada pelos mais pobres na época de Jesus, uma vez que as cores dos estamentos não se replicavam. Tal vestimenta era usada pelos trabalhadores agrícolas menos favorecidos e foi adotada por São Francisco, que começou a utilizá-la para mostrar o grau mais simples. O cordão na cintura tem três nós que simbolizam os três votos que os religiosos fazem: pobreza, castidade e obediência”.
Por que mulheres não eram permitidas no Convento?
Denunciada ao bispo pela vilã da trama, Marê é obrigada a deixar a Irmandade, onde se aproxima mais de Marcelino. De acordo com frei Marx, a explicação da proibição está na dificuldade no entendimento da relação afetiva entre homens e mulheres religiosos, especialmente na Idade Média e em resquícios posteriores: “À época, acreditava-se que, ao viver a castidade, a interação com pessoas do sexo oposto deveria ser proibida, limitando-se, inclusive, à convivência no dia a dia do Convento”. Ele explica que, depois do Vaticano II, a Igreja repensou muitas questões, abandonando tradições como esta, ainda que mulheres dormindo ou morando na casa de freis (e vice-versa) siga sendo exceção nos dias atuais: “Não é muito comum, mas não vemos mais isso como pecado, só uma modalidade de vida”.
Quem foi São Jacinto?
Embora seja devota de São Francisco de Assis, a autora escolheu São Jacinto por sua relação com a água. Já nos primeiros capítulos do folhetim, Marê foge grávida da cadeia, onde está presa acusada pela morte do próprio pai. No caminho, acaba dando à luz a um menino e o entrega às comparsas, presenteando Ângelo com a medalhinha do santo. Guiado e protegido durante toda a travessia do rio, o bebê é “milagrosamente” deixado na porta da Irmandade.
Segundo frei Marx, São Jacinto fez parte do movimento pauperista, na cristandade medieval, do qual também participaram São Francisco de Assis e São Domingos: “Esse movimento religioso foi muito conflitivo e também tinha cunho político e social. Eles entenderam que Deus foi realmente muito pobre e, então, buscaram a pobreza aguda como sinal de mudança. Nesse sentido, moraram em periferias e tiveram grandes sinais. Foram responsáveis por uma história forte de mudança de paradigma, que segue influenciando profundamente o mundo.”
Bônus: Convento Santo Antônio
Localizado no Largo Carioca, Centro do Rio de Janeiro, o Convento Santo Antônio (da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil) acolheu os atores na fase de preparação para o núcleo religioso. Importante cenário da história do país, foi no Convento de Santo Antônio que o frei Sampaio escreveu o manifesto que exprimia a vontade do povo de D. Pedro permanecer no Brasil – o famoso ‘Dia do Fico’.