Heslaine Vieira começou a carreira na série ‘Filhos do Carnaval’, em 2006, da HBO Brasil. Depois, deu vida à personagem principal do seriado teen Pedro e Bianca, na TV Cultura. O papel de maior notoriedade veio como Ellen, uma das protagonistas de ‘Malhação: Viva a Diferença’, na Globo, cuja personagem foi “reencarnada” na série ‘As Five’, em 2020: “A história de cinco mulheres, amigas, diferentes entre si trouxe muitos debates importantes e geraram identificação”. A bela já passou por personagens mais densos também em trabalhos como Sob Pressão e Carcereiros.
Atualmente, se destacou na trama global ‘Nos Tempos do Imperador’, no papel da manipuladora Zayla – jovem determinada que nutria uma paixão obsessiva por Samuel (Michel Gomes) e era capaz de tudo para conquistar o que deseja: “A repercussão da novela foi uma loucura. Algumas pessoas condenam a obsessão dela, mas outras torceram para que a Zayla seguisse por outros caminhos, se aproximasse de
Guebo (Maicon Rodrigues) e, ao lado dele, fosse mais atuante na luta pela liberdade, e ainda há quem conseguiu enxergar sua humanidade”, conta.
Se na arte ela ganha notoriedade pela sua determinação e coragem, na vida real isso não é diferente.
Aos 26 anos, a artista tem os pés bem no chão e carrega consigo a garra de uma mulher lutadora, forte e que sabe bem o lugar que ocupa na sociedade.
Você aprendeu desde sempre que é preciso ser potente e corajosa para superar os obstáculos da vida. Isso tem a ver com preconceito? Já sofreu racismo em algum momento? Como lida com a questão?
Quando nascemos muitas coisas nascem junto. A cor de pele, a classe social, os sonhos e muitas outras
coisas. Na maternidade é dado o ponto de partida na corrida. Você pode ter uma vida com previstas
dificuldades e uma vida com previstas oportunidades. No decorrer do tempo, das mais diversas formas,
estamos todos na corrida. Vamos aprendendo a driblar os obstáculos até nos deparar com a linha de
chegada – esta são os sonhos e metas de cada um. Então, sim, o meu caminho me ensinou a ser forte e
corajosa. Eu não tive outra opção!
Sobre seu início de carreira, você já declarou: “Mesmo nova, entendi que havia um problema estrutural gigantesco e que eu precisaria ser duas vezes melhor para ter a mesma oportunidade”. Ser negra foi um empecilho quando veio para o Rio tentar a profissão de atriz?
Claro. É sabido que as oportunidades são muito menores. Me preparei como pude e contei com a ajuda de anjos que já mencionei algumas vezes. Isso nos deu, a mim e ao meu irmão, Land Vieira, conhecimento. Assim pudemos competir nos testes de elenco munidos de mais experiência. Precisávamos estar prontos quando a chance aparecesse, já que eram poucas.
Mas você concorda que, atualmente, vemos avanços nos debates, mesmo sabendo que existe uma árdua e extensa caminhada pela frente?
Foi exatamente o que eu disse. Vemos avanços nos debates, mas sabemos que existe uma árdua e extensa caminhada pela frente. A pauta é urgente.
E o que essa mineira de Iputinga tem de especial que conquistou o público em tão pouco tempo?
Meu sonho [risos]. Tive a oportunidade, que é rara para mulheres negras, de participar de grandes produções com personagens significativos, de protagonismo. Sabemos que de nós é cobrado duas, três vezes mais, ao passo que temos sempre muito menos chances. Para sermos bons em qualquer área da vida, precisamos de prática. E para praticar, precisamos de oportunidades.
É verdade que você sonha em ser mocinha em romance black?
Sim, adoraria contar a história de uma mulher apaixonada correspondida. Com todos os conflitos, belezas, desafios e pautas que a trama trouxer. Assim como tenho vontade de contar a história de uma mulher CEO ou a história de uma mulher batalhadora e cheia de sonhos. Quero participar de projetos que tenham personagens interessantes ocupando os mais diversos espaços. Que possa levar algum questionamento/provocação para o público. Ser artista é poder viver muitos em uma só.
Como foi a experiência de dar vida à personagem Zayla?
Uma montanha-russa. A Zayla foi minha companhia de quarentena, de manutenção de sonhos, de desafios. A personagem mais difícil que pude interpretar. Ela me tocou em assuntos delicados e me doei de corpo e alma literalmente para contar sua história. Fico feliz de terem confiado em mim. Os autores, a direção, meus colegas amados de cena… Fico feliz também de ter cruzado a linha de chegada. Ela me deu um chacoalhão importante. Me trouxe interesse pela moda, me deu mais conhecimento histórico sobre o meu povo e me deu ainda mais garra para ser uma artista melhor. Já estou me preparando para usar em outras personagens toda a bagagem que Zayla me trouxe.
A personagem é obstinada e, ao mesmo tempo, obcecada por Jorge/Samuel . Para a Heslaine, até onde é permitido ir em nome do amor?
É uma delícia uma loucurinha de amor. Quem nunca?! Mas nada que seja mais importante do que
você mesma, sua saúde e bem-estar. Nenhuma obsessão é positiva, né? A dependência emocional está ali do lado. É um transtorno. Precisamos dar atenção a esse tema. Há tratamento terapêutico. Eu costumo andar com o racional por perto quando o assunto é amor. A terapia me deu autoconhecimento e segue sendo a minha maior aliada.
A personagem vive na Pequena África, reduto afro-brasileiro no Rio de Janeiro do século 19. Como foi mergulhar nessa ancestralidade da raça negra no Brasil?
Foi importante demais fazer esses resgates. As pesquisas e os mergulhos que fiz me permitiram um
encontro muito maior com a minha ancestralidade. Como eu aprendi e sigo aprendendo! O valor da nossa história está em nós, que seguimos levando o legado dos antepassados. Seguimos vivos, lutando, resistindo. Nossa cultura, riso, danças são o nosso maior tesouro.
Ainda sobre a Zayla, ela pode tanto demonstrar sua força como mulher quanto o lado articulador…
Eu adoraria que ela usasse sua força e seu lado articulador juntos embenefício do próprio povo. Apesar
disso, ela continua sendo uma mulher de muitos talentos e habilidades. Claro que está usando de forma que julga ser melhor para si mesma. Esse é um grande ponto fraco: a arrogância.
Você agora está mergulhada nos estudos de moda. O que a fez enveredar também para esse caminho?
Sempre fui muito curiosa e estudiosa. E também sempre gostei de me expressar. A moda é uma excelente forma de expressão. É importante para a construção de identidade de um indivíduo ou de um povo. Ela conta a história. Depois de me aprofundar mais no assunto por meio da Zayla, comecei
a dar mais atenção ao estudo. E me apaixonei ainda mais.
Agora, falando sobre beleza, segue cuidados especiais com o cabelo e a pele?
Todos! Não apenas por vaidade, embora também seja. Trabalhamos com nossa imagem. Nosso corpo
é veículo de personagens para contar histórias. Então, temos que cuidar da nossa matéria-prima. Tudo começa com atividade física. Ela é o combustível para todos os tratamentos que faço com minha
dermatologista há alguns anos. A pele negra exige um cuidado maior. Faço alguns procedimentos
com ácido, sabonetes, laser. Sem falar o protetor solar, que não sai da bolsa, claro! E cuido da mesma
forma do meu cabelo, que é minha maior expressão de identidade. A Júlia e eu decidimos juntas quais
protocolos usar. Meu cabelo vem crescendo rapidamente, e está cada vez mais forte.
O cabelo é potência?
O cabelo é a minha maior expressão de identidade. Levou um tempo para eu amá-lo do jeito que
ele é. Mas hoje eu tenho certeza de que a transição foi a melhor escolha que já fiz, por mais dolorido
que tenha sido. Por muito tempo, nosso cabelo foi ridicularizado. Ainda é! É um processo ressignificar
tantos anos. Mas estamos nos empoderando cada vez mais… Tem coisa mais linda de ver? O que é um black? É belezura demais, poder demais. O black é potência demais!