Irreverente, divertida e alto-astral. Esta pode ser uma singela descrição de Giovana Cordeiro, a encantadora Xaviera, de Mar do Sertão, da Globo. E, por trás de seus olhos marcantes e belos cachos – estes resgatados depois de um processo de redescoberta, graças à transição capilar –, existe ainda uma mulher forte, determinada e muito dona de si. Foram cerca de três anos num ‘movimento’ que ela define como revelador, ainda que dificultoso.
Alisando os cabelos desde a adolescência, chegou um momento em que desejou se ver novamente com os fios naturais. A mudança não foi apenas externa. A artista passou a lidar com a própria imagem de um jeito diferente e repensou conceitos. “Quanto mais estamos à vontade com a própria ‘pele’, mais enxergamos a nossa beleza. Ter consciência de que ser como somos é o suficiente nos empodera.”
Mas seus valores sempre foram bem definidos. Com o hábito de relatar situações do seu dia a dia nas redes sociais, atriz já revelou ter sido vítima de preconceito religioso: “Acho prepotente demais e contraditório com a própria fé atacar, violentar ou estigmatizar alguém por falar uma linguagem diferente da sua. É prepotente condenar a escolha, a religião de alguém julgando que a sua é a correta. A fé anda pra frente, é o futuro”. Sábia… e linda Giovana!
Confira a entrevista completa:
Você começou um movimento há uns anos sobre transição capilar, certo? O que a motivou a ‘resgatar’, vamos assim dizer, os fios enrolados?
Eu alisava meu cabelo desde a adolescência, mas teve um momento em que queria me ver novamente com os fios naturais. Foi quando decidi começar o processo de transição. Tomei essa decisão para experimentar me sentir confortável com meu cabelo natural, voltando a considerar que havia beleza nas suas curvas. entende? Conforto não foi bem a primeira coisa que encontrei. Não estar em paz com uma característica tão expressiva quanto o cabelo é difícil de sustentar por tanto tempo. Por isso, entendo quem decide voltar a alisar depois de conviver com várias texturas diferentes enquanto o cabelo cresce natural, mas parte dele ainda tem química. Eu costumo dizer que a transição é inspiradora porque passar dessa fase, precisando construir confiança em relação a uma escolha que rompe com o esperado de uma mulher, que é estar impecável sempre, é desafiador. Prova disso é a quantidade de comentários desestimulantes que ouvimos durante esse processo. É aí que o #AguentaFirme entra: na construção da autoestima a partir de um coletivo, da troca, da sensação de pertencimento. Essa percepção é a minha grande satisfação.
Para quem também está nesse processo, o que você diria?
Busque encontrar beleza de diferentes formas, em diferentes corpos e lugares. Esse processo também é um ensinamento sobre ponto de vista e se colocar em lugares confortáveis e acolhedores para você e por você. Busque novas referências, siga influenciadoras que trocam dicas sobre isso… Uma grande vantagem de passar pela transição capilar hoje em dia é a quantidade de informação que temos e podemos compartilhar. Não é mais um tiro no escuro. Quando eu passei pela transição havia poucos produtos feitos para cabelo cacheado/crespo e pouca gente falando a respeito. Aguenta firme porque tem como e vai valer a pena!
Qual é a sua relação com o espelho?
Tento desafiar a crença da insatisfação constante feminina, aquela ideia do nunca está bom ou somos magras demais, gordas demais… É uma luta ingrata. Mas confesso que nem sempre saio vencendo. Tenho meus momentos de excesso de pressão estética. Hoje em dia, ao mesmo tempo em que temos mais consciência da existência dessa pressão, também estamos diariamente nos comparando com corpos, costumes, rotinas que acompanhamos nas redes sociais. Eu busco ficar atenta a isso e tento encontrar uma maneira saudável e prazerosa de criar hábitos que estimulem a minha autoestima.
Você relatou ter sido vítima de preconceito religioso no prédio em que mora: uma mulher, ao vê-la vestida de branco e com plantas nas mãos, se afastou rapidamente. Como você encara a intolerância religiosa nos dias de hoje?
Acho prepotente e contraditório com a própria fé atacar, violentar ou estigmatizar alguém por falar uma linguagem diferente da sua. É prepotente condenar a escolha, a religião de alguém julgando que a sua é a mais correta. Mar do Sertão falou muito sobre a fé e eu acho lindo ter participado desses momentos, mesmo que eu não tenha necessariamente representando a minha religião. A fé deveria ser maior do que isso tudo. A abordagem na novela, na construção da relação entre a pastora e o padre, começou com um estranhamento, uma dificuldade de os dois existirem no mesmo lugar, e foi caminhando para um lugar bonito de admiração, de propósitos maiores que se somaram e a mensagem de amor ao próximo fortalecida, afinal de contas, amar o próximo é amar e respeitar as diferenças.
Você já declarou: “Sou uma mulher de muita fé e não tem como dissociá-la de todas as conquistas da minha vida”. A fé move montanhas?
Montanhas eu não sei, mas que move a gente, isso eu tenho certeza! A fé constrói responsabilidades perante a vida e o convívio com os outros, exige movimento para gerar mudanças e é um convite para um olhar de liderança em relação à sua vida. Ao mesmo tempo, nos mostra que fazemos parte de algo muito maior, então, que é preciso se ver apenas como parte de um todo, entender que até a liberdade tem limites e que é preciso respeitá-los. E o principal: a fé anda pra frente, é o futuro, o que está por vir. Acho que assim fica mais fácil de encarar os desafios e nos libertar de questões passadas que ainda assombram a nossa caminhada.
Ainda sobre as redes sociais, você lida bem com os haters?
As redes sociais, assim como tudo na vida, têm o bônus e o ônus. Não concordo com a postura do ódio, do cancelamento… Acho que isso vem, muitas vezes, de uma pressa de se juntar ao que está sendo dito, sem que as pessoas tenham tempo de, de fato, refletir sobre aquilo. Isso não é sobre ecoar algo, é simplesmente reproduzir algo. Também é curioso para mim como, apesar da abrangência da internet e da possibilidade de falarmos com quem pensa diferente, cada vez mais nos fechamos na própria bolha. Credito muito disso ao fato de você ‘não poder errar’ ali. Exige-se uma conduta perfeita, sendo que isso não existe. Todos somos passíveis de errar. A questão é bem mais profunda.
É verdade que, antes de ser atriz, você era jogadora de futebol? Conte mais sobre essa experiência e o que a fez enveredar para o ramo de atuação?
Na verdade, nunca pratiquei nenhum esporte profissionalmente. Sempre gostei de atuar. Mas, devo muito ao esporte na construção da profissional que sou. O esporte me ensinou a ter disciplina, a confiar no processo/treino, a respeitar lideranças de forma saudável e superar limites. A mesma disciplina que me era exigida pelo meu mestre de karatê, por exemplo, é a disciplina que levo para uma sala de ensaio. Tem quem diz que o ator é um atleta [risos]… E eu concordo!
Voltando a falar sobre a trama Mar do Sertão, você tem alguma característica marcante em comum com sua personagem, a sedutora Xaviera?
Eu já respondi a essa pergunta de várias formas diferentes… Ao longo do processo, fui sendo transformada pela Xaviera, mas acho que o otimismo que ela carrega é um novo ponto com o qual me identifico.
Com um passado conturbado, sua personagem perseguia a chance de dar uma guinada na vida e seguir o caminho do bem. Acredita que, apesar dos tombos, dificuldades, dores e perdas, é possível se desvencilhar do pessimismo e, de fato, se transformar numa pessoa melhor?
Se eu acreditasse que não, estaria parada no passado, sem entender o que a vida quer de mim ou qual é o propósito de estar aqui. Erramos, isso é natural, lidamos com coisas difíceis e faz parte da vida mesmo. Seguir em frente é a única possibilidade, então, acredito que é uma oportunidade de fazer diferente. Tirar de alguém a chance de se refazer, repensar e se arrepender é tirar todo o restante de vida que ela tem. Estamos aqui para aprender, não estamos?
Por que você considera seu trabalho como Xaviera um divisor de águas em sua carreira?
Ela foi uma personagem cheia de possibilidades, ia do humor ao drama, passou por todos os núcleos e criou relação com quase todos os personagens. Como atriz, foi um trabalho que me exigiu muito e me divertiu igualmente. Sinto que ela construiu em mim uma confiança nova como artista.