Todos nós já escutamos, em algum momento, que a vida imita a arte. Mas o que nunca pensamos é como a dramaturgia pode ajudar mães na guarda e cuidado com os seus filhos.
Em maio, na novela Vale Tudo, após a exibição de um capítulo em que a personagem Lucimar, interpretada por Ingrid Gaigher, buscou apoio jurídico para garantir a pensão alimentícia para seu filho, já que o pai não cumpria com as obrigações legais, houve um aumento significativo de buscas no aplicativo da Defensoria Pública do RJ – segundo o próprio órgão, os acessos no app passaram de 1000 por minuto para 4.560, ou seja, um crescimento de 300%.
A novela trouxe visibilidade a um drama muito comum, mas muitas vezes difícil de ser resolvido. E para falar mais sobre o assunto, a coluna de hoje conversou com especialistas para dar mais detalhes sobre como as mães podem lutar pelos seus direitos e dos filhos na Justiça.
Direitos – e deveres – iguais
Em um processo por pedido de pensão, não é raro que os homens digam que não têm como pagar, que não querem perder o contato diário com os filhos ou, pasmem, que acusem as mulheres de não usarem o valor com os dependentes. Mas assim como a personagem da novela que não paralisou diante dos argumentos ditos pelo pai, mães da vida real têm usado a Justiça para lutar pelo direito de seus filhos.
A advogada feminista Rachel Serodio, especialista em Direito das Famílias, comenta que em um processo de pensão, em que se busca demonstrar exatamente a possibilidade de cada genitor, se um pai mente, há meios de demonstrar a verdade. “Se ele diz que recebe um valor e não prova, e se verifica, por exemplo, pelas redes sociais, pela vida que leva, que recebe mais, pedimos quebra de sigilo fiscal e bancário, além do cartão de crédito e renajud. Esses são os principais meio de prova para demonstrar que o que aquele pai diz que tem de renda não é verdade”, pontua. Para Bruno Graças, advogado especialista em Direito de Família na Barbero Advogados, todos os meios de prova são validos. “A negligência paterna pode ser demonstrada, por exemplo, por meio de prova testemunhal, depoimento pessoal dos envolvidos e prova documental, como troca de mensagens via aplicativos de WhatsApp, Instagram etc”, complementa.
Mas como equilibrar o direito do filho a uma pensão justa? Rachel explica que um processo de alimentos é baseado no seguinte pilar: na necessidade de quem precisa, na possibilidade de quem arca e na relação de proporcionalidade. Então, por exemplo, se um pai recebe dez vezes mais do que a mãe, ele tem que contribuir financeiramente para aquele filho dez vezes mais do que a mãe. “Tem que haver uma proporcionalidade. Se um recebe mais, paga mais. Então, o ideal é que se uma mãe arca com 30% da sua renda para despesa com os filhos, que o pai arque da mesma forma. É assim que a gente demonstra nos processos. Também incluímos a rotina da criança, de quanto cada um está se ocupando, quem é que está exercendo o trabalho de cuidado, quem é que leva e pega nos locais etc. Porque em tudo há uma despesa, um tempo. Se é a mãe que fica mais tempo com esse filho, se o lazer é só quando está com a mãe, se somente a mãe busca na escola etc. Isso tudo precisa reverberar na pensão e, hoje, a Justiça está começando a levar isso em conta. Ainda não acontece na maioria dos casos, estamos engatinhando, mas já temos conseguido decisões favoráveis nesse sentido”, analisa Serodio.
Bruno pontua, ainda, que a ausência de convívio é um exemplo clássico de abandono afetivo. “Nossos Tribunais têm entendido que a conduta omissiva ou comissiva paterna quanto ao dever jurídico de convivência com o filho, se devidamente comprovada, pode levar ao pagamento de indenização por danos morais. Por outro lado, o não convívio com o filho não é fator para majoração e/ou fixação de pensão alimentícia”, diz.
Conflitos emocionais
Embora as brigas judiciais envolvam, quase sempre, somente mães e pais, é preciso atenção extrema aos filhos, que ficam no meio desse fogo cruzado.
A psicóloga Eliane Schwab comenta que, embora no momento da separação apareçam muitas mágoas e ressentimentos, os pais têm que ter consciência do que é conteúdo deles como pessoa ou como casal. “Devem evitar embates verbais e discussões acaloradas na presença dos filhos, resolvendo seus conflitos em um ambiente privado. Dessa forma, evita-se que a criança tire conclusões, como um ser bom e o outro ruim, um ser o vilão e o outro a vítima, a depender do que se fale nessa discussão. Obviamente que alguns assuntos terão que ser levados à criança, como a própria separação em si, mas sempre da forma mais harmônica possível”, diz.
Outro ponto importante que é preciso ser abordado é sobre quando os pais fazem chantagem emocional com os filhos dizendo que as mães estão querendo prejudica-los pedindo aumento da pensão. Nesses casos, independentemente dos homens fazerem isso na má fé ou por se sentirem realmente prejudicados, as mães podem solicitar a mediação de um advogado de família ou de psicólogos especialistas em família para atuarem nessa situação de conflito. “Os advogados precisam mostrar que tais custos são para atender às necessidade do filho. Mas, mais importante que a própria pensão fixada, já que a Justiça vai analisar os valores diante do que for apresentado por ambos os lados, é que esses progenitores percebam como essas intimidações podem prejudicar emocionalmente as crianças, causando baixa autoestima, insegurança e problemas em outras relações”, avalia Eliane.
Direto ao ponto
As dúvidas sobre um assunto tão delicado são muitas. A seguir, Bruno Graças e Rachel Serodio detalham algumas informações importantes sobre pedidos e reajuste de pensão.
Aventuras Maternas – O que uma mãe precisa reunir de documentos ou provas para solicitar revisão de pensão por comportamento inadequado do pai?
Bruno Graças – Em que pese a necessidade do menor ser presumida, para o ingresso de uma ação para fixação de alimentos (ou revisão) é importante que o pedido seja instruído com documentos que comprovem a sua efetiva necessidade sobre aquele valor pretendido, com comprovantes de despesas com educação (mensalidade, uniforme, transporte, material etc.), saúde (plano de saúde, tratamentos médicos), lazer (eventuais passeios e viagens), moradia (aluguel, água, luz, internet) e assim por diante. Por outro lado, é necessário demonstrar que o pai possui capacidade financeira de prestar os alimentos pleiteados, o que pode ser comprovado pelo status que o pai ostenta nas redes sociais, indicação de bens que ele possui, quebra dos sigilos bancário e fiscal, dentre outros. Contudo, o mau comportamento do pai não enseja a fixação de alimentos e/ou sua revisão. Os alimentos sempre serão fixados de acordo com a necessidade/possibilidade.
Aventuras Maternas – A exposição nas redes sociais pode ajudar as mulheres na hora de entrar com o pedido de pensão alimentícia?
Rachel Serodio – Essa exposição precisa acontecer com alguns cuidados, como não falar nomes para não identificar aquela pessoa. Mas, não citando nomes e tendo alguns cuidados, a mulher tem liberdade de expressão de falar sobre si e sobre a situação que vive e a aflige, mas não se pode esquecer as exigências comportamentais que tais atos implicam. Logo, é importante estar ciente que pode ser demandada judicialmente, já que o silêncio é o que se espera delas.
Bruno Graças – A exposição de casos reais e concretos envolvendo Direito de Família em redes sociais é delicado e pode ferir a dignidade da pessoa humana. A exposição de casos reais envolvendo Direito de Família é de tamanha delicadeza que o Código de Processo Civil, em seu artigo 189, II, confere a estes a tramitação sigilosa, justamente para não expor os envolvidos. Portanto, não é aconselhável expor casos concretos nas redes sociais.
Aventuras Maternas – Qual a diferença entre pensão fixada judicialmente e acordos informais? Em qual delas a mãe fica mais protegida juridicamente?
Rachel Serodio – A pensão fixada judicialmente é um título executivo. Isso significa que, se ela não for cumprida, cabe uma execução, cabe a busca do sistema de justiça para que aquele valor seja cumprido, seja através de penhora, seja através de algumas medidas restritivas, como, por exemplo, bloqueio de passaporte, negativação do nome, bloqueio de carteira de motorista, penhora de bens, penhora de contas, e até mesmo a prisão. Quando você faz um acordo informal, ele não tem validade jurídica. Então, você não consegue obrigar com quem você fez o acordo o cumprimento dele. Ou seja, fica a critério de quem paga fazer, e se não fizer, não será possível buscar os meios coercitivos através do sistema de justiça.
Aventuras Maternas – Como a Justiça costuma interpretar casos em que o pai tem condições financeiras, mas finge não ter, para pagar menos pensão?
Bruno Graças – Quando se instaura um processo judicial, as partes têm a obrigação de agir com honestidade, transparência e cooperação, litigando em lealdade processual. Quando uma das partes mente ou altera a verdade dos fatos para se eximir de cumprir com obrigações que a Lei lhe impõe e lhe cobra, esta conduta é interpretada como litigância de má-fé. A litigância de má-fé, que tem amparo legal nos artigos 80 e 81 do Código de Processo Civil (CPC), é penalizada, em regra, com pagamento em favor da parte contrária de multa, que deverá ser superior a 1% (um por cento) e inferior a 10% (dez por cento) do valor corrigido da causa.
Aventuras Maternas – O comportamento do pai (como ausência emocional e presença no dia a dia) pode influenciar o valor ou o reajuste da pensão alimentícia?
Rachel Serodio – Quando a paternidade não é responsável, nem ativa, tentamos demonstrar nos processos que este trabalho reprodutivo, de cuidado, quando não exercido pelo pai, precisa reverberar nas pensões alimentícias, já que as mães acabam sobrecarregadas e sem tempo para investir muitas vezes em suas carreiras, nos estudos, em seus sonhos de vida fora da maternagem. Uma paternidade de rede social ou provedora, que não leva e busca para a escola e atividades, que não se ocupa das vacinas, que não se ocupa de levar para as terapias, de buscar médicos, é uma paternidade negligente. Então, hoje em dia, quando entramos com processos de alimentos, tentamos mostrar para o Sistema de Justiça que ele precisa compreender que o trabalho de cuidado demanda tempo, demanda a impossibilidade daquele que a exerce exclusivamente crescer profissionalmente. Então, é um trabalho invisibilizado, não remunerado e que impede, na maioria das vezes, que as mães, que são as principais cuidadoras, não cresçam em seus projetos pessoais e profissionais porque estão exercendo maternidade. E isso precisa ser contabilizado na hora de calcular a pensão.