Quando um bebê chega, tudo muda: a rotina, as prioridades e, muitas vezes, a dinâmica da família. No caso das mulheres, que passam pelo puerpério, além dos cuidados com o recém-nascido, ainda é necessário tempo para a recuperação física e emocional. Famílias adotantes também enfrentam uma fase intensa de adaptação — afinal, o novo integrante exige presença e atenção constantes.
No Brasil, a legislação reconhece parte dessa necessidade, garantindo às mulheres até 180 dias de licença-maternidade. Já os pais, via de regra, contam com apenas 5 dias de afastamento. Essa disparidade, que ainda está longe de atender às demandas das famílias modernas, é reflexo de uma sociedade que ainda enxerga o cuidado infantil como responsabilidade majoritariamente feminina.
“Quando falamos em licença-maternidade justa e licença-paternidade de verdade, a primeira coisa que precisamos reconhecer é que o modelo atual, no Brasil, ainda reforça desigualdades muito profundas”, aponta Camila Sacramento de Almeida, advogada especialista em direito penal e processo penal em entrevista à AnaMaria.
Entenda a fundo esse direito
A licença-maternidade é um direito garantido por lei às mulheres com carteira assinada. Ela permite que a trabalhadora se afaste de suas funções para cuidar do bebê e enfrentar com mais tranquilidade o período do pós-parto, que é delicado tanto física quanto emocionalmente.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) assegura, desde 1988, 120 dias de afastamento. Esse período pode ser estendido para até 180 dias nas empresas que participam do Programa Empresa Cidadã. Além disso, há possibilidade de prorrogação em casos específicos, como partos prematuros, internação hospitalar da mãe ou do recém-nascido, ou condições médicas que exijam atenção especial.
Outro ponto importante é a estabilidade provisória da gestante, que garante que ela não poderá ser demitida sem justa causa desde o início da gravidez até cinco meses após o parto.
A disparidade entre direitos de mães e pais
No modelo atual, a diferença entre a licença das mães e a dos pais é significativa — e não se trata apenas de quantidade de dias. Segundo a especialista, essa discrepância reforça o estereótipo de que o cuidado com os filhos é responsabilidade exclusiva das mulheres. Isso contribui para a sobrecarga materna e pode afetar negativamente a carreira delas. Essa desigualdade também reforça a ideia de que os homens têm um papel secundário na criação dos filhos.
Para Camila, é fundamental perceber que esse modelo não condiz com a realidade de muitas famílias brasileiras. Ela destaca que os pais também desempenham um papel essencial nos primeiros meses de vida da criança, tanto na construção do vínculo afetivo quanto no suporte à parceira.
Quando os homens não têm oportunidade de exercer esse papel, há perdas para todos: a mãe acaba sobrecarregada, o pai perde momentos importantes e a criança deixa de estreitar vínculos com ambos os cuidadores.
Como avançar?
Camila aponta caminhos para a mudança. “Em muitos países nórdicos, como Suécia e Noruega, a licença é compartilhada entre o casal. Essa medida permite que eles decidam como dividir esse tempo de forma mais equilibrada”, exemplifica.
Ela defende que, no Brasil, o avanço pode se dar de forma progressiva, com o aumento gradual da licença-paternidade. “Assim, é possível criar um sistema de licença parental mais flexível, oferecendo incentivos reais para que empresas adotem essas práticas sem medo de prejuízos”, complementa.
Além das mudanças nas leis, a especialista ressalta que também é preciso repensar o que significa ser pai e mãe no nosso contexto. “Precisamos parar de enxergar o cuidado como uma obrigação exclusiva da mãe. Cuidar é um direito e uma responsabilidade compartilhada. Quando a sociedade entender isso — e quando as políticas públicas refletirem essa ideia —, a gente vai estar mais perto de uma realidade mais justa para mães, pais e, principalmente, para as crianças”, conclui.
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