Seletividade alimentar, déficits nutricionais e aversões sensoriais são alguns dos desafios enfrentados por quem cuida de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). A alimentação equilibrada pode ajudar no desenvolvimento e no comportamento, mas muitos pais se perguntam: como oferecer comida para autista?
Para esclarecer as principais dúvidas e indicar caminhos mais tranquilos na hora de alimentar crianças com TEA, conversamos com Aline de Piano Ganen, coordenadora do Mestrado Profissional em Nutrição da Pós-Graduação São Camilo. Ela explica melhor as dificuldades para comer das crianças no espectro e como oferecer comida com dicas práticas.
Déficits nutricionais e suplementação
Aline explica que crianças autistas costumam ter deficiências em nutrientes como cálcio, zinco, vitamina D, B12 e proteínas, o que pode comprometer o crescimento, favorecer doenças como obesidade e afetar o bem-estar geral. “A ingestão inadequada pode resultar em comprometimento do crescimento e desenvolvimento, aumento do risco de doenças crônicas não transmissíveis”, alerta.
Quanto aos suplementos, ela ressalta que ômega-3 e vitamina D têm sido estudados por seus efeitos positivos nos sintomas sociais e comportamentais, embora ainda faltem evidências conclusivas. “A suplementação deve ser considerada quando há deficiências comprovadas ou necessidades específicas, sempre sob orientação profissional.”
Probióticos também estão sendo investigados por sua ação no eixo intestino-cérebro, mas Aline reforça que ainda não há consenso sobre quais cepas ou quantidades são ideais para o público com TEA.
Como oferecer comida para autista? Estratégias práticas
A seletividade alimentar é comum entre autistas por causa de sensibilidades sensoriais, preferência por certas texturas e resistência a mudanças. Por isso, a introdução de novos alimentos deve ser feita com cuidado. “Uma técnica eficaz é a cadeia alimentar, ou food chaining, que introduz gradualmente novos alimentos semelhantes aos preferidos da criança”, explica Aline.
Quando a criança só aceita alimentos da mesma cor ou textura, vale envolvê-la no preparo das refeições e dar opções dentro de uma variedade limitada. “A paciência e a celebração de pequenos progressos são essenciais”, reforça a especialista. Ela também recomenda manter uma rotina e, sempre que possível, buscar o acompanhamento de um nutricionista especializado.
Para crianças com aversões muito fortes, como a rejeição a alimentos pastosos ou crocantes, a orientação é oferecer alternativas com texturas aceitáveis e ir introduzindo novas aos poucos, observando a reação da criança e sem forçar.
Mitos, restrições severas e inclusão
Muitos pais e cuidadores acreditam que dietas como a sem glúten e sem caseína (GFCF) ou até mesmo a cetogênica podem “curar” o autismo. Aline explica que esse é um dos mitos mais comuns. “Embora a nutrição adequada seja crucial, não há evidências de que qualquer dieta elimine os sintomas do autismo.”
Ela lembra ainda que restrições severas sem orientação podem causar mais prejuízos do que benefícios, levando a deficiências e até piorando a seletividade alimentar. Por isso, qualquer mudança deve ser acompanhada por profissionais da saúde.
Para famílias de baixa renda, Aline sugere buscar orientação com nutricionistas do SUS, aproveitar programas de assistência alimentar e dar preferência a alimentos acessíveis e nutritivos, como grãos, vegetais e proteínas simples. Escolas e cuidadores também devem colaborar com o planejamento alimentar e respeitar as preferências da criança.
“Um planejamento e manejo individualizado, por meio de estratégias específicas para esse público, são primordiais para a promoção de qualidade de vida desses pacientes e de suas famílias”, finaliza a especialista.
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