Valéria Almeida nasceu na periferia de Santos, litoral de São Paulo. Com 10 anos, ficou órfã de mãe. O pai não teve estrutura para cuidar dos dois filhos e, então, ela foi morar com os avós maternos. Aos 15, começou a trabalhar numa corretora de café, mas sua vida mudou mesmo graças ao exemplo positivo de sua tia, a primeira pessoa da família a cursar uma faculdade e quem a motivou a também se graduar.
Apesar das dificuldades, cursou Jornalismo e encontrou aí bem mais que a chance de mudar de vida: encontrou a oportunidade de levar informação e esclarecimento às pessoas periféricas em especial. “Conseguir estudar foi uma missão difícil, mas o sentimento é de quem estava honrando cada um que teve seu sonho caçado”, fala com orgulho.
O caminho foi sinuoso, mas, mulher forte e guerreira que é, jamais se deu por vencida. Depois de fazer faxina para bancar as mensalidades e aceitar bilhetes de transportes públicos doados por professores para poder ir às aulas, com o sonhado diploma nas mãos, talento e bravura, as portas se abriram, dando início a uma jornada de notoriedade – o que não a fez tirar os pés do chão.
Passou pelo Profissão Repórter e, cinco anos depois, integra o Bem Estar, É de Casa, Encontro e Mais Você, tudo na Globo. Consciente de sua representatividade, ela segue firme em seu propósito: “É muito bom ajudar a desconstruir uma série de estigmas, escrevendo narrativas mais justas, bonitas e respeitosas”. Belíssimo propósito, não é mesmo?
Confira a entrevista completa:
A partir do Profissão Repórter, você deu início a uma trajetória que hoje a consolida como uma das mais talentosas e carismáticas apresentadoras. Como encara essa notoriedade?
Nos cinco anos e meio em que integrei o Profissão Repórter, tive a oportunidade de percorrer o Brasil e ter contato com diferentes culturas e realidades – o que me deu uma grande bagagem profissional e me enriqueceu como ser humano. Daí, quando migrei para o Bem Estar, já fui com uma visão ampla sobre a realidade do País. Em 2019, passei a integrar os programas matinais de entretenimento, com o objetivo de seguir propagando a tão preciosa informação, além de compartilhar leveza, sempre com base nas experiências que vivi e na alegria que carrego em mim. Hoje, ter o carinho e o reconhecimento do público é como receber o maior prêmio! É ter a certeza de estar no caminho certo.
Você também foi comentarista na rádio CBN, comanda uma produtora de séries e documentários e ainda atua como mestre de cerimônias. O que a motiva a seguir uma jornada tão diversificada assim?
Eu acredito muito no poder da comunicação e aproveito os diversos meios para contar histórias, propagar informação, provocar reflexões e estimular a sociedade. Estou sempre buscando caminhos de comunicar, com o propósito de plantar uma boa semente e provocar um impacto social positivo. Na TV, por estar num canal aberto, falo sobre assuntos amplos com relevância para toda a sociedade. Na produtora, realizo eventos e palestras, falando para um público específico. Para dar conta de tudo isso, me organizo e conto com o apoio do meu marido, Peterson Gomes, meu grande parceiro, incentivador e sócio. E a nossa parceria tem dado certo!
Além de jornalista, você tem especializações em gestão de produção e negócios audiovisuais e direitos humanos, responsabilidade social e cidadania global. Uma intenção específica para essas escolhas?
Eu fiz as especializações bem focada! Em Gestão de Produção e Negócios Audiovisuais, queria ter ferramentas para fortalecer a produtora. Já a especialização em Direitos Humanos, fiz com o objetivo de ampliar os horizontes. Eu queria escutar outros profissionais e estudiosos, que pudessem reforçar os conhecimentos em temáticas que já são comuns para mim, além de apresentar outras visões de mundo em temas que me interessam, mas que não fazem parte da minha vivência. Quis garantir a manutenção de uma comunicação justa, correta e respeitosa.
Você disse que tem prazer em contar histórias de pessoas à margem da sociedade. Como é dar voz a elas?
Acredito que todas as pessoas têm histórias para contar e voz para falar por si. Mas, nós vivemos numa sociedade que determina uma história para um povo de acordo com a raça ou a origem econômica, e despreza o que essas pessoas têm a dizer – o que faz com que pessoas pretas e periféricas, em geral, estejam na mídia somente em matérias de dor ou violência, reforçando os estigmas que já forjam o nosso País há séculos. Então, gosto de usar os espaços que ocupo para que as pessoas contem suas histórias, propaguem seus saberes e falem de suas dores e anseios. Dessa forma, me torno uma ponte entre quem precisa falar e quem deve ouvir.
Você revelou ainda que aprendeu com sua avó muito sobre sororidade, resiliência e fé. Foi daí que nasceu o desejo e a necessidade de trazer à tona essas histórias?
Eu cresci cercada por mulheres. Minha mãe, avós, tias e vizinhas me ensinaram sobre sororidade, sem que isso ainda sequer tivesse esse nome. Elas se ajudavam, dividiam o que tinham, se apoiavam e compartilhavam seus saberes. Também cresci vendo meu bairro ocupando os jornais somente nas páginas policiais. Aí resolvi cursar Jornalismo para contar as histórias que eu queria. Nisso estão pautas relacionadas à gênero, raça, luta pelo respeito aos direitos humanos e pela cultura.
Vinda de uma família preta periférica, você vem conquistando cada vez mais espaço na TV. O que diria a quem a tem como espelho?
Sonhe, acredite e persista, mesmo que o mundo diga que seu sonho é grande demais para você! Siga caminhando. Dê um passo de cada vez e, claro, lute sempre pelos seus direitos!
Sente que a ocupação negra na televisão vem, de fato, crescendo?
Costumo dizer que a televisão é só um reflexo da sociedade. Ela é a parte exposta do que a gente tem em todos os campos de atuação. Vejo uma melhora, mas o processo ainda é lento. Hoje ,existe diversidade, porém ainda há uma longa caminhada para que a gente alcance a equidade racial. Tenho o prazer de ver profissionais pretos em diversas áreas da TV e o privilégio de trabalhar diretamente com alguns, mas espero que, um dia, sejamos tantos, a ponto de não nos tornamos mais notícias por sermos os primeiros ou os únicos em determinados lugares.
O quadro Bem Estar é popular e tem linguagem acessível. Você crê que essa é uma maneira de levar informação sobre saúde pública, especialmente às pessoas à margem da sociedade, que dependem única e exclusivamente do SUS?
Todo conhecimento é importante para garantir uma vida melhor para todos. Mas, quando falamos de oferecer informação sobre saúde e bem-estar, entendo que essa é uma missão grande e valiosa, em um País que muitas pessoas estão à margem da sociedade, sem acesso ao básico. Ao longo de todo esse tempo no programa, já vi muita gente identificar um problema de saúde depois de assisti-lo…
Você disse: “Ainda tem gente que coloca uma peruca caricata para me homenagear. O racismo vai convivendo com você, às vezes de forma agressiva, mas na maior parte do tempo de forma sutil”. Todo dia é um ato de resistência?
Sim, todo dia é um ato de resistência! Não é simples, nem fácil alcançar bons lugares sendo uma pessoa preta na nossa sociedade. E, uma vez que a gente alcança, existe um árduo trabalho para permanecer e fazer a diferença. Espero que um dia a gente consiga simplesmente existir, sem precisar fazer um grande esforço de resistência. Mas, enquanto esse dia não chega, a gente trabalha, luta e segue plantando boas sementes.
Consegue dimensionar a força de sua representatividade?
É interessante pensar nessa representatividade, porque, muitas vezes, não me dou conta do alcance da minha imagem e trabalho. Faço o meu melhor sempre, mas é difícil calcular o impacto disso na vida de outras pessoas. Então, toda vez que recebo uma mensagem de carinho ou agradecimento, é como se fosse a primeira vez. Acho isso bom, porque me estimula, incentiva, encoraja, sem que eu tire os pés do chão.
Você encara seu ‘papel’ como uma missão para levar um olhar diferente para a equipe e os telespectadores?
É muito bom ver o impacto positivo de ocupar o posto que ocupo, porque, estando dentro de uma redação, posso apresentar um olhar diferente do olhar dos colegas de trabalho e ajudar a desconstruir uma série de estigmas, escrevendo, a muitas mãos, narrativas mais justas, bonitas e respeitosas. Fora da redação, tem o impacto precioso de pessoas pretas mais velhas, que me olham e se orgulham de suas próprias lutas, e de pessoas periféricas, pretas mais jovens, que se enxergam em mim e entendem que podem alcançar os lugares que elas quiserem. Me sinto honrada e muito feliz.
Sua percepção para o futuro…
Quando eu penso no futuro, sempre penso no melhor, porque sou uma pessoa otimista por convicção.