Marilia Mendonça e outras quatro pessoas morreram e deixaram um vazio. Seja fã ou não, a partida repentina da cantora comoveu a todos e mobilizou homenagens em todos os cantos do país. Talvez a frase que permeia a maioria dos tributos seja: “não consigo acreditar”. E, sim, é difícil mesmo acreditar que uma das maiores artistas do Brasil se foi de uma maneira tão trágica, sem a chance de se despedir, de dar um adeus.
Já se passaram quatro dias da notícia que abalou o país e segue sendo árduo acreditar que Marilia não estará mais nas redes sociais, nos palcos ou em casa, cuidando da família, compondo, cantando e se divertindo. Aliás, a personalidade autêntica e ao mesmo tempo representativa da sertaneja é o motivo que nos faz lamentar até agora a sua morte.
“Há uma sensação mais estreita de pânico, de consternação, de desolação, sentida de forma imediata, porque são sentimentos que surgem pela ‘perda da identificação”’, explica o psicólogo e escritor Alexander Bez.
COMOÇÃO NACIONAL
O especialista em luto Tom Almeida, fundador do movimento inFINITO, que promove reflexões sobre vida e morte, diz que a comoção nacional após a perda de Marilia se divide em três fatores.
“Primeiro é que foi um acidente, uma tragédia que traz a sensação de que a morte pode acontecer a qualquer segundo. Portanto, causa trauma, medo e choque. Ficamos no processo de não conseguir entender e aí buscamos argumentos para tentar explicar o que não faz sentido, por exemplo: ‘ela é nova’, ‘ela tem filho’, ‘ela tem uma carreira’, diz.
Segundo ele, acompanhar as notícias e as imagens também tem seu impacto. Já o terceiro ponto é o fato de Marilia ser uma celebridade. “Ela fazia parte do dia a dia. Estava na TV, nas rádios, nas redes sociais. Ou seja, independentemente do contato físico, o luto está relacionado com o vínculo afetivo. Até mesmo quem não era fã tinha algum vínculo com a história dela”, afirma.
IDENTIFICAÇÃO INCONSCIENTE
Marilia era jovem, morreu aos 26 anos, mas teve uma carreira meteórica. Em somente seis anos ela arrebatou corações com suas músicas. Era a ‘rainha da sofrência’, ícone do ‘feminejo’, valorizava a mulher e suas mais diversas facetas em suas canções. Isto é, a mulher que ama, que sofre, que trai e é traída, que bebe, que é abandonada e que abandona. Ouvir suas letras era quase como desabafar com as amigas em um bar. E foi desta forma singela, mas extremamente significativa, que ela conquistou o sucesso e deixou um legado.
“Esse processo de identificação psicológica é essencialmente inconsciente. É por isso que essa morte é tão sofrida”, afirma Alexandre. Tom explica que as pessoas buscam pelo luto coletivo por meio das redes sociais, o que acaba amplificando esse sentimento, já que as pessoas buscam entrevistas, depoimentos, fotos e expressam sua dor nesses espaços. “Ao mesmo tempo, as redes acionam gatilhos e quem as consome acaba sendo afetado também”, diz o especialista.
Além disso, a morte da cantora acontece em um contexto de pandemia, em que mais de 600 mil pessoas já morreram pela covid-19. “Estamos exausto. São muitas perdas, como a de Paulo Gustavo. A morte da Marilia acaba reativando outros lutos”, afirma Tom. Ele explica ainda que a perda da artista acontece quando os números de mortos pelo novo coronavírus estão diminuindo, isto é, em um cenário de esperança. “Não estávamos preparados para isso”, diz.
COMO LIDAR COM O LUTO?
Segundo Tom, cada pessoa tem seu próprio tempo para lidar com o luto, uma vez que é um processo natural, individual e que depende do vínculo que cada um tinha com quem morreu. “O primeiro ano da morte pode ser muito desafiador, mas o luto não acaba, ele só se acomoda. A gente passa a organizar a vida sem a presença física da pessoa.”
Para lidar melhor com a dor, ele afirma que o luto não deve ser ignorado, mas sim compreendido para entender como afeta cada um. Logo, nesse momento, é interessante buscar uma rede de apoio para ajudar na reorganização da vida.
Marilia se vai em um momento que não suportamos mais perder vidas. Para quem fica, resta aproveitar de seu legado, que não se restringe às músicas, mas que também é marcado por seu talento, à quebra de padrões, à generosidade, à simpatia e ao bom-humor.