É com uma boa dose de identificação que Eli Ferreira desenvolveu Laura, de Mar do Sertão, na Globo: “A objetividade dela tem muito de mim. Sou direta e, quando, por algum motivo, não posso ser, fico bem angustiada. Ter objetivos me move, assim como acontece com a personagem”. Aos 30 anos, ela já contabiliza mais de uma década de carreira, com papéis marcantes também em Tempo de Amar e Órfãos da Terra. Atualmente, ela brilha ainda nas plataformas de streaming, com as séries Sentença, na Amazon Prime, e Santo, na Netflix.
O que pouca gente sabe é que, além de atuar, Eli atua profissionalmente como locutora. “Sou a voz das chamadas oficiais das Olimpíadas de Tokyo [2021], além de produtora. E sou uma futura empresária”, antecipa a atriz, cuja paixão pela arte começou cedo: “Na igreja, estava sempre no núcleo de coreografias, canto… E esse lugar foi fundamental para o meu primeiro contato com o trabalho artístico, como é até hoje para as pessoas que vêm de regiões mais simples e/ou esquecidas”, pontua. Nascida em Nova Iguaçu e criada no bairro da Prata, em Belford Roxo, no Rio de Janeiro, de personalidade forte, bem resolvida e determinada, Eli vem colhendo os bons frutos decorrentes de muito estudo e dedicação. Uma mulher bela e arretada, com muito a dizer
Confira a entrevista de Eli Ferreira para a Revista AnaMaria:
Você revelou em entrevista, “Sou muito grata aos meus ancestrais”, ao celebrar seus trabalhos como atriz. Ocupar lugar de destaque na TV ainda é uma luta árdua, especialmente para os pretos?
Sim! E é uma forma de reverenciar os que vieram antes de mim. Pessoas que encontraram um cenário ainda mais desafiador em vários aspectos. É uma luta, porque, se formos falar em números, vivemos num País onde mais da metade da população é preta e parda, mas na TV e no cinema nacional não vemos a expressão desse número representada. E sob essa cultura ainda se sustenta o racismo estrutural – a ausência desses pretos e pardos em lugares de destaque está também nas empresas, nos cargos de liderança… Então, não é ‘só’ nos ver, mas, principalmente, ‘como’ nos vemos e ‘como’ propagam nossa imagem, e o quanto isso se relaciona com as gerações atuais e futuras.
Você é uma mulher bonita, culta, com voz pública graças à visibilidade que a TV proporciona. Isso a faz sentir mais segurança numa época em que o preconceito e a intolerância ainda perduram?
É claro que, onde eu for reconhecida, as chances de acontecer algo explícito nesse sentido são muito menores, mas não impede de acontecer de outras formas. Porém, na maioria das vezes, de forma ‘sutil’ – e aí estamos falando de preconceito racial e religioso –, sabemos que há uma ligação aí. Recentemente, estive em um evento para conversar com crianças e adolescentes sobre minha história. Num determinando momento, comentei que fui criada no cristianismo, religião na qual me mantive até uns três, quatro anos atrás. Apontei para a guia que eu estava usando e finalizei aquela fala [estando tudo dentro do contexto daquele momento da conversa]. Uma das mães me agradeceu pelas palavras, mas, em seguida, me abraçou e disse ‘Independentemente de qualquer coisa, Deus te abençoe’. Demorei uns segundos para entender o que estava por trás daquela fala. Ela julgou imediatamente que a religião que sigo agora não é de Deus, mas que, ainda assim, como frequentadora de uma igreja evangélica, poderia profanar que, independentemente de qualquer coisa, ou, traduzindo, ‘de você não servir mais a Deus’, que Ele me abençoe. Então, o preconceito e a intolerância continuam atuantes, não importa o degrau em que você esteja. Ele só muda de ‘máscara’, troca as palavras e a forma que vai se apresentar, mas ele acontece.
Em Mar do Sertão, a Laura era uma mulher sofisticada, prática e ambiciosa. O que ela tem em comum com a Eli?
Sou muito prática. E fico aflita quando não ‘posso’ ser. E sou ambiciosa também, mas ambições que se manifestam de formas bem diferentes. Sem dúvida, se tiver que escolher um adjetivo, seria a praticidade de Laura.
Pelo fato de ter enfrentado muitos obstáculos para ocupar a posição que conquistou, a Laura – de Mar do Sertão – acabou criando uma ‘casca’ para se proteger. Na vida real, você também tira partido dessa ‘defesa’?
Todos temos nossas defesas. A gente vai criando cascas para sobreviver nesse mundo que, muitas vezes, pode nos fazer até esquecer de nós mesmos e como realmente somos. Os personagens são isso, o reflexo da vida real. E tudo bem também porque, a partir desses momentos, a gente cresce, aprende sobre nós mesmos.
Morando em São Paulo, como é olhar para Belford Roxo, o lugar que a fundamentou enquanto pessoa?
Moro em São Paulo, mas estou sempre pelo Rio, pela Baixada Fluminense. Não tem esse olhar ‘distante’, porque convivo, falo, troco com as pessoas. A minha família e muitos amigos vivem lá. Eu sou Baixada também! Sou um ser inquieto e que ama suas raízes.
Aliás, você foi Miss Belford Roxo… É vaidosa ao extremo?
Eu acho que sou na medida. Gosto de me vestir bem, de me sentir bem. Não sou dada a procedimentos estéticos, mas, lembrando, com bom senso e profissionais adequados, não tem problema algum em fazer. A relação com a beleza muda também com o passar dos anos, né? E é isso que vamos sentindo.
A beleza abriu portas para você?
Algumas. A oportunidade de trabalhar como modelo foi a principal, mas pude fazer campanhas, conhecer lugares. Meu sonho era também ser modelo internacional, porque sempre me imaginei viajando pelo mundo, só que logo comecei a estudar teatro e me apaixonei ainda mais pela arte. Sempre soube que beleza não segura ou garante sucesso, e ainda bem! Então, sempre estudei e me cobrei muito para sempre fazer o melhor de mim naquele momento.
Qual sua relação com o espelho?
Quando me olho no espelho, tenho muito mais momentos felizes comigo mesma. Claro que tem dia que não me vejo tão bonita ou não me agrada quando visto alguma roupa, mas nunca foi uma ‘noia’. Eu era muito magrela – e até por isso, quando comecei, o trabalho como modelo caiu muito bem, mas, hoje em dia, meu metabolismo mudou. E eu relaxei bastante com relação aos treinos – tinha 11 meses que eu não fazia um abdominal sequer e voltei a treinar só tem nove dias… Então, estou com gordurinha na cintura, o quadril aumentou um pouco… Mas estou feliz, sei que foi descuido. Tenho pensado muito sobre o peso que dou a certas coisas na vida, então, tudo bem ter me dado esse longo tempo de pausa [risos]. Já retornei e não me crucifico por isso. Estou 100%? Não [risos novamente], mas estou feliz!
Como você se apresentaria a alguém? Que qualidades exaltaria e que defeitos deixaria de lado?
Difícil isso, porque vai depender de como o papo vai se encaminhar, mas, de cara, mostraria que sou comunicativa, nasci para me comunicar, nasci artista. Mesmo quando nem sabia direito o que era, eu já era artista. Diria que amo reunir pessoas, apresentar umas às outras e ver que se tornaram ótimas amigas, viajar… Diria ainda que sou teimosa, mas meu signo já diz por si só isso – sou taurina [risos]. Outros defeitos? Fica para as próximas conversas [risos novamente].
Você usava química nos cabelos desde os 9 anos. Há pouco tempo, passou pela transição capilar. Foi um momento de descobertas e desprendimentos?
Tem cinco anos que não uso química e fiz a transição capilar. Foi incrível ver de fato como meu cabelo é! Ver o crespo se formando, se fortalecendo, tomando forma. Não me senti bonita o tempo todo, mas foi um processo extremamente importante. E aconteceu quando teve que acontecer, quando senti no coração que precisava passar por isso. Foi difícil, mas, hoje, olho e penso: ‘como não fiz isso antes?’.
E como cuida do corpo e da alma?
Sou recém-iniciada em Fá (ou Ifá, para os Iorubás), uma religião de filosofia e matriz africanas. E, nos estudos e troca com o sacerdote e outros irmãos, a gente aprende muito. Há bastante conteúdo para absorver. Não é fácil, principalmente para quem vem de uma criação pautada na religiosidade, culpa e pré-conceitos. Mas o Fá nos ensina muito sobre nós mesmos. Tenho meditado também. A meditação tem tantos benefícios e, para mim, está sendo muito necessário! Sou inquieta, agitada e, às vezes, bate a ansiedade. Então, estou muito agradecida por conseguir meditar. Voltei a me exercitar e, recentemente, descobri a capoeira. Tem sido ótimo e me exige muita disciplina, cabeça aberta e corpo disponível.