Cinnara Leal, de 43 anos, contou em entrevista exclusiva à AnaMaria que percorreu um caminho persistente até realizar o sonho de trabalhar na Globo. Antes de ser escalada para viver a dançarina Nicole, em ‘Flor do Caribe’, ela fez três testes para entrar no balé do ‘Domingão do Faustão‘. Não deram certo. Desistir? Jamais!
Depois das investidas e negativas, ela encontrou na atuação uma nova paixão. E lá foi se especializar. Novamente, mostrou sua força e persistência: “Para pagar a faculdade de teatro, trabalhei distribuindo panfletos em eventos. Também prestei serviço a um bufê e servi café em uma comemoração de aniversário da emissora. Foi quando voltei aos estúdios”, conta.
O que a atriz não previu é que a visita ao local seria o pontapé inicial para sua participação na obra de Walther Negrão. Ela aproveitou a oportunidade para se inscrever no cadastro de atores… e entrou para o elenco: “Estar ao lado de profissionais que admiro era a vida dando voltas e mostrando o poder de não desistir de um objetivo”, fala orgulhosa. Outras portas se abriram”.
Ela também pode ser vista na série ‘A Divisão’, no Globoplay, e em breve interpretará Justina, confidente de Luísa (Mariana Ximenes), a Condessa de Barral, na novela ‘Nos Tempos do Imperador’, que teve seu lançamento adiado por causa da pandemia.
URGÊNCIA DE VIVER O HOJE
Aliás, Cinnara entrou em 2021 com urgência de viver. Isso porque ela enfrentou momentos delicados no ano passado, quando foi diagnosticada com a Covid- 19. Depois de dias de agonia no hospital, afirmando ter encontrado forças na esperança e na fé de que tudo ficaria bem, agora a artista pensa em aproveitar mais o presente.
“Fazer planos é importante, mas viver o hoje é urgente. A minha relação com o tempo é outra, quero tê-lo como aliado, como diz Caetano Veloso na música Oração ao Tempo: ‘És um dos deuses mais lindos / Tempo, Tempo, Tempo, Tempo / Que sejas ainda mais vivo’”.
“O vírus nos parou para termos um olhar de cuidado sobre nós mesmos. Nada foi fácil para mim e aprendi que, por mais difícil que seja o momento atual, ele não te define. Olhar e ver além”, completou.
Confira a entrevista completa:
Depois de enfrentar a Covid-19, como é sua relação com o tempo hoje?
A minha relação é outra. A vida é muito frágil, por isso é tão preciosa e rara! Estar no hoje, viver o tempo presente, não ir contra o tempo, e sim a favor dele, faz com que eu o tenha como aliado. Uma outra música que ouvia quando estava doente era Paciência, do grande Lenine. Diz assim: ‘Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma / Mesmo quando o corpo pede um pouco mais de alma/ Eu sei, a vida não para / A vida é tão rara’. O vírus nos parou, desacelerou para termos um olhar mais generoso conosco e além de nós.
Ressignificar é a palavra?
Sim, é uma palavra que transforma, que pede reflexão sobre quem fomos e, a partir disso, dar um novo significado, um novo sentido às relações, ao viver.
Dá para dizer que essa foi uma experiência assustadora?
Muito, a cada dia era uma luta, física e emocional. Eu entrei no hospital com um pouco mais de 90 mil mortos e, cinco dias depois, já tinham 100 mil. Muito triste viver tudo isso.
Defina Cinnara antes e após a doença.
Tive um sonho forte na minha última noite no hospital. Eu estava deitada em uma sala iluminada, com muitas janelas e portas, e pessoas vinham em minha direção trazendo flores amarelas. Eu levantava da cama, tentava agradecer, mas não saía nada da minha boca. Fui até uma mulher que me olhava e nada saía da minha boca. Então, fui em direção a uma das janelas e vi uma mata linda. Todo dia de manhã cedinho os enfermeiros, que foram incríveis, tiravam meu sangue para fazer os exames, sempre acordava, porém nessa manhã não acordei. Quando abri os olhos, não tinha mais nenhum aparelho ligado a mim, um silêncio que não tinha ouvido até então ali. Chegou meu café, tomei os remédios, perguntei para a enfermeira se estava tudo bem, ela disse que sim. Um tempo depois, o médico veio avisar que meus exames estavam ótimos e eu iria para casa. ‘Mundo, mundo, vasto mundo. Mais vasto é meu coração.’ É um trecho do poema de Carlos Drummond de Andrade, que consegue expressar o que sinto hoje. Um poema que explica a imensidão que sinto dentro de mim, no meu viver e o quanto isso se amplia para além de mim com um simples gesto de afeto.
Como foi se rever em ‘Flor do Caribe’?
Incrível! Foi uma forma de aprender com os acertos e os erros. Na verdade, a reprise vai além de rever um trabalho, significa trazer um olhar para a minha caminhada, para meu percurso, para o que estou lutando para construir. Estou lendo o livro da Michelle Obama, que diz: ‘Sua história é o que você tem, o que sempre terá. É algo para se orgulhar.’ É muito lindo e potente isso, despertar para sua própria jornada, se apropriar e se alimentar dela para continuar no seu propósito.
Na trama, Nicole sofreu racismo de Dionísio (Sérgio Mamberti). Para você, a maneira como a personagem reagiu serve como reflexão?
Muito! A Nicole trouxe nessa cena uma relação direta com a fala da cantora Nina Simone (1933 – 2003): “Você tem que aprender a levantar-se da mesa quando o amor já não está sendo servido”. Essa frase se aplica para qualquer relação, porque ela está ligada ao valor próprio, à dignidade.
Tem alguma característica da personagem que Cinnara se identifica?
Ela era muito desapegada, destemida… Nicole me fez olhar para a minha jornada e ver que eu também sou assim. Sair de um conjunto habitacional com o sonho de ser bailarina, entrar na Globo para servir café e, assim, poder pagar os estudos, me tornar atriz e dividir cena com dona Laura Cardoso, Claudia Netto e Aílton Graça é uma vitória que precisa ser celebrada.
‘A Divisão’ fala de um período complicado na política de segurança pública do Rio. Como foi resgatar isso com esse trabalho?
Falar de segurança pública é sempre muito impotente, porém doloroso, afinal estamos falando de exclusão social, demográfica e econômica. A Divisão traz como tema um crime que atravessou a fronteira territorial em que quem estava correndo risco era a classe média alta, os ricos, e não os pobres que vivem todos os dias a incerteza de se vão voltar vivos para casa e se vão continuar vivos quando estão em casa. Se esse crime findou, por qual motivo os outros crimes não? Até quando vamos ter uma segurança pública que protege só uma parte?
Qual é o principal desafio de um trabalho baseado em fatos reais?
‘A Divisão’ tem como tema o fim dos sequestros dos anos 1990, mas, principalmente, a questão da segurança pública, do que está por trás desse jogo de poder e o sistema totalmente corrompido que vemos até hoje. Por isso, é uma série atemporal e de extrema importância e necessidade. Só quando identificamos e trazemos à tona o problema é que podemos combater. É uma obra que o AfroReggae Audiovisual torna atual mesmo sendo datada, pois trata de uma questão de extrema importância que é o que eu chamo de representatividade ativa, trazendo o negro como protagonista. A obra tira da extremidade e torna centro quando atores negros são escalados com personagens de destaque.
E o retorno das gravações de ‘Nos Tempos do Imperador’?
As gravações devem ser retomadas em breve, talvez em meados de abril. A Globo, certamente, tomará todos os cuidados necessários para trabalharmos com segurança. Retornar a um trabalho depois de tanto tempo parado não vai ser fácil. Mas o trabalho do ator está em constante construção. Eu adoraria ter nascido pertencente de mim, sabendo e entendendo nossa história, mas isso nos foi tirado. A Justina vai além de dar vida a uma personagem, ela é um mergulho em mim mesma, nas minhas origens, na nossa história. A volta vai simbolizar o quanto os momentos difíceis nos tornam mais fortes e unidos.
Outros projetos em vista?
Daqui pra frente, é tempo de viver o agora. Puxar o ar e sentir ele entrar, ter forças para abrir os olhos, energia para sair da cama… Isso é o que mais importa. As coisas vão acontecer no seu tempo. Vamos cuidar da gente, despertar para o coletivo. Amanhã o amanhã dirá.
Um sonho realizado.
Estar viva junto da minha família.
Um sonho a realizar.
Muitos! Sou movida por sonhos. Mas desejo especialmente tirar do papel minha produtora sociocultural com a criação de conteúdos culturais de teatro e TV, projetos que, além de levar cultura e entretenimento, darão oportunidade, dignidade, esperança de um futuro diferente e possível a quem mais necessita. Acender a luz do outro é inspirador, é potente, é brilhar junto!