A ex-Malhação Carolinie Figueiredo relembrou momentos dolorosos em uma carta aberta, publicada na última quarta-feira (25), dia em que é comemorado internacionalmente o Combate à Violência da Mulher.
Hoje com 31 anos, ela é mãe de dois filhos e sofreu violência obstétrica no parto da primeira filha, Brena Luz, 9.
“Minha história de compreensão e elaboração da violência começou há nove anos, na chegada da minha filha ao mundo. Por ter sido um parto vaginal e sem anestesia, eu não compreendia o que tinha acontecido, mas algo me parecia errado”, começou ela.
“Eu tinha 22 anos. Dois anos depois do nascimento dela, eu estava grávida do meu segundo filho. Ao repassar as experiências do primeiro parto com a médica, ela me disse: ‘O que aconteceu foi uma violência obstétrica e você precisa elaborar isso’”, completou.
Figueiredo relatou o momento traumático: privação de água e comida, impedimento de movimentar o corpo, humilhação e a técnica Kristeller, na qual o médico empurra com toda a força a barriga da mãe para o bebê sair mais rápido.
“Doem também as memórias de trazer minha filha ao mundo gritando: ‘Não, não, não’, enquanto eu tentava fechar as pernas pra me proteger da dor. Essas dores estão vivas nas nossas células, na sensação física de limites que foram atravessados”, desabafou.
Confira a carta na íntegra:
“Minha história de compreensão e elaboração da violência começou há nove anos, na chegada da minha filha ao mundo. Por ter sido um parto vaginal e sem anestesia, eu não compreendia o que tinha acontecido, mas algo me parecia errado. Eu tinha 22 anos. Dois anos depois do nascimento dela, eu estava grávida do meu segundo filho. Ao repassar as experiências do primeiro parto com a médica, ela me disse: ‘O que aconteceu foi uma violência obstétrica e você precisa elaborar isso’.
Um filme passou na minha cabeça: não só a privação de água e comida, o impedimento de movimentar meu corpo. Não só as palavras de descrédito e humilhação sobre meu processo de parir, mas também a manobra de Kristeller (prática antiga da obstetrícia, que consiste em empurrar a barriga da mulher com toda força para que o bebê saia mais rápido; superperigosa pro bebê e para a mãe, altamente violenta). Doem também as memórias de trazer minha filha ao mundo gritando: ‘Não, não, não’, enquanto eu tentava fechar as pernas pra me proteger da dor. Essas dores estão vivas nas nossas células, na sensação física de limites que foram atravessados. Fica a vontade de chorar, o nó na garganta, as memórias que estão gravadas e emergem nos registros do corpo.
A verdade é que todas nós já sofremos algum tipo de assédio, abuso ou violência. Se você não lembra é só uma questão de tempo até seu sistema nomear. São as fichas que vão caindo ao longo da vida. Eu demorei 15 anos pra compreender que a maneira que perdi minha virgindade também foi um estupro.
Na minha rede é recorrente o registro de mulheres que fazem sexo com seus maridos sem vontade, por obrigação social. Precisamos falar sobre a dupla violência. Depois de todo processo doloroso de compreender o que aconteceu, contamos para algumas pessoas, pedimos apoio à família, ao sistema de saúde e ao Estado e encontramos culpabilização, humilhação, descrédito e desencorajamento, o que grifa ainda mais a violência de gênero.
Filha, hoje é seu aniversário de 9 anos. Parte do meu trabalho de despertar é limpar o terreno para que você pise com mais segurança. Estamos abrindo espaço para que seu caminho seja mais livre e mais justo. Esse movimento não é só meu, mas de todas mulheres que vieram antes, são por nossas avós, bisas, tias, primas… Mulheres que atravessaram tudo isso sem ter espaço de fala e escuta. Quando você puder compreender toda essa história, minha filha, eu espero que você sinta orgulho e admiração por esse movimento”.